Sem testagem para todo mundo, com pouco isolamento social, casos suspeitos de Covid-19 só aumentam e com isso, a saúde da cidade do Rio entra em colapso, e quem mais sofre são os moradores de favela
Hélio Euclides
Com a previsão do Ministério da Saúde de que o mês de maio seria o grande aumento do número de casos de Covid-19, esperava-se que os nossos governantes tivessem se preparado para enfrentar a grave a situação. Contudo, isso não aconteceu, e a consequência bate na porta: colapso nos hospitais, com enormes filas de espera para internações, ausências de exames para detecção do vírus, falta de orientação e monitoramento para pacientes com sintomas, e até falta de medicação para tratamento e sedação.
No último informe da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), de 14 de maio, a Maré estaria com 41 casos confirmados e sete óbitos. Mas, em 08 de maio, o número reduziu, de 39 casos e nove óbitos no dia anterior, para 37 casos e três óbitos. Algo que chamou atenção, já que em todo o território nacional os casos estão em ascensão. A assessoria de imprensa da secretaria informou em nota que essa redução aconteceu por uma revisão, realizada pela equipe de Vigilância Epidemiológica que trabalha para qualificar a informação, por isso, os dados foram revistos. O que não corresponde à realidade da Maré. A cada dia mais e mais casos suspeitos com mortes, inclusive são relatados pelos moradores. Difícil ter alguém que more nas 16 favelas que não conheça nenhum vizinho ou nenhum caso de Covid-19.
Com a falta de testes para todos os casos suspeitos nas consultas das unidades de saúde, não há como esses números serem reais. O Boletim “De Olho no Corona!”, que auxilia o monitoramento dos casos suspeitos na Maré, revelou que a equipe da Redes da Maré registrou 141 possíveis casos de Covid-19. Destes, 81 foram acompanhados pela equipe, onde foi apurado que 42 estavam com suspeita de Covid-19, 18 pessoas morreram, 16 tiveram diagnóstico confirmado.. Os dados acima apontam, para a subnotificação dos casos, fato que traz prejuízos para uma intervenção eficiente do poder público.
Outra questão, importante é que os casos confirmados e de mortes de pessoas moradoras das favelas da Maré podem estar sendo notificados como pertencentes a outros bairros, como Bonsucesso e Ramos, que apresentava mais de 170 casos confirmados, apesar da região ser muito menor. Um dos motivos é que moradores muitas vezes preferem identificar o bairro como Bonsucesso ou Ramos para evitar sofrerem preconceito. A Secretaria Municipal de Saúde informou que as notificações de casos confirmados de Covid-19 levam em consideração o endereço informado no momento do atendimento e que às equipes da SMS estão atentas as classificações territoriais e trabalham continuamente para identificar os casos em comunidades.
O Maré de Notícias apurou que a UPA Maré possui 15 leitos para adultos, que no momento do último registro (14/5) estavam ocupados. Uma reportagem do Jornal O Globo, do dia 28 de abril, apontou ainda que, de acordo com os profissionais da unidade, são pelo menos 30 pacientes por dia com sintomas da doença. Um funcionário que preferiu não se identificar disse que na unidade ocorrem mortes diárias e há falta de Equipamento de Proteção Individual. A administração da UPA negou a deficiência de EPIs.
Informação é primordial
Uma dificuldade grande para os parentes é obter informações sobre a evolução dos pacientes que se encontram internados. Como os que tem suspeita ou confirmação de Covid-19 ficam isolados, as famílias não podem visitar e reclamam da ausência de notícias sobre o estado do internado. Isso é uma das reclamações de Isadora Ribeiro, moradora da Vila dos Pinheiros. A sua tia, Rita Helena começou com tosse, febre e falta de ar. Ela foi levada no dia 22 de abril às 16h, para a UPA Maré, onde foi internada. No mesmo dia, às 22h horas, infelizmente, morreu.
O sofrimento da família foi agravado pela falta de informações. Apenas no dia seguinte, às 11h, a família soube da morte. “Além da falta de informação, ficamos sabendo que a UPA não tem geladeira, então nos aconselharam a retirada rápida da minha tia. O segundo problema surgia: às 14h, a funerária, na qual minha tia tinha plano, foi avisada, mas se negou a entrar, por ser favela. Só às 20h conseguiram convencer a funerária, que só meia-noite veio buscá-la.”
Isadora disse que a Clínica da Família Adib Jatene está acompanhando a família e que prescreveu remédio para o irmão que está com tosse e febre. A família está em quarentena, mas ninguém fez o teste. Apesar disso, Isadora foi considerada assintomática. Ela garante que sua tia evitava sair de casa, só ia ao mercado e sempre pedia para que todos se higienizassem antes de entrar em casa. “Não adianta cobrar do poder público se não fazemos a nossa parte, que é não ficar na rua, pois os hospitais estão lotados. O coronavírus mata sim. O triste é que temos um presidente que não se posiciona, não levando a sério a doença, e tem muita gente que reproduz o discurso dele. Temos que acompanhar os noticiários e entender o que acontece para não culpar os médicos e enfermeiros”, conclui.
