Maré de Notícias #42

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[toggle title=”O último barraco construído no Parque Maré”]

Moradora conta vários episódios vividos por ela, até mesmo do tapa que levou do então marido. Ela revidou bravamente, mas acabou passando uns dias na cadeia

Por Fabíola Loureiro

Maria Luiza Souza da Silva, de 78 anos, nasceu no Espírito Santo e veio para o Rio de Janeiro com dois anos de idade, indo morar em Pureza, distrito de São Fidélis, no norte do estado. A capixaba conta que já adulta morou um tempo em Manguinhos com o marido, Realino Lucas, e na década de 1960 mudou-se para a Maré. “Quando cheguei aqui, logo comecei a trabalhar como empregada em casa de família para ajudar na renda mensal. Aqui não tinha casa de tijolos, apenas barracos de madeira, uns maiores e outros menores, mas tinha bastante morador”.

Quem organizava a favela nessa época era o mineiro Manuel Virgílio, líder da Associação do Parque Maré, conhecido como Manuel da Foice por sempre estar com uma foice amarrada na cintura. Ele liberou um espaço para o casal construir um barraco de madeira. Segundo Maria Luiza, este barraco foi o último a ser erguido, pois logo em seguida começou a construção da Nova Holanda.

Um episódio marcante na vida de Maria Luiza foi quando seu marido lhe deu um tapa no rosto e ela revidou, fazendo-lhe um pequeno corte com um canivete. Seu Realino foi para o hospital e ela passou oito dias presa. Depois disso eles se separaram, o marido vendeu o barraco e foi embora levando seus dois filhos juntos. Passado algum tempo, Maria conheceu Antônio Pereira da Silva, que era cunhado de uma vizinha sua. Com ele teve sete filhos e se casou depois de estarem 24 anos juntos. Após o casamento ficaram mais oito anos juntos até Antônio falecer, em 1997. “Entre mortos e feridos, tive quase uns vinte filhos”, conta.

Mudança no nome

Outra história curiosa é que, ao nascer, Maria Luiza, na verdade, recebeu o nome de Cionilia, escolhido por sua mãe. Porém, ao crescer, ela não gostava desse nome porque as pessoas não conseguiam falar corretamente.Aos 8 anos, Maria Luiza perdeu sua mãe e conta que foi trabalhar como escrava numa fazenda em Campos dos Goytacazes, no norte do estado do Rio. Ela lavou louça e limpou o chão em troca de comida durante cinco anos, até conseguir fugir, recebendo abrigo na casa de um casal italiano. Já adolescente, gostava de sair para pescar com as amigas: “Na roça minha vida era pescar. Eu adorava e só pescava peixe grande!”.

Como não tinha sido registrada quando criança, foi preciso preparar a documentação para poder se casar com Antônio. Assim, ela teve a oportunidade de sugerir o nome que gostaria de ser chamada: Maria Luiza.

Há 53 anos na Maré, ela conta que, ao chegar aqui, encontrou o problema da falta d’água. Somente na década de 1980 é que a água encanada chegou para todos. “Tinha uma bica na Teixeira Ribeiro aonde todos os moradores iam com a lata para encher de água. O presidente da associação responsável por providenciar isso foi o Manolo. Ele foi de casa em casa saber quem queria ter água encanada. Lembro que fui a primeira a receber a água. Foi num dia de sábado de Aleluia”, lembra, orgulhosa.

Maria Luiza é uma das entrevistadas pelo Núcleo Memória e Identidade da Maré (Numim), projeto da Redes que lançará em breve o segundo volume da Série Tecendo

Redes de Histórias e Memórias da Maré. O primeiro foi sobre a Nova Holanda. Este será sobre o Parque Maré e sobre o Morro do Timbau. Um dos princípios do projeto é valorizar a história da comunidade a partir da vivência dos moradores (para saber a data do lançamento, acompanhe o facebook da Redes: /redesdamare ou o site: www.redesdamare.org.br).

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[toggle title=”O Troca de vivências”]

Seminário de Educação na Maré contribuiu para ampliar o debate pela valorização da escola pública nas 16 comunidades locais

Por Aramis Assis

Debates sobre qualidade do ensino, educação integral, segurança pública, além de muita troca de experiências, marcaram o III Seminário de Educação da Maré: Compartilhando Saberes