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Mobilidade Urbana: Quando sair de casa é um obstáculo

Ciclistas perto da divisa na rua Tancredo Neves, na Maré, onde a faixa para bicicletas é dividida com os carros. A situação da ciclovia a partir daí é muito ruim, com buracos e pouca sinalização - Foto: Douglas Lopes

Mobilidade urbana dentro e fora da Maré é artigo de luxo. Comprar pão é algo normal, mas na Maré virou pista de obstáculos.

Por: Gabriel Pereira* e Hélio Euclides

Andar pelas ruas das cidades se torna um desafio, em especial para pessoas com deficiências (PCD´s), grávidas e idosos. Nas favelas e bairros periféricos a situação tende a piorar. São carros e motos que não respeitam os pedestres, mas nas calçadas o perigo ainda é maior, com buracos, desníveis, falta de sinalização e sem acesso para cadeirantes ou às mães com carrinhos de bebê. Um exemplo da falta de mobilidade acontece na Clínica da Família Diniz Batista dos Santos, localizada em frente ao Parque União, que foi inaugurada há cinco anos, no qual pacientes precisam superar a barreira de 35 degraus da passarela para chegar até a unidade.

Dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013, realizada pelo IBGE em 64 mil domicílios, apontam que 6,2% da população brasileira possuem algum dos quatro tipos de deficiência indagados: intelectual, física, auditiva ou visual. Segundo o Censo da Maré, divulgado em 2019, em cerca de 3,5% dos domicílios da Maré há moradores com transtorno psíquico, déficit cognitivo ou deficiência física no território. 

Um coletivo que realiza o apoio a famílias de PCD´s é o Especiais da Maré. Valéria Viana é uma das gestoras do grupo e sempre pede ajuda da Gerência Local da Maré para colocação de rampas em algumas calçadas, para ter acesso.

“Muitas são quase impossíveis, porque estão tomadas por todo tipo de coisa e comércio. Então, como não há um padrão da calçada, dificulta a nossa caminhada. Precisa estar sempre disputando espaço com carros, com motos, com todo tipo de transeuntes. Por exemplo, a ciclovia do Conjunto Pinheiros, que é inclusive uma parte do meu trajeto aqui, é muito mal conservada, não tem rampa.”

Valéria Viana, coletivo Especiais da Maré

Ela conta que algo simples como ir à escola, vira uma aventura.

“A escola é outra luta para se ter acessibilidade na entrada. Uso a força para levantar a cadeira e colocar na calçada e passo por um gramado, o que é uma dificuldade. Ao incluir uma criança com deficiência na escola, era extremamente necessário que houvesse algumas mudanças”, conta. Viana lembra que o trajeto até a escola é cheio de buracos e partes com falta de calçada. “Há mal conservação das vias públicas Quando está chovendo é complicadíssimo”, desabafa.

Gerência Local da Maré

Para a moradora da Vila dos Pinheiros, a Gerência Local da Maré até se mostrou disponível para tentar ajudar, porém não é qualquer rampa que deve ser feita, é preciso ter ângulos específicos. “Eu praticamente tive que desenhar e falar como que é em outras cidades, porém até hoje não foi feito. Hoje nem o básico existe, não tem um banheiro adaptado, dessa forma meu filho não pode realizar as necessidades”, comenta.

Viana até pensou em matricular o filho na Escola Municipal Millôr Fernandes, no Salsa e Merengue, mas ficou sabendo que, apesar de ter elevador, não funciona. “A escola tem um elevador sem manutenção e ausência de uma rampa”, conclui. 

Sua colega do Especiais da Maré, Antônia Maria, é cadeirante. Ela mora em uma quitinete alugada, que fica no segundo andar da casa. A residência é inadequada e inacessível, pois precisa da ajuda de amigos ou conhecidos para sair de casa. A dificuldade é precisar de alguém que desça a escada com ela nos braços, colocando a vida de ambos em risco porque a escada é íngreme. Para subir é o mesmo transtorno. Seu direito de ir e vir começa a ser interrompido antes mesmo da calçada. Para mudar essa situação foi criada uma vaquinha, quem desejar ajudar é só acessar: https://www.vakinha.com.br/vaquinha/preciso-de-ajuda-para-comprar-uma-kitnet.