Não há padrão de atendimento
O tratamento indicativo ao Covid-19 no Brasil é a partir dos sintomas apresentados ou baseado em exames de imagens, sem a testagem, o que ajuda no controle da doença. Outra queixa recorrente está relacionada à indicação de ir para casa sem acompanhamento posterior. Pacientes que por recomendação do Ministério da Saúde deveriam estar sendo monitorados por agentes de saúde, estão completamente esquecidos. Além disso não há padrão uniforme no tratamento. Valdineide Bernardo conta que foi ao Centro Municipal de Saúde (CMS) João Cândido, em Marcílio Dias, com tosse, e recebeu indicação de utilizar antibiótico. A sua reclamação foi o tratamento diferenciado com o pai, que apesar do mesmo sintoma, passaram paracetamol e xarope. Uma semana depois ele começou com febre de 39 graus e não queria comer. “Levei ele de novo, falaram que a ambulância iria demorar seis horas, então não podiam fazer nada. Pedi um transporte por aplicativo e levei para o Hospital Getúlio Vargas, onde ficou internado”, afirma.
“É um descaso e negligência,” conta Valdineide que teve logo a seguir e uma recaída e foi a unidade de saúde, mas só conseguiu consulta para a próxima semana. “Sou diabética e nem deram a vacina H1N1. Agora fiz um exame no particular, que custou mais de R$ 100, para provar que sou diabética e tomar a vacina”, reclama.
As notificações de Marcílio Dias uma das 16 favelas da Maré estão registradas como bairro da Penha Circular, que está com 29 casos confirmados e três óbitos.
A pandemia em números
Com o avanço da doença, já existe fila de espera nos hospitais para internação. Há ausência de leitos e em algumas unidades e falta de profissionais, pois muitos já se encontram afastados por contrair o vírus. O Brasil é campeão em números de mortes de profissionais de saúde no mundo. Com a situação de saturação, pessoas morrem sem conseguir um leito para internação.
Com a situação de saturação, pessoas morrem sem conseguir um leito para internação. A Prefeitura do Rio informou que abriu 722 leitos exclusivos para o tratamento da Covid-19. Deste total, 171 são leitos de UTI. No dia 1º de maio, foram abertos 249 novos leitos, 100 deles no Hospital de Campanha, no Riocentro. Hoje são 65 pacientes internados no Hospital de Campanha, sendo 21 em UTI. Em toda a rede municipal, há 614 pessoas internadas em leitos dedicados a Covid-19, sendo 159 em leitos de UTI.
A taxa de ocupação de leitos de UTI para Covid-19 na rede SUS no município é de 89%. Já a taxa de ocupação nos leitos de enfermaria para pacientes com suspeita de Covid é de 88%, também no município. Em toda a rede SUS na cidade do Rio – que inclui leitos de unidades municipais, estaduais e federais – há 1.549 pacientes internados com suspeita de Covid, sendo 497 em UTI.
Em todos os hospitais públicos da cidade do Rio – e não apenas nas unidades da rede municipal – há 846 pessoas na fila da regulação, aguardando transferência para leitos dedicados a Covid-19. Os pacientes podem ser regulados para internação em qualquer uma das diferentes redes, seja federal, estadual ou municipal.
Já a Secretaria de Estado de Saúde (SES) informa que, até o momento, 1.049 novos leitos para tratamento de pacientes suspeitos ou confirmados da Covid foram abertos em todo o estado do Rio de Janeiro. Desse total, 892 são em hospitais de referência para o tratamento de coronavírus, sendo 426 UTIs e 466 enfermarias. Além dessas unidades destinadas, há ainda 157 leitos, sendo 100 de UTI, para o tratamento da Covid em áreas isoladas de outras unidades estaduais.
A SES informa ainda que, atualmente, a taxa de ocupação considerando toda as unidades da rede estadual é de 79% em leitos de enfermaria e 86% em leitos de UTI. Ao todo, 2.119 pacientes estão internados na rede estadual. No total, em toda a rede pública, 447 suspeitos ou confirmados de coronavírus aguardam transferência para UTIs, que podem ser regulados para as diferentes redes, seja ela municipal, estadual ou federal.
Com exceção do Hospital Regional Zilda Arns, cujas taxas de ocupação são de 89% na enfermaria e 86% na UTI e dos hospitais de campanha Lagoa-Barra, onde há 101 pacientes internados, 70 em leitos de UTI), Maracanã e Parque dos Atletas, a secretaria esclarece que todos os outros leitos destinados para a Covid estão ocupados e que há rotativa de vagas ocasionadas por altas, óbitos, além de reservas técnicas de leitos para pacientes já internados que possam agravar o quadro clínico, necessitando de UTIs.
Os aproveitadores da pandemia
Apesar do momento crítico que a cidade sofre, há pessoas que se aproveitam para realizar contratos fraudulentos para compra de EPIs e equipamentos como respiradores. O secretário de Estado de Saúde, Edmar Santos, concedeu entrevista coletiva no dia 12 de maio, no qual anunciou a criação de uma força-tarefa para analisar todos os contratos firmados a partir de agora para adquirir equipamentos e insumos para o combate à Covid-19.
Durante a coletiva, Edmar também voltou a falar sobre a importância do isolamento social no achatamento da curva de contaminação da doença em território fluminense. “Precisamos ampliar esse isolamento, chegarmos ao número de 70% das pessoas em casa. Se isso acontecer, teremos tempo de preparar os hospitais de campanha. Nosso foco sempre será salvar vidas”, finaliza.