Moradores da cidade inteira, juntos no “Basta de Violência! Outra Maré é possível…”
Roberto de Oliveira e Hélio Euclides
O dia era de sol e mais de mil pessoas aguardavam o início da Marcha Basta de Violência! Outra Maré é Possível, na Praça do Parque União, um dos dois pontos de partida da passeata. O outro local de encontro era a Associação de Moradores do Conjunto Esperança, onde mototaxistas, artistas e moradores cantavam trechos do Rap da Felicidade, um dos maiores sucessos do funk carioca.
O começo foi tímido, mas cada vez que aumentava o número de participantes o grupo ganhava força e manifestantes seguravam cartazes e distribuíam rosas. Alunos e professores estavam presentes na Marcha: “liberamos as aulas para que todos participem desse movimento contra a violência. É bom lembrar que esse tema é trabalhado nas nossas escolas”, conta Cesar Benjamin, Secretário Municipal de Educação.
“É um momento ímpar de buscar a valorização desse espaço. Queremos a garantia para nossos alunos terem todas as aulas do ano letivo. A sociedade precisa olhar para a Maré”, destaca Simone Aranha, diretora da Escola Teotônio Vilela.
O evento foi organizado pelo Fórum Basta de Violência que, desde março de 2017, reúne moradores, líderes comunitários e trabalhadores da Maré para encontrar soluções que possam dar fim às violências causadas por confrontos entre grupos de Um mar de gente nas ruas pedindo paz civis armados e operações policiais que, sob o discurso da guerra às drogas, coloca a polícia do Rio de Janeiro na posição de uma das que mais matam e que mais morrem no mundo, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Pedro Arthur, funcionário da ONG Luta Pela Paz disse que o fato de não poder sair de casa o incomoda. “A gente não aguenta mais tanta violência de todos os lados. É doloroso ter a sensação de que você está preso dentro de casa”, disse o músico.
Em frente ao CIEP Operário Vicente Mariano, os atores representaram os mortos, vítimas da violência. “Mais uma vez queremos reivindicar o direito de ir e vir. Esse é o desejo de toda a cidade”, desabafa Marielle Franco, Vereadora. Nos muros da Escola Escritor Bartolomeu Campos de Queiros, cartazes com trabalhos dos alunos chamavam a atenção.
A passeata levou cinco mil pessoas para a Rua Evanildo Alves, ponto de encontro das “duas Marchas”. Conhecido popularmente como “Divisa”, o local é marcado por inúmeros confrontos com vários mortos. “Eu estudava no Colégio Elis Regina e muitas vezes eu ia pra escola e tinha gente morta no pátio, então ver tanta gente aqui hoje é algo sentimental”, afirma Fagner França, morador da Baixa do Sapateiro.
A “divisa” deu lugar a apresentações artísticas. Alunos da Lona Cultural Herbert Vianna fizeram paródia com a canção “Não deixe o samba morrer”. Uma Mc do Morro do Alemão recitou uma rima sobre machismo, violência, racismo e pobreza. Mães da Maré e de Manguinhos falaram das ausências de seus filhos vitimados. “Lutamos, pois nossos filhos têm mãe, pai e voz. Nós queremos viver. Nós temos direito ao luto”.
O evento ainda contou com a apresentação do grupo de capoeira da Instituição Luta Pela Paz, da Orquestra Maré do Amanhã, e do grupo Nova Raiz, que cantou a música “Chega”.
Alexandre Rossi, produtor cultural do Circo Voador (Lapa), levou a namorada finlandesa para conhecer um Rio de Janeiro que não aparece na mídia e Camila Pitanga, atriz, que chegou à passeata de mototaxi, declarou: “como carioca é um dever estar aqui, pois essa violência não é só da Maré, é sofrida por todos nós”. Perto de Camila, Jaqueline Souza de Lima, moradora da Maré, gritava: “eu tenho direito de levar minha filha pra escola todo dia”.
Nos primeiros três meses de 2017, ocorreram 14 operações policiais na Maré. Nesses confrontos, 18 pessoas morreram, número maior que o total de mortes em 2016. As atividades do Fórum Basta de Violência! Outra Maré é Possível vão continuar após a Marcha, para construir caminhos e espaços coletivos de escuta, acolhimento e formulação de propostas para conquistar, de forma organizada, o direito à Segurança Pública na Maré.
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