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Quem casa quer casa. Mas quem cuida?

A luta pela igualdade nos afazeres domésticos

Jorge Melo

As pesquisas são variadas, mas a conclusão é uma só: as mulheres conquistaram o direito de trabalhar fora, de construir uma carreira, chegar a postos de direção, ganhar dinheiro, mas isso não significa contar com o apoio efetivo dos companheiros nas tarefas domésticas, com raras exceções.  As mulheres brasileiras trabalham, em média, mais de 7 horas por semana a mais que os homens, devido à dupla jornada, que inclui tarefas domésticas e trabalho remunerado. Apesar de a taxa de escolaridade das mulheres ser mais alta, a jornada de trabalho também é.

Esses dados constam no Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, do Ipea, divulgado em junho de 2017. O estudo tem como base a PNAD, Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio, do IBGE, feita com base em séries históricas de 1995 a 2015.

A opinião dos homens

Fábio Monteiro tem 36 anos e não acha que exista tanta diferença assim. Ele é solteiro, motoboy, formado em História, mora na Vila do Pinheiro, na Maré, e entende que existem situações diferentes: “se as mulheres trabalham mais em casa, os homens trabalham mais na rua; o que determina a divisão das tarefas é a necessidade”. No caso de motoqueiros como ele, “a grande maioria, para completar a renda, enfrenta dois turnos de trabalho, um durante o dia e outro à noite e não pode dividir as tarefas da casa com a mulher, mal têm tempo de dormir”. Fabio diz também que as tarefas de manutenção da casa são sempre desempenhadas pelos homens, como consertar o encanamento, a rede elétrica, retocar a alvenaria: “outro dia fui convidado para bater uma laje e não tinha mulheres pegando no concreto; infelizmente esse tipo de trabalho não é visto como trabalho doméstico”.

Segundo a terapeuta familiar, Malu Palma, com mais de 20 anos de experiência atendendo casais, a questão da divisão das tarefas domésticas, algumas vezes injusta com as mulheres, pode afetar a relação. Brigas sobre este tema são bastante comuns e só costumam deixar de ser quando se aprofunda a escuta e melhora a comunicação entre o casal”.

O exemplo vem de casa

Bruno Silva, motorista, de 35 anos, é uma exceção. Morador da favela Nova Holanda, na Maré, é casado com Renata, de 34, e tem dois filhos adolescentes. “Começamos cedo”, diz ele sorrindo, ao lado de Renan, de 18 anos, e Breno, de 14 anos. Bruno lava, passa, limpa a casa e ganha elogios da mulher, “ele cozinha melhor que eu”.  Ele conta que a mãe tinha uma deficiência num dos braços e ele sempre ajudou. Com o tempo, foi tomando gosto pela cozinha e nunca viu problema em realizar tarefas “consideradas femininas”. E garante que cria os filhos nesse mesmo padrão, “eles resistem um pouco, são adolescentes, mas fazem de tudo; aqui cada um tem a sua tarefa”. Renata confirma: “não me sinto sobrecarregada, muito pelo contrário”. Renata é dona de um salão de cabelereiro, também na Nova Holanda, e passa muitas horas no trabalho. Ela afirma que nunca teve esse problema: “desde que ficamos juntos, dividimos todo o trabalho da casa, nunca discutimos por isso. O que acontece é que tem dias em que eu não quero cozinhar ou ele não quer limpar a casa e aí trocamos, sempre dá certo”.

 Marcos Diniz da Silva, conhecido na favela Nova Holanda como Ratão, é outro exemplo de homem que divide as tarefas com a mulher. Fotógrafo, tem 34 anos e é casado com Aline Souza, de 27, que também é fotógrafa. Os dois têm uma filha, Maya, de um ano e meio. Marcos começou a ajudar a mãe nas tarefas domésticas a partir dos sete anos de idade. “Ela trabalhava, eu tinha de ajudar. O mesmo aconteceu com os meus três irmãos, as tarefas eram divididas”. Na casa de Marcos e Aline, ele é o cozinheiro e responsável pela organização. “Ele é todo certinho, arrumado, não gosta de bagunça e coisas fora do lugar”, diz Aline. Marcos faz questão de dizer que “não faço nada demais, é o justo, eu não ajudo, divido as tarefas, é assim que tem de ser”. Aline diz que tem sorte, e que a irmã dela, Amanda, que mora em Sergipe, não conta com o mesmo apoio, “ela trabalha fora e faz tudo dentro de casa, o marido não ajuda, mas ela acha isso normal. É uma cultura que existe, principalmente no Nordeste, como se o trabalho da casa fosse responsabilidade única da mulher”.