Uma passarela e seus buracos

Como parte das obras do BRT Transbrasil, as passarelas antigas passaram por uma reforma, troca de reboco e piso, além de pintura. Na passarela 9, próximo a Nova Holanda, a passarela não foi isolada corretamente para a reforma, o resultado foi marcas de pneus por grande parte do piso. Com menos de seis meses de conclusão, algumas partes do piso já se soltaram, surgindo buracos. Essas falhas na obra já causaram alguns tombos de pedestres, provocando algumas escoriações, como divulgado em um vídeo vinculado nas redes sociais do Maré Vive. 

Jorge Geraldo, o popular Jorge Bob´s, morador do Rubens Vaz, é PCD e utiliza para a locomoção um carrinho de rolimã, tendo as falhas no piso da passarela um obstáculo.

“Acabaram de reformar a passarela e já está cheia de buracos. Ainda falam em mobilidade na cidade”, questiona. Ele diz que na favela as dificuldades são enormes. “Muitas vezes para chegar numa loja tem que duas pessoas para suspenderem o carrinho para eu conseguir subir a calçada, que por cima é irregular.”

Jorge Bob´s, morador do Rubens Vaz

O que diz a prefeitura

A Secretaria Municipal de Infraestrutura informou que a passarela passa por manutenções constantes. Declarou que o problema é algo de vandalismo e de motos circulando. Prometeu enviar uma equipe para vistoriar e verificar os serviços a serem feitos. Até o fechamento deste texto os problemas continuavam. 

Mas não é só atravessar a passarela que os problemas acabaram. Wallace Coutinho, conhecido como Madiba MC, morador da Baixa do Sapateiro, sofre para chegar ao trabalho. Ele utiliza a linha de ônibus 665, Pavuna X Saens Peña e reclama que, muitas vezes, dá sinal e o motorista simplesmente faz cara de paisagem e passa direto.

“Acredito que todo trabalhador que necessita de transporte público para se locomover ao seu local de trabalho sofre um pouco toda manhã. Seja porque o busão está lotado e apertado, no calor sem ar condicionado, ou até mesmo por dar sinal e perceber que o motorista escolheu não parar naquele ponto, ou ainda quando tem goteiras dentro do ônibus que vão nos molhando por todo o trajeto”. 

Wallace Coutinho, conhecido como Madiba MC, morador da Baixa do Sapateiro

Na segunda-feira (06/11), foram quatro veículos que não pararam no ponto da passarela 8, sentido Centro. Ele confessa que é frequente, quando que se pega rindo de algumas situações por já saber o que pode acontecer. “Realmente acordar às 4 da manhã já sabendo que alguns desses ‘imprevistos’ acontecerão e que seu patrão não irá querer saber de ‘desculpas’ não é nada motivador. Nosso cansaço físico se une ao nosso cansaço mental por não podermos fazer muita coisa e termos que lidar com isso com o máximo de paciência possível. Não nascemos em berço de ouro e pagamos para sofrer um dia de cada vez”, comenta.

A bicicleta como solução 

No Complexo do Alemão foi construído um teleférico que não foi uma reivindicação dos moradores, e que custou cerca de R$ 300 milhões. Por outro lado, apenas 30% da favela têm saneamento básico, uma reivindicação histórica dos residentes nesse território. Para piorar o teleférico se encontra desativado. Isso é o que mostra a pesquisa feita sobre mobilidade no Complexo do Alemão e no Conjunto de Favelas da Maré, realizada em 2014, pela Redes da Maré, Observatório de Favelas e o Centro para a Excelência e Inovação na Indústria Automóvel (Ceiia).

A pesquisa registra que apesar da Maré se encontrar numa localização estratégica na cidade, visto ser cortada por três das principais vias de circulação: Avenida Brasil, Linha Vermelha e Linha Amarela, isso não garante uma mobilidade física ampliada da população.

