Projeto de articulação da Redes da Maré com as escolas é ampliado em 2023
Maré de Notícias #147 – abril de 2023
Por Adriana Pavlova
O dia 8 de março de 2023 foi de intensa atividade na Escola Municipal Professor Josué de Castro, na Vila do João. Numa sala lotada, meninas de 12 e 13 anos conversam sobre pobreza menstrual, enquanto brincavam de Crônicas Maréas, um jogo de cartas ambientado na Maré, sobre questões ligadas à sexualidade e à reprodução. Em outra sala, adolescentes participavam de um bate-papo sobre direitos sexuais e reprodutivos de diferentes gêneros.
Essas e outras conversas, mediadas pela equipe da organização Casa das Mulheres, fizeram parte da programação do Dia Internacional da Mulher, organizada pela direção da escola municipal Josué de Castro e fruto da parceria entre escolas da região e a Redes da Maré.
O trabalho de articulação que já acontecia em duas escolas, em 2023, foi ampliado para atividades regulares em oito unidades escolares municipais e estaduais do conjunto. Agora, além do Colégio Estadual Professor João Borges de Morais e no CIEP 326 Professor César Pernetta, passam a fazer parte do projeto o Espaço de Desenvolvimento Infantil Moacyr de Góes, as escolas municipais Nova Holanda, Josué de Castro, Millôr Fernandes e Olimpíadas Rio 2016, além do CIEP Samora Machel.
Aprendizado e missão
O objetivo é contribuir na formação de estudantes e professores, em busca de uma educação pública de mais qualidade na Maré. “São ações que ampliam as possibilidades pessoais, educacionais e profissionais dos alunos e dos trabalhadores da educação”, explica Patrícia Vianna, coordenadora do projeto, que trabalha com três articuladores.
Segundo ela, “os alunos querem entender questões de gênero e raça, algo que já é a missão de equipamentos como a Casa das Mulheres e a Casa Preta. Outro assunto recorrente é a segurança pública, para o qual temos o auxílio da equipe do Eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré”.
Desde o início do ano letivo, os articuladores estão visitando as escolas para apresentar os projetos e equipamentos da Redes da Maré para docentes, coordenação e direção. Em seguida, as escolas poderão contribuir com demandas específicas para a articulação continuada.
De acordo com a coordenadora, a ambição é grande: serão oferecidos cursos teóricos e práticos, palestras, debates, jogos e atividades lúdicas ou artísticas, além de contribuição na construção do projeto político-pedagógico de cada escola e do incentivo aos grêmios escolares.
“Identificamos os grêmios que ainda não fizeram eleições para poder ajudá-los na organização, contribuindo para se estabelecerem como grupo e respeitando as ideias e autonomia dos alunos”, explica a articuladora Adelaide Rezende.
Pouca informação
No ano passado, a articulação aconteceu em dez escolas da Maré, mas, na maioria delas, de forma pontual. Houve, entre outras, a participação da Casa Preta na Semana da Consciência Negra no Colégio Estadual Bahia; a visita do Caminhão Museu da Independência do Brasil, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), nos CIEPs Elis Regina e Samora Machel, atraindo cerca de mil pessoas; e a formação do SLAM de Poesia para estudantes na Festa Literária das Periferias (Flup) na Maré.
Outro destaque foi uma série de 13 oficinas sobre sexualidade e saúde reprodutiva, ministradas pelas facilitadoras da Casa das Mulheres, no CIEP César Pernetta.
“De um lado tem as alunas e os alunos com escassez de informação e, do outro, diretores em busca de ajuda para o aprofundamento de temas, porque muitas vezes os professores não se sentem seguros em abordá-los em sala”, diz a facilitadora Andreza Dionísio.
Com o jogo Crônicas Maréas e um saco onde são depositadas confissões e dúvidas anônimas, ela trata de assuntos como direitos sexuais reprodutivos, sexualidade, marcadores sociais, racismo, machismo e lgbtfobia.
Reduzir a evasão
A discussão sobre gênero e raça faz parte do projeto Toda menina na escola, parceria do Fundo Malala no Brasil com a Redes da Maré, cujo objetivo é fortalecer políticas públicas que ajudem a reduzir o número de garotas entre 11 e 17 anos fora da escola, promovendo o acesso à educação e o combate à evasão.
“Ao incentivar o debate sobre questões de gênero e de raça tão presentes no dia a dia de uma menina favelada, contribuímos para a ampliação do horizonte das estudantes e sua permanência na escola”, defende Andréia Martins, diretora da Redes da Maré.
As direções das escolas veem a parceria como a chance de mergulhar em temas que, no cotidiano escolar, nem sempre são abordados. “Um dos problemas da escola pública é a falta de recursos humanos. Precisamos de gente para trabalhar o empoderamento das meninas. Com a Redes da Maré, seremos capazes de fazer isso”, avalia Christiane Lagarto, diretora da Escola Municipal Josué de Castro.
Ação virtual
Em 2020, por conta da covid-19 e dos consequentes prejuízos para a educação, especialmente da favela, a Redes da Maré organizou encontros virtuais com gestores de escolas da região, para debaterem os desafios da pandemia.
Em 2022, as reuniões remotas passaram a acontecer presencialmente uma vez por mês, com um grupo regular de representantes do CIEP César Pernetta, das escolas municipais Osmar Paiva e Marielle Franco, do Projeto de Educação de Jovens e Adultos do CIEP Ministro Gustavo Capanema e do Colégio Estadual João Borges de Moraes.
A parceria da Redes da Maré com o Colégio João Borges, aliás, data de antes da inauguração da escola em 2018, num prédio na Nova Holanda, onde estava prevista uma escola técnica. A instituição participou ativamente da campanha da sociedade civil junto à Secretaria Estadual de Educação para a abertura da escola de Ensino Médio em turno integral, com ênfase em empreendedorismo: “Aqui tudo é no coletivo, via assembleia, e a representante da Redes da Maré, a Patrícia Vianna, tem uma cadeira nesse grupo, porque a Redes é uma parceira fundamental para a história da escola. O curso de robótica, que nasceu desta parceria, fez da nossa escola bicampeã no torneio nacional”, explica o coordenador pedagógico Bruno Silva Barros.