 

Mulher também cansa

 “A expectativa moderna é que haja igualdade em tudo dentro do casamento. Todos precisamos dar conta de nossas vidas profissionais, pessoais e familiares. As rotinas individuais são duras e os serviços domésticos não têm prestígio. A falta de interesse por eles não é só masculina”, afirma a terapeuta Malu Palma. O maior envolvimento com a casa e com as tarefas domésticas acaba por afetar o desempenho das mulheres nas atividades profissionais e a imagem delas – o que se reflete na remuneração. Mesmo na Europa, onde a desigualdade salarial é menor, as mulheres ganham, em média, na mesma função, 16% menos que os homens.

No Brasil, as mulheres que têm níveis de escolaridade mais alto fazem mais tarefas domésticas desde pequenas e estão chefiando cada vez mais as famílias. Mesmo assim, elas continuam sendo desvalorizadas no ambiente de trabalho e ganhando menos que eles. É o que mostram os dados do IBGE.  Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, PNAD, de 2015, o rendimento médio dos brasileiros era de R$ 1.808, mas a média masculina era mais alta (R$ 2.012) e a feminina, mais baixa (R$ 1.522).

A história é antiga, mas pode mudar

A distinção entre meninos e meninos em relação às tarefas domésticas tem origem na família e começa cedo. Segundo a mesma pesquisa do IBGE, de cada 10 meninas de 10 a 14 anos, 7 cuidam de tarefas domésticas. Já entre os meninos, são apenas 4. Ou seja, desde crianças, vai sendo incutido na cabeças de meninos e meninas que cuidar da casa é atribuição das mulheres. Valmir Alves do Nascimento é barbeiro, tem 44 anos e há 18 anos é casado com a assistente social Cleonice. O casal tem dois filhos de 17 e 3 anos. Valmir divide todas as tarefas com a mulher, só não lava roupa, “mas nós temos uma máquina de lavar”, se apressa em dizer. O filho mais velho também executa tarefas na casa como lavar a louça e cozinhar. “Tenho visto mudanças importantes na forma de encarar estas tarefas, mas ainda há um grande número de pessoas, homens e mulheres, que consideram que as tarefas que geram dinheiro possuem maior valor, e devem geram mais regalias a quem as exerce do que qualquer outro”, afirma ainda a terapeuta Malu Palma.

Valmir lembra que na casa dos pais não fazia nada. As tarefas domésticas eram divididas entre a mãe e a única irmã. Ele e os outros dois irmãos estavam liberados do trabalho doméstico. Com o casamento, não houve escolha, a mulher trabalha muito e ele tem um horário de trabalho flexível, “o trabalho doméstico é uma coisa que não tem fim, não acaba nunca, não é justo que uma pessoa só seja a responsável por ele, além de tudo se tiver outras atividades como a minha mulher tem”.

Apesar das mudanças socioeconômicas, na visão dos homens as tarefas domésticas ainda são femininas. O Instituto Promundo reuniu resultados de pesquisas que buscaram mensurar a percepção dos homens sobre os trabalhos domésticos. Entre esses resultados, 54% dos homens concordam totalmente com a afirmação de que o papel mais importante da mulher é cuidar da casa e cozinhar para a sua família.  89% consideram “inaceitável” que a mulher não mantenha a casa em ordem. E 53% acreditam que a mulher é a principal responsável por manter um bom casamento. Portanto, há muito o que aprender com Valmir, Marcos e Bruno. Quem sabe, em pouco tempo, eles não serão mais uma exceção.

 

Bruno lava, passa, limpa a casa e ganha elogios da mulher, Renata: “ele cozinha melhor que eu” | Foto: Elisângela Leite
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