Uma pessoa de cada lado, com um barbante entre eles. Amarrado a cada uma das extremidades dois copos diferentes. Parece que os moradores da Maré vão precisar participar dessa brincadeira de criança, isso porque repentinamente usuários da telefonia fixa ficaram sem o serviço. Com o fim do serviço de cabeamento de cobre, anunciado este ano através de uma correspondência para os moradores, a tecnologia de fibra óptica foi implantada em diversos locais da cidade, menos nas favelas. Para substituir os telefones fixos, foram disponibilizados celulares de modelos antigos que não encontram sinal dentro dos domicílios.
Com a privatização da telefonia fixa, esse serviço ficou sob a responsabilidade da Telemar. Hoje o serviço na cidade do Rio é dividido entre Oi, Vivo, Tim e Claro, todas com o serviço de internet em forma de combo.
Solução que não soluciona
Na Maré apenas a Oi disponibiliza o serviço, não há concorrências. Quando os moradores foram comunicados do encerramento do serviço no Conjunto de Favelas da Maré, a empresa Oi ofereceu como solução um celular com chip, que garantia o mesmo número utilizado pelo cliente. A tecnologia oferecida é a WLL, que significa Wireless Local Loop, ou seja, acesso sem fio. A Oi ofereceu um prazo para que os consumidores adotem um novo modelo do serviço.
Para André Melo e Lucas Gomes, profissionais de Tecnologia da Informação (TI), o sistema WLL utiliza basicamente a rede 2G e 3G, que será disponibilizada em parceria com a empresa Tim, tendo um sinal fraco na Maré. Outra desvantagem é que o serviço só contempla a parte de voz, não utilizando a Velox, ou seja, a internet. Além disso, há a previsão da desativação da rede 2G e 3G futuramente no Brasil. Luzia Eleutério, moradora da Vila dos Pinheiros, confirma os problemas. “Foi um erro o que fizeram. Enviaram um celular tijolão que não funcionava, mas a conta continuava chegando, tive que cancelar o serviço. O problema é que tinha a linha há mais de 30 anos, agora parentes e amigos que só tinham esse número não vão conseguir falar mais comigo”, reclama.
O serviço de telefonia da favela sempre foi precário. Nas casas era difícil o atendimento de qualidade. Nas ruas havia poucos orelhões e a maioria vivia com defeito. Hoje a internet ainda é como no restante da cidade. “Eu utilizei a linha por dez anos. De um ano para cá começaram as instabilidades no serviço, ficava sem telefone por sete dias ou mais. Entrava em contato com a empresa e eles justificavam, por mensagem eletrônica, que era manutenção na área. Não tinha um auxílio. Isso me gerou danos, pois ficava incomunicável, além de interferir também no acesso à internet. Já fiquei impossibilitada de marcar consultas, de entregar trabalhos na faculdade, por conta do desserviço. Por fim, recebi uma carta avisando sobre a descontinuação da linha após 60 dias, sem um motivo razoável. O meu sentimento é de indignação”, diz Érica Oliveira, moradora da Baixa do Sapateiro.
O direito de falar e ser ouvido também é um dos direitos humanos essenciais, sem os quais não há garantida a condição de dignidade para o ser humano. Vilma Cajueiro, moradora do Parque Maré, percebe essa ausência de direitos para a mãe deficiente e o pai com dificuldade de locomoção. “O telefone fixo favorecia muito a nossa comunicação. Mas nos últimos anos passou a apresentar problemas, tais como: se chovia a ligação ficava cheia de ruído; linhas trocadas e telefone mudo. Agora ficamos sem o serviço telefônico. Os meus pais receberam um mini celular que para a visão de idosos vira missão impossível. Além disso, não tem WhatsApp e o sinal da OI não pega dentro de casa. Hoje, apesar de tantos anos contribuindo com a OI, os meus pais estão sem comunicação, não podem pedir socorro em uma situação de emergência na saúde”, expõe.
Direito a telecomunicação
A Constituição Federal, na Lei nº 9.472, de 1997, no artigo 3°, assegura que o usuário de serviços de telecomunicações tem direito à acesso com padrões de qualidade e regularidade adequados à sua natureza, em qualquer ponto do território nacional; à não ser discriminado quanto às condições de acesso e fruição do serviço; à informação adequada sobre as condições de prestação dos serviços, suas tarifas e preços; à não suspensão de serviço prestado em regime público, salvo por débito diretamente decorrente de sua utilização ou por descumprimento de condições contratuais; ao prévio conhecimento das condições de suspensão do serviço; de resposta às suas reclamações pela prestadora do serviço; de peticionar contra a prestadora do serviço perante o órgão regulador e os organismos de defesa do consumidor; e à reparação dos danos causados pela violação de seus direitos.
A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) informou que a concessionária Oi é obrigada a prestar o serviço telefônico fixo (SFTC) em toda a área do município. No entanto, a regulamentação da Anatel não estabelece qual a tecnologia que deve ser implantada. A prestação do serviço fixo por meio de cabos de cobre, fibra óptica ou WLL é uma liberalidade da prestadora, desde que cumpra com os requisitos de qualidade e cobertura estabelecidos na regulamentação. O desrespeito à regulamentação pode ensejar sanções à prestadora.
Já a empresa OI declarou que como obrigações legais como concessionária de telefonia fixa, vem mudando gradativamente a tecnologia de seus serviços baseados em cobre para tecnologias mais modernas, em particular a de fibra óptica. Nos casos onde isso não é possível, a empresa está adotando a alternativa tecnológica de comunicação sem fio, conhecida como WLL (Wireless Local Loop), garantindo, assim, estabilidade e qualidade de serviço. Estas migrações vêm sendo realizadas gratuitamente e são previamente comunicadas aos clientes. Em todos os casos, são mantidos os números de telefones fixos dos clientes.
A companhia ressaltou que os serviços baseados na tecnologia de cobre vêm sendo drasticamente afetados pelos frequentes roubos e furtos de cabos, comprometendo dessa maneira tanto a disponibilidade quanto à estabilidade dos serviços e impactando um enorme número de clientes. Este cenário é agravado pelo fato de o cobre ser uma tecnologia obsoleta e economicamente insustentável, o que tem levado operadoras de vários países a substituí-la.