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Um plano para as favelas na luta contra o coronavírus

Algumas das favelas do Rio, junto a universidades e Fiocruz desenvolveram plano para enfrentamento da pandemia - Foto: Douglas Lopes

Com o objetivo de criar condições adequadas para enfrentar a COVID-19 nas favelas, uma proposta foi entregue à Secretaria de Estado de Saúde

Maré de Notícias #114 – julho de 2020

Jorge Melo

A cidade do Rio de Janeiro passou dos 52 mil casos mês de junho, além das mais de 6 mil mortes provocadas pela COVID-19. Nas favelas cariocas a situação é ainda mais grave. Na Maré, segundo os dados oficiais do dia 25 de junho, eram 324 casos confirmados e 78 óbitos. No entanto, no mesmo dia a Edição do Boletim De olho no Corona!, da Redes da Maré, que mantém um canal diretos com os moradores, apontava 1.010 casos, entre suspeitos e confirmados, e 104 mortes.

Com o objetivo de criar condições adequadas para enfrentar a COVID-19 nas favelas, foi criada uma parceria entre lideranças comunitárias da Maré, Complexo do Alemão, Rocinha, Cidade de Deus e Santa Marta, pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). No dia primeiro de maio essas lideranças entregaram ao subsecretário de saúde do estado, Roberto Pozzan, e ao subsecretário municipal de Saúde, Leonardo El-Warrk, o Plano de Ação Covid nas Favelas do Rio de Janeiro: uma catástrofe a ser evitada. No Rio de Janeiro, cerca de um milhão e 400 mil pessoas vivem em favelas, numa população de 6 milhões e 700 mil habitantes, segundo dados do IBGE.

O plano, disponível para leitura aqui, traz propostas em três dimensões: prevenção, atendimento médico e apoio social. O grupo sugere também um Gabinete de Crise de Atenção às Favelas, reunindo estado e município, em articulação com a Fiocruz, organizações comunitárias e universidades. Segundo Lidiane Malanquini, coordenadora do Eixo de Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré, sem políticas públicas específicas para as favelas é impossível conter o avanço do vírus nesses territórios, que têm imensas carências. “Na realidade” – ela afirma – “nessas situações, todos os planos são pensados a partir da realidade da classe média.”

Ações de comunicação também integram o plano, com alertas da evolução da doença; teleatendimentos realizados em parceria com universidades; proteção de grupos vulneráveis; atenção aos grupos que podem ser vetores do vírus, como os mototaxistas; e ações de desinfecção nas favelas. A proposta inclui ainda instalação de polos de atendimento exclusivos para COVID-19, articulados à gestão dos leitos disponíveis; espaços de quarentena assistida e proteção efetiva das unidades básicas de saúde e de assistência social. Ações indicam o uso do painel de monitoramento da COVID-19; diagnóstico e racionalização dos equipamentos de saúde locais; centros de referência para articulação de ações intersetoriais; apoio social e agilização dos sepultamentos. Lidiane lembra que é fundamental, por exemplo, dar mais atenção aos equipamentos de saúde nas favelas. “Na Maré, uma das unidades de saúde, inaugurada há dois anos, ainda funciona à base de gerador e não tem instalação de água e saneamento básico.” 

Colagem dos cartazes da Campanha “Se liga no Corona”, uma das ações preventivas do plano

Parcerias

Na apresentação do plano, Marcelo Burgos, diretor do Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio, explicou que o documento é uma ponte para levar as necessidades das favelas do Rio de Janeiro, na perspectiva das lideranças comunitárias, aos poderes municipal e estadual, a fim de gerar políticas públicas para o enfrentamento da pandemia. “É fundamental o alinhamento das autoridades do estado e município; as favelas enfrentam condições especiais que as tornam mais frágeis diante dos desafios de uma pandemia”. As favelas vivenciam problemas de saneamento básico, fornecimento de água potável e habitação; famílias numerosas em pequenos espaços, cômodos sem ventilação, espaços sem acesso à luz solar e umidade excessiva. “Como se pode falar em isolamento de uma pessoa com sintomas para uma família que vive numa moradia de dois cômodos?”, alerta Lidiane Malanquini.

No dia 4 de maio os responsáveis pela elaboração do plano se reuniram com a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ), por iniciativa da deputada Renata Souza (PSOL), presidente da Comissão. O objetivo era detalhar as medidas e o apoio institucional para transformar o projeto em realidade. O presidente da ALERJ, deputado André Ceciliano (PT), garantiu o financiamento para o plano. “Só nos meses de março e abril, a Assembleia economizou R$108 milhões e está disposta a aportar recursos para concretizar esse plano”. Segundo Ceciliano, as desigualdades sociais enfrentadas pelos moradores das favelas se apresentam como entraves para quarentena e isolamento social dignos. Segundo Nísia Trindade, presidente da Fiocruz, “o vírus não é democrático; começou nas camadas mais privilegiadas, mas a letalidade mostra uma incidência cada vez maior nas áreas mais pobres.”

Foto de desinfecção de ruas (uma das quatro que você tinha selecionado para o Por Dentro de ontem)

Associações de moradores, Comlurb e Redes da Maré tem atuado juntas na desinfecção de vias, outra ação do plano.

A responsabilidade da Prefeitura

No dia 29 de maio, o grupo responsável pelo plano reuniu-se com a secretária municipal de saúde, Beatriz Busch, e o chefe da Casa Civil, Paulo Albino Soares. Segundo Richarlls Martins, professor do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da UFRJ, “esse encontro foi muito importante porque o plano, uma iniciativa da sociedade civil, foi assumido pela Secretaria Municipal de Saúde, que é o órgão que institucionalmente tem a responsabilidade de implementar essas medidas.” 

Foi constituído um grupo de trabalho que, a partir da estrutura municipal, os recursos financeiros da ALERJ e a colaboração da Fiocruz, vai dar consequência ao plano. Serão contempladas, prioritariamente, cinco áreas escolhidas com base em critérios técnicos, como o cruzamento entre o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da região e o mapa de atendimento básico à saúde. As regiões com os índices mais baixos terão preferência. O orçamento está sendo detalhado e prevê R$1 milhão/mês para cada uma das cinco áreas definidas. “Estamos otimistas. Existe vontade política da Prefeitura de implementar o plano, os recursos garantidos e o grupo já está trabalhando”, afirma Marcelo Burgos.

Comunidades mobilizadas

Enquanto o plano está em andamento, as comunidades como o Conjunto de Favelas da Maré (140 mil moradores); Rocinha (100 mil moradores), Complexo do Alemão (69 mil moradores) e Cidade de Deus (38 mil habitantes) já estão trabalhando para proteger e apoiar a população em situação de vulnerabilidade com distribuição de cestas básicas, kits de higiene e álcool em gel, além de campanhas de informação e conscientização, com o apoio da Fiocruz. A campanha Maré Diz Não ao Coronavírus, por exemplo, em três meses doou 914 toneladas de itens de alimentação, limpeza e higiene, atendendo a mais de 40 mil pessoas. Distribuiu também mais de 24 mil “quentinhas”. No entanto, segundo Lidiane Malanquini, esse trabalho vem sendo prejudicado por operações policiais que, apesar da pandemia, não foram suspensas. “O Estado mostra nessa crise sanitária e humanitária o seu lado mais perverso. É um absurdo você ter de contar com o apoio e a solidariedade de organizações, ao mesmo tempo em que acontecem operações policiais em pleno período de isolamento social, que provocam o fechamento das unidades de saúde.”

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