Censo é feito exclusivamente sobre e para as 16 favelas da Maré. Com ele, é possível reconhecer singularidades e práticas sociais do território em números
Maré de Notícias #105 – outubro de 2019
Jéssica Pires e Thaynara Santos
O conjunto de favelas da Maré tem seu processo de formação consolidado entre os anos 1940 e 2000. A mobilização de moradores foi um primeiro passo responsável pelo processo de boa parte da formação do território e das iniciativas e organizações que lutam pela garantia de direitos básicos nas favelas da Maré. O Censo da Maré, desenvolvido pelo Eixo Desenvolvimento Territorial da Redes da Maré, em parceria com o Observatório de Favelas, apresenta demandas e questões desse território, por meio de dados coletados, in loco, porta a porta.
Por que um Censo na Maré?
O eixo de Desenvolvimento Territorial da Redes da Maré tem como um dos seus objetivos compreender o cotidiano dos moradores da Maré, por meio de pesquisas e levantamentos, buscando uma articulação territorial maior. O Censo Maré nasce desse desafio, com o foco na produção de conhecimento sobre múltiplas questões na Maré, desde o perfil étnico-racial, presença de religiões, questões ambientais, educação, etc. E o desafio é entender o que os moradores querem para a Maré, a partir desses dados, e como fazer com que mais pessoas se apropriem deles. “O Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por ser uma pesquisa de abrangência nacional, não é capaz de se voltar para determinadas características da realidade de cada território. Assim, em um contexto de demandas sociais tão acentuadas como o das periferias, é oportuno o levantamento de informações além daquelas observadas no Censo oficial do País, de caráter mais geral”, comenta Dalcio Marinho, coordenador geral do Censo Maré.
Esse processo de construção de conhecimento sobre o território começou em 2010, com a atualização da base cartográfica da Maré. Posteriormente, foi lançado também o Censo de Empreendimentos e um Guia de Ruas. O Censo Populacional teve início em 2012. Durante este período, foram visitados 92,01% dos 47.758 dos domicílios encontrados na Maré.
Além da coleta e publicização de dados sobre as favelas da Maré, o acesso a tantos dados sobre a região é uma ferramenta importante para os cerca de 140 mil moradores do território. De acordo com a Coordenação Executiva, conhecendo a Maré e suas demandas, o morador se sente mais preparado para reivindicar seus direitos. “Acredito que o Censo seja importante neste sentido: instrumentalizar o morador para reivindicar seus direitos, uma vez que temos os dados quantitativos das nossas demandas e sabemos em qual lugar estão localizadas”, conclui Everton Pereira, responsável pelo processamento de dados e coordenação de campo e executiva do Censo Populacional da Maré.
Quem fez o Censo?
A equipe responsável pela produção do Censo Maré é multidisciplinar, composta por geógrafos, economistas, estatístico, cientista social, assistente social e técnicos em geoprocessamento e em cartografia. Foram 158 pessoas atuando no processo: 92 pesquisadoras e pesquisadores de campo, 53 pessoas envolvidas na coordenação e 12 na digitação. “Um dos primeiros produtos do Censo foi o levantamento e atualização cartográfica e, nesse processo, a gente teve a oportunidade de conhecer cada cantinho da Maré. Hoje, eu posso dizer que conheço, pelo menos territorialmente, a Maré, as ruas, as vielas. Eu tive a oportunidade de enxergar que a Maré ainda tinha bolsões de pobreza, aumentei minha perspectiva de como a Maré é tão diversa e tem tanta desigualdade; que a Maré não é uma coisa só como aparece nos noticiários”, complementa Everton.
Os dados do Censo Maré serão disponibilizados no site da Redes da Maré em breve e, em razão de sua conclusão, a Redes já tem algumas ações para serem implementadas. Para refletir e propor projetos e ações para o território, no dia 29 de julho, os tecedores da Redes da Maré e parceiros participaram de uma formação interna, no Museu de Arte do Rio, com apresentação e análise conjunta de dados que chamam a atenção e incidem diretamente nas atividades e objetivos da organização. “Acredito que o Censo causa impacto, porque mostra, em dados, nossos processos de desigualdade em comparação ao restante da cidade. Isso cria questionamentos na forma como as políticas públicas são encaminhadas para esse território, não pode ser só pela Política de Segurança”, aponta Joelma de Souza, supervisora de campo da equipe de entrevistadores do Censo Maré.
Alguns dos inúmeros dados levantados pelo Censo Maré:
O bairro
A Maré tem 139.073 habitantes
É o 9º bairro mais populoso do Rio (são 162 bairros)
De cada 46 moradores do Rio, 1 é da Maré
Em média são 2,91 moradores por domicílio
Quem são os mareenses?
51% são mulheres
9,8% dos mareenses têm entre 25 e 29 anos.
62,1% se declararam pretos ou pardos.
18,5% dos moradores da Nova Holanda se declaram de cor preta.
61,8% dos moradores vivem na Maré desde que nasceram.
47% se declararam católicos; 21%, protestantes; 0,7%, espíritas ou espiritualistas; e 0,5%, de religiões afro-brasileiras [originadas na cultura de diversos povos africanos trazidos como escravos ao Brasil entre os séculos XVI e XIX].
45,9% das pessoas de 15 a 29 anos vivem ou já viveram em companhia de cônjuge.
3,5% dos domicílios têm uma pessoa com transtornos psíquicos, deficit cognitivo ou deficiência física.
Nordeste na Avenida Brasil
Dos nordestinos que chegam à Maré, 40,7% vêm da Paraíba; e 24,7% , do Ceará.
Saneamento básico
0,3% ainda não tem água canalizada.
O lixo é coletado na porta de 71,5% dos domicílios.
Em 26,4% das casas os moradores levam o lixo até um local de coleta.
Educação
6% dos moradores da Maré são analfabetos [de acordo com IBGE, no Rio a taxa é de 2,8%]
37,6% da população completou apenas o Ensino Fundamental.
19,6% dos adolescentes (de 15 a 17 anos) estão fora da escola.
“Olhando os dados do Censo, é alarmante como um espaço pode ser tão negligenciado pelo Estado, e não só pela Política de Segurança. O desconhecimento que muitos moradores têm sobre quais são seus direitos também é preocupante, muitos acham que não podem reclamar de coisas – como moradia e saneamento básico – por morar na favela.” Joelma de Souza, supervisora de campo da pesquisa.
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