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Por que a ADPF DAS favelas não pode acabar

Operação no Conjunto de Favelas da Maré , a ação do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) e da Policia Civil dentro do território. Foto: Patrick Marinho

Por De Olho na Maré

A ADPF 635, em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), é um importante instrumento jurídico para garantir os direitos previstos na Constituição e tem como principal objetivo a redução da letalidade policial. Por essa razão, ficou conhecida como ADPF das Favelas, porque incide exatamente nos territórios mais vulneráveis que são os mais impactados pelas operações policiais, que deveriam ser exceção, mas viraram rotina.

Além de ter sido construída com participação popular e da sociedade civil organizada, ela trouxe resultados práticos na direção da redução da violência policial e, o mais importante, criou parâmetros para que a atuação do Estado na área da segurança pública seja fiscalizada. Mas para a consolidação dessas mudanças tão fundamentais para garantir o direito à segurança pública é necessário que a ADPF continue a valer e seja cada vez mais aprimorada. É nesse contexto que se dá a importância do julgamento desse tema, que teve sua primeira sessão no dia 13 de novembro.

Além de ter sido construída com participação popular e da sociedade civil organizada, ela trouxe resultados práticos na direção da redução da violência policial e, o mais importante, criou parâmetros para que a atuação do Estado na área da segurança pública seja fiscalizada. No Rio de Janeiro, de 2019 a 2023, houve redução de 52% no número de mortos em decorrência da ação das polícias. 

Mas para a consolidação dessas mudanças tão fundamentais para garantir o direito à segurança pública é necessário que a ADPF continue a valer e seja cada vez mais aprimorada. É nesse contexto que se dá a importância do julgamento desse tema, que teve sua primeira sessão no dia 13 de novembro.

 De 2017 a 2023, o contexto político e acontecimentos pontuais influenciaram as estatísticas e comportamentos das operações policiais. Na tabela abaixo, há alguns desses marcos e hipóteses para essas variações ao longo dos anos. 

AnoVariação do Número de Operações PoliciaisContexto Político e Fatores Relevantes
2017Subiu 41%Olimpíadas e GLO (garantia da lei e da ordem) no governo Luiz Fernando Pezão
2018Caiu 61%Ação Civil Pública (ACP) – Maré
2019Subiu 143%Cenário Político: agenda eleitoral do Governo Wilson Witzel
2020Caiu 64%Pandemia / ADPF das Favelas
2021Subiu 25%Flexibilização das medidas da ADPF 635
2022Subiu 35%Ano Eleitoral: campanha de Cláudio Castro, baseada na segurança pública
2023Subiu 143%Continuidade do paradigma no governo estadual

Esses dados demonstram como diferentes eventos e contextos podem ter impactos variados nas operações policiais na Maré. Por exemplo, a queda significativa em 2018 e 2020 podem estar relacionadas às ações judiciais no campo da segurança pública. A primeira,  a Ação Civil Pública (ACP) da Maré que aconteceu no Tribunal de Justiça do Rio, primeira ação judicial coletiva que versa sobre segurança pública em uma favela brasileira.  Inspirada na ACP da Maré, acreditamos que a ADPF das Favelas e suas restrições no período da COVID-19 impacta na redução dos números em 2020 . 

A análise dos dados revela uma particularidade marcante em 2023: apesar do aumento no número de operações policiais na Maré em relação ao ano anterior, houve uma redução drástica na letalidade dessas operações, como mostramos no texto publicado na semana passada. Esse fenômeno contraditório sugere uma mudança, ainda que mínima, na abordagem da segurança pública na região, indicando uma possível priorização de estratégias do uso progressivo da força.

Essa dinâmica pode estar relacionada à busca da sociedade civil pela abertura de espaços de escuta e trocas sobre como se dá a atuação do Estado na favela.

Por que a ADPF 635 ainda é essencial para a segurança das favelas

A ADPF das Favelas permanece fundamental para a segurança das favelas do Rio de Janeiro e de outras regiões urbanas do Brasil onde a violência policial é a característica principal das intervenções policiais. No contexto de uma democracia ainda jovem e marcada por uma herança autoritária, o Brasil enfrenta o desafio de alinhar as normas legais que regem a atuação policial com práticas profundamente enraizadas de uso excessivo da força por parte do Estado. A ADPF das Favelas busca justamente conter esse tipo de abuso, ao promover maior fiscalização sobre as operações policiais e estabelecer limites para o uso da violência estatal, especialmente nas favelas, onde o impacto é devastador e os direitos humanos, frequentemente, negligenciados.

Além de estabelecer esses limites, a ADPF das Favelas exige a implementação de planos de redução da letalidade policial e o fortalecimento de mecanismos de controle externo das forças de segurança. Essa medida é um marco na tentativa de transformação do modelo de segurança pública, que, historicamente, utiliza operações policiais agressivas como principal estratégia de combate à criminalidade. Essas operações não apenas falham em resolver problemas estruturais de segurança, mas também reforçam o ciclo de violência e insegurança, colocando em risco a vida de milhares de pessoas que vivem em áreas de maior vulnerabilidade.

A ADPF 635 conseguiu diminuir os índices altos de letalidade policial no Rio de Janeiro e na Maré desde 2019, embora o número de operações na Maré tenha crescido muito nos últimos dois anos. Entretanto, ainda há um longo caminho para que ela seja implementada de forma plena, não apenas como diretriz legal, mas também na prática cotidiana das forças de segurança. A mudança de paradigma dentro das polícias se faz necessária para que o respeito aos direitos humanos e a proteção das vidas dos moradores de favelas se tornem prioridade. Contudo, ainda enfrenta barreiras significativas. Por essa razão, essa jornada de transformação não pode ser interrompida agora. A continuidade da ADPF 635 é essencial para impulsionar reformas estruturais no sistema de segurança pública e para reafirmar o compromisso com um modelo que valorize a dignidade e os direitos de todos e todas cidadãos desse país, independente de sua cor e local de moradia.

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