O direito das favelas

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Projeto da Defensoria possibilita aos moradores das favelas denunciar violações de direitos

Maré de Notícias #101 – junho de 2019

Jéssica Pires

A Intervenção Federal na Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, que durou de fevereiro a dezembro de 2018, imputou às populações pobres e periféricas uma série de violações, a maioria decorrentes de suas ações truculentas – algo que os moradores dos territórios favelados jamais esquecerão. Essas operações geraram também indignações, que se transformaram em mobilizações de pessoas e organizações que lutam por direitos, sobretudo o direito à vida. Uma dessas instituições, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, foi além e criou o “Circuito de Favelas por Direitos”.  

 “Estar próximo aos territórios populares, reconhecendo nestas localidades a necessidade de criar um ambiente de proteção e promoção de direitos”. Este é o objetivo do Circuito Favelas por Direitos, descrito no Relatório 2018, divulgado no site da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. Em outras palavras: a ideia é aproximar a Defensoria Pública das favelas para que aconteça um diálogo e uma escuta real entre a instituição e os moradores dessas comunidades. Assim, será possível – para a Defensoria – colher relatos dos próprios moradores sobre como acontecem as operações policiais e as tantas violações de direitos consequentes delas.

Basta de violações

Depois dessa escuta e registro, a Defensoria encaminha as denúncias de violações para os órgãos de Justiça responsáveis, como a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) ou para a Ouvidoria da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, que também participam do circuito. “A negação dos direitos passa pela invisibilização e pelo silenciamento das violações dos direitos e das reivindicações, mas também pela insensibilidade. Daí que, essa aproximação e vocalização das demandas reprimidas por direitos e justiça desempenham uma função reveladora e de sensibilização e, por isso, é tão relevante”, esclarece o defensor Daniel Lozoya, no Relatório Final do Circuito Favelas por Direitos.

Um dos resultados da metodologia do Circuito é a identificação dos tipos de violação, que variam desde as que envolvem domicílios até à abordagem. “A gente conseguiu identificar 30 tipos de violações recorrentes, que dividimos em cinco categorias de violações e essas violações com algumas variáveis. E aí a gente identificou isso, criou um fluxograma, prestou – a partir dos órgãos da Defensoria -, assistência para os casos individuais, em que as pessoas queriam assistência. E, em termos coletivos, a gente fez algumas movimentações”, disse Daniel.

 “Essa foi a motivação do Circuito: saber que em territórios favelados, em territórios pobres, a população sofre com a violação de direitos por parte dos agentes de Segurança e que ela não é ouvida sobre isso, não tem repercussão. Têm repercussão, muitas vezes, apenas, as mortes. E não é à toa, porque a morte é a pior das consequências, a pior tragédia, mas há violações cotidianas que a gente sabia que acontecia, mas não sabia exatamente quais eram, como se davam, quais aconteciam mais”, completa Priscila Oliveira, assessora da Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.

 Em 2019, a Maré e mais duas outras favelas (Salgueiro, em São Gonçalo e Parque das Missões, em Duque de Caxias) passaram a ter monitoramento regulares. “A gente sempre teve muito apoio. E isso vem crescendo” concluiu Priscila.

Mas afinal, qual é o papel da Defensoria Pública na Maré?

A Defensoria Pública é uma instituição pública que tem o objetivo de oferecer, de forma gratuita, assistência e orientação jurídica aos cidadãos que não possuem condições financeiras de pagar as despesas desses serviços. Alguns projetos e áreas de atuação da Defensoria também lutam pela defesa dos direitos humanos, individuais e coletivos e de grupos em situação vulnerável. Lembrando que a assistência jurídica gratuita a pessoas que não têm condições de pagar pelo serviço é um direito e uma garantia fundamental de cidadania, previsto no artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição da República.

 A Redes da Maré é uma das organizações que apoiam as ações do Circuito Favelas por Direitos na Maré, juntamente com outras organizações da sociedade civil locais, associações de moradores e o Fórum Basta de Violência Outra Maré é Possível. Diante da importância desse e de outros projetos da Defensoria, que buscam a garantia de direitos humanos e direitos civis de forma gratuita, fala-se se sobre a importância da existência de um núcleo da Defensoria Pública para atendimento direto na Maré. “A ideia de haver um núcleo da Defensoria Pública na Maré é uma maneira direta de promover o acesso à Justiça e um importante e urgente reforço à luta pela garantia de direitos aos moradores. Nasci e cresci na Maré e desde cedo aprendi que acessar direitos era algo que podia ser muito custoso, distante e muito demorado para quem morava longe do centro da cidade, especialmente quem vivia em favela”, diz Levi Germano, morador do Parque União, estudante e estagiário de Direito do Eixo Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré.

Caveirão voador e violações recorrentes

As operações policiais que vêm marcando 2019, com o uso do caveirão voador em favelas do Rio de Janeiro, têm levado medo e pavor pela maior letalidade já identificada nas operações que contam com a presença do helicóptero. 

*20 de junho de 2018: sete execuções na Maré, uma delas do menino Marcos Vinícius da Silva, de 14 anos, que estava uniformizado e a caminho da escola.

* 6 de maio de 2019: oito mortos.

* 27 de março de 2019: dois mortos

A operação do último 6 de maio, que atingiu as favelas Conjunto Esperança, Vila do Pinheiro, Vila do João e Salsa e Merengue, assustou pela letalidade e pelas violações aos domicílios de moradores. Um dia depois, as Defensorias Públicas do Estado e da União, e a Ouvidora da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro estiveram no ponto crítico da ação, o Conjunto Esperança, onde aconteceram as execuções. A visita foi parte do Circuito Favelas por Direitos. Nela, foram ouvidos relatos que serão incorporados à Ação Civil Pública (ACP) da Maré, que já corre na Justiça desde de 2017.

Na ACP, há a determinação de um plano de redução de danos do Estado às comunidades que convivem com as violências policiais, além de prever o uso de ambulâncias e GPS nas viaturas das polícias durante as operações. “O que a gente tem visto é um aumento de letalidade dos agentes de Segurança pública não só no Rio, mas no Brasil, fruto de uma política que legitima esse tipo de intervenção. É importante que a gente destaque sempre que o papel da Segurança pública é a preservação da vida, e não colocar vidas em risco, independente de quem seja”, afirmou Pedro Strozemberg, ouvidor da Defensoria Pública do Rio, durante a visita.

Altos gastos, muitas mortes

Confira um breve levantamento do resultado da Intervenção Federal na Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro

– Duração 10 meses (320 dias), de fevereiro a dezembro de 2018.

– Só para a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro foram destinados e pagos R$ 16,8 milhões, de acordo com dados do Relatório Final do Observatório da Intervenção, produzido pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec).

– 42% dos homicídios na Maré (10 pessoas mortas) ocorreram em operações que contaram com a atuação das Forças Armadas.

Fique ligado em seus direitos

Você pode saber mais sobre os locais de atendimento, programas e serviços da Defensoria, acessando o site www.defensoria.rj.def.br; ligando para o Atendimento ao Cidadão pelo número 129 e seguindo as redes sociais:

 facebook.com/defensoriapublicadoriodejaneiroyoutube.com/ASCOMDPGERJ

Para mais informações, acesse também os seguintes links:

http://www.defensoria.rj.def.br/uploads/arquivos/714cb4c987214566b88001472e6b83f9.pdf

http://redesdamare.org.br/media/downloads/arquivos/BoletimSegPublica2018.final.pdf

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