Maré celebra cultura com diversidade e resitência

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Polos de cultura da Maré vão além de instituições. São coletivos, estabelecimentos, pessoas que estão atuando em prol do fortalecimento do cenário cultural do território

Maré de Notícias #155 – dezembro de 2023

Em 2003, o então Ministro da Cultura, GIlberto Gil, em visita a Festa Literária de Paraty (FLIP) disse em entrevista: “Precisa acabar com essa história de achar que cultura é uma coisa extraordinária, cultura é ordinária, cultura é igual a feijão com arroz é necessidade básica. Tem que estar na mesa, tem que estar na cesta básica de todo mundo.”

Em 5 de novembro foi celebrado o Dia Nacional da Cultura e a Maré comemorou sua diversidade cultural em diferentes polos. Um deles foi o Centro de Artes da Maré (CAM), na Nova Holanda, que teve programação especial durante todo o mês de novembro.

Entre as atrações estavam as comemorações de aniversário de 12 anos da Escola Livre de Dança da Maré. A escola é uma iniciativa da Redes da Maré em parceria com a Lia Rodrigues Companhia de Dança.

Luciana Barros é uma artista de dança e performer formada pela escola, e comemorou a longevidade do projeto. Segundo ela, todos os anos investidos ali ajudaram a formar uma parte de quem eu sou: a menina que sonhava em dançar, e que luta todo dia para continuar dançando”.

Ela se sentiu “muito grata pelo convite de estar com um trecho do solo Anastácia nesse dia tão simbólico, como ex-aluna, ex-secretária do CAM, como artista da dança, e moradora da Maré”.

Ato político

Marcos Diniz é produtor do CAM e reforça que “a cultura está além da manifestação artística, é um ato político que temos entendido como um movimento de resistência”. O CAM nasceu em 2009, criado pela Redes da Maré e tem a arte e a incidência política em foco.

O espaço já foi palco de espetáculos de dança e teatro, shows, rodas de conversa, exposições, intervenções e exposições como a Mostra Maré de Música e a audiovisual em realidade virtual Metaverso Brasil

Nomes importantes da cultura brasileira, como a escritora Conceição Evaristo, e do cenário político, como a Ministra da Igualdade Racial Anielle Franco, também já marcaram presença em atividades no CAM. 

Único equipamento

Dois outros marcos culturais importantes em novembro foram a inauguração da Areninha Cultural Herbert Vianna e a reabertura da Biblioteca Jorge Amado, em Nova Maré.

Anteriormente chamada de “Lona da Maré”, a Areninha é o único equipamento cultural público para os mais de 140 mil habitantes do território. Ela faz parte do programa de recuperação dos equipamentos culturais do subúrbio como uma nova modalidade de espaço cultural gerido pela Prefeitura do Rio.

Cultura no centro

Os polos de cultura da Maré vão além de instituições e são mais do que projetos: são coletivos, estabelecimentos, pessoas que estão atuando em prol do fortalecimento do cenário cultural das 16 favelas do território. 

A Tabacaria Dreadlocks, na Vila dos Pinheiros, desde a sua abertura promove, apoia e realiza eventos, mobilizando moradores e a cultura dentro da favela. 

“O espaço fomenta o Rock de Favela, a Roda Cultural do Pontilhão, o Pontilhão Reggae Dub, entre outros eventos musicais”, conta Eduardo China, fundador e gerente do espaço. 

Segundo ele, a Dreadlocks ainda promove “outras formas de fomento à cultura, como rodas de conversas e literárias, exibição de filmes, festival de arte e cultura e até mesmo a exibição de jogos esportivos, visando o estímulo e à aderência ao esporte no cotidiano dos moradores, gerando entretenimento e lazer para a comunidade”.

De acordo com China, o propósito do estabelecimento é estimular a valorização dos artistas de favela e dos ritmos que percorrem as ruas da Maré.

 “O rock, o rap e o reggae são de origem periférica, originalmente de uma população preta e pobre, marcadas em suas raízes por muita luta. Mesmo com essa ascensão da cultura de favela, ainda faltam oportunidades para que artistas periféricos possam se desenvolver”, analisa. 

Outro fazedor de cultura do território é o rapper Madiba MC. Morador da Baixa do Sapateiro, ele enxerga a cultura como algo transformador. 

Ele explica que “a cultura do rap e do hip-hop tem o poder de transformar, motivar e informar sobre a realidade que para muitos não é tão clara, pois só consomem o que a grande mídia divulga e acabam absorvendo um estereótipo que não condiz com a verdade”.

Reconhecimento

Apesar das dificuldades, as ações culturais da Maré têm sido reconhecidas e premiadas. Em 2023, a Orquestra Maré do Amanhã conquistou o título de Patrimônio Cultural Imaterial do Rio de Janeiro, depois de 20 anos de trabalho. 

Além disso, o CAM recebeu o Prêmio de Cria para Cria — Cultura e Favela das mãos da vereadora Mônica Benício (PSOL). Já a diretora mareense Renata Tavares ganhou o Prêmio Shell de Teatro com a peça Nem todo filho vinga, da Cia Cria do Beco.

Em setembro deste ano, a Escola de Fotógrafos Populares Imagens do Povo participou como convidada de mais uma edição do Paraty em Foco, festival de fotografia na histórica cidade fluminense.

Por sua vez, o espetáculo Noite das Estrelas está em turnê por diversos espaços da cidade com a celebração dos corpos LGBTQIA+, e o festival Comida de Favela realizou a segunda edição, com a participação de 16 estabelecimentos.

Berço Cultural

Os saraus nos bares, as rodas de rap nas praças, as rodas de samba nas quadras, os bailes funk na rua e as exibições de filmes na esquina são todos espaços que legitimam a cultura favelada. 

As 16 favelas da Maré são uma mostra da diversidade e da potência da cultura produzida nas periferias. O produtor Marcos Diniz enxerga a Maré como um berço cultural:

 “Eu vejo esse movimento na Maré como uma grande onda, vasta e ampla no sentido de possibilidades e diversas linguagens artísticas. Onde você for dentro das 16 favelas da Maré você vai ver a cultura sendo reverberada de alguma forma, seja pela música, pela arte, pela intervenção urbana, dança, teatro, literatura. É impossível circular pelo território sem perceber manifestações culturais. A cultura mareense, de fato, é algo gigante”, diz.

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