A demanda por deslocamento a outras partes da cidade acontece, basicamente, para ir ao trabalho, em sua maioria, mas também para fins de lazer e estudo ou para a busca por acesso aos serviços públicos considerados de melhor qualidade, em comparação com os existentes na Maré; em particular, os de saúde. Nessa perspectiva, quase 47% dos entrevistados afirmam circular fora da Maré pelo menos cinco dias da semana.

Carros e motos

Já o crescimento do uso de carros e motos é notório na Maré. Nesse caso, urge incidir junto às políticas públicas, no sentido de se definir a regulação da circulação desses veículos motorizados e do estacionamento adequado para eles. Nesse caso, as ciclovias e a construção de bicicletários nas estações do BRT são centrais para ampliar o uso das bicicletas e reduzir o uso dos carros. 

Para transitar dentro e fora do espaço das favelas, a bicicleta pode ser uma alternativa interessante. Ela é barata, saudável e sustentável de se locomover, além de poder servir como lazer. Um exemplo bacana é o projeto Preta Vem de Bike, realizado na cidade de São Paulo, que estimula o uso de bicicleta por mulheres negras, que estão entre as mais vulneráveis quando o assunto é transitar pela cidade.


No Alemão não é diferente

Já no Complexo do Alemão, o teleférico inaugurado em 2011, tem 3,4 km de extensão, foi inspirado no modelo de Medellín, na Colômbia. No entanto, este projeto apresenta várias diferenças. Em Medellín, as estações estão localizadas num eixo longitudinal ao aclive da favela, enquanto no Alemão, as estações estão localizadas no topo dos morros. Por este motivo, o projeto carioca é muito criticado inclusive pelos moradores. A localização das estações dificulta o acesso, uma vez que devem subir até o topo do morro para ingressar ao sistema. Isso é o que mostra a pesquisa Mobilidade urbana nas favelas do Rio de Janeiro: Intervenções e impactos sociais, de Lídia Borgo Duarte Santos

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Em texto publicado no Maré de Notícias, Clarisse Cunha Linke, diretora-executiva do ITDP Brasil, explica que nos últimos anos muitas favelas tiveram parte de suas vias asfaltadas, o que resultou no aumento da presença e da velocidade de automóveis e motocicletas. As motocicletas são consideradas por especialistas uma das mais sérias epidemias urbanas desta década, e seu impacto tem sido sentido em todos os territórios urbanos, formais e informais. No contexto da Maré, onde a malha de ruas e becos é bastante densa, a presença de automóveis e motocicletas afeta diretamente a vida dos pedestres e ciclistas.

As soluções para a cidade

A mobilidade urbana nas favelas é um desafio que envolve questões de acesso, segurança, infraestrutura e transporte público. Devido às condições topográficas em que estão inseridas, a locomoção nestes locais torna-se um tanto quanto complicada, afetando aqueles com mobilidade reduzida e pessoas com deficiência física.

Sobre as calçadas, a responsabilidade pela manutenção das calçadas e estradas nas ruas do município do Rio de Janeiro pode variar dependendo da localização e do tipo de via. Em geral, a manutenção de estradas principais e avenidas é responsabilidade da própria Prefeitura. Já as calçadas são de responsabilidade dos proprietários de imóveis adjacentes. Os proprietários são obrigados a manter as calçadas em boas condições, limpas, com reparos e a garantia de acessibilidade para pessoas com deficiência. 

A Prefeitura do Rio de Janeiro pode adotar várias medidas para melhorar a mobilidade urbana de pessoas com deficiência física em favelas, promovendo a acessibilidade e garantindo que essas pessoas tenham condições adequadas para se deslocarem pela cidade. A Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência (SMPD), foi criada para aprimorar a qualidade de vida de um cidadão PCD. Dentro do site Carioca Digital há uma vasta lista de serviços para que aqueles que necessitam possam recorrer, que vai de serviços de gratuidade em transportes públicos até transporte próprio para levar estudantes PCD às suas escolas.

Confira https://carioca.rio/orgao/secretaria-municipal-da-pessoa-com-deficiencia-smpd/. Ainda assim, o que está sendo feito ainda está aquém das necessidades dos cariocas, principalmente os moradores de favela.

*Gabriel Pereira é aluno do Curso de Extensão da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em parceria com o Maré de Notícias e o Conexão UFRJ.

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