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Será que eu existo?

Jéssica Farias teve medo de não conseguir ajuda médica ao ser contaminada pela covid-19 por conta da sua invisibilidade como cidadã - Foto: Matheus Affonso

Invisibilidade social de brasileiros sem nenhum documento foram tema do Exame Nacional do Ensino Médio 2021

Por Edu Carvalho

         Jéssica Farias, de 31 anos, moradora da Nova Holanda, vive sem existir como cidadã por não ter quaisquer documentos — certidão de nascimento, CPF ou identidade. Ela é apenas uma entre três milhões de brasileiros que vivem na mesma situação, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “É muito difícil você fazer as coisas sem documento. Faz muita, muita, muita falta”, lamenta ela, que recentemente conseguiu um emprego. Jéssica cria, sozinha, quatro filhos. 

          No ano passado, quando teve covid-19, ela teve medo de não conseguir ajuda médica por conta da sua invisibilidade como cidadã. ‘’Foi complicado, porque eu não podia fazer o teste direto, precisava me cadastrar antes. Meu vizinho foi quem conseguiu, junto à Redes da Maré, me encaixar. Se fosse pra resolver sozinha, não conseguiria’’, conta. O maior esforço de Jéssica é fazer com que os filhos tenham acesso a direitos básicos, e para isso, documentos são essenciais. “É muito importante ser reconhecido”.

          O vizinho a quem Jéssica se refere estava à distância de uma parede: Matheus Affonso, de 24 anos, vê todo o esforço da amiga para conseguir seus documentos. Ele conta que sua vida teria sido diferente se seu pai não insistisse para que ele tirasse todos os seus documentos o mais rapidamente possível. Fazer o último Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), que teve como tema da redação a questão da invisibilidade, foi que ampliou sua reflexão a respeito da importância dos registros que dão acesso aos direitos fundamentais no país. 

          ‘’Tive uma família me apoiando para que eu tivesse documentos em dia’’, conta o jovem, que conhece a fundo muitas histórias sobre vidas sem cidadania por conta da falta de documentos, vividas bem no seio da Maré. Mas há grupos para os quais o foco de Matheus se volta com mais profundidade: mulheres, pessoas negras e LGBTQUIA+, cujas trajetórias são constantemente apagadas e que sofreram mais profundamente os efeitos da pandemia. ‘’Na minha vida adulta, encontrar principalmente amigas travestis e transexuais sem documentos nem suporte familiar, e o quanto essa não existência tem relação com o fato de serem mulheres, mulheres negras, trans e faveladas, me impulsiona a garantir a cidadania destas pessoas.”

        Foi justamente a crise sanitária provocada pelo novo coronavírus que expôs o abismo entre quem tem e quem não tem o mínimo. Quem soube investigar a analisar o assunto foi a jornalista e professora Fernanda da Escóssia, cuja tese de doutorado deu origem ao livro Invisíveis: uma etnografia sobre brasileiros sem documento (Editora FGV, 2021).. Nele, é traçado o perfil de quem vive fora das vistas do Estado. O livro fala da síndrome do balcão, a peregrinação dessas pessoas de guichê em guichê das repartições públicas, durante anos, sem conseguir atendimento.

        ‘’A pandemia explicitou todas as camadas da desigualdade: a pobreza, o racismo, o machismo estrutural, o acesso mais difícil dos mais pobres às políticas de saúde e educação’’, aponta Fernanda, que também é editora da Revista Piauí. Para ela, o Estado deve ser responsável pela garantia de direitos. 

        O Maré de Notícias já havia se debruçado sobre o tema em setembro de 2021, quando o repórter Hélio Euclides entrevistou o economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Marcelo Neri sobre o percentual de brasileiros que não têm registro de nascimento: são cerca de 2,27 milhões (1,08% da população). “A falta de certidão de nascimento é apenas o caso mais extremo da ausência de um direito que repercute em outros, como o ingresso na escola, no mercado de trabalho e mesmo na assistência social. É preciso criar políticas que facilitem o acesso à documentação.” 

        Para quem não tem certidão de nascimento ou outros documentos, é possível recorrer à Justiça Itinerante, uma iniciativa do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Em um ônibus que circula pela cidade do Rio, cidadãos podem enfim dar entrada no pedido de documentos. O atendimento para quem mora na Maré é feito semanalmente, das 9h às 15h. Se você reside em outra região do Rio, visite o site da Justiça Itinerante (http://www.tjrj.jus.br/web/guest/institucional/projetosespeciais/justicaitinerante) ou ligue para (21) 3133-3468 ou 0800-285-2000 (Ouvidoria do Tribunal de Justiça). 

Como retirar documentos: 

Isenção: 

Os Centros Comunitários de Defesa da Cidadania (CCDCs) oferecem isenção de taxas para casamento, 2ª via de certidões de nascimento, casamento, óbito e Registro Geral (RG). O CCDC Maré funciona na Rua Principal, s/n°, Baixa do Sapateiro, das 9h às 17h.

Através da Fundação Leão XIII também é possível conseguir  isenção do pagamento para conseguir a documentação civil. Na Nova Holanda, o atendimento ocorre de segunda a sexta, das 9h às 18h, seja presencialmente, na rua Sargento Silva Nunes, nº 1.012, ou pelo telefone 2334-7801. Na Praia de Ramos, a Fundação Leão XII fica na rua Gerson Ferreira, 06,  e o atendimento pode ser feito também pelo telefone 2334-7802.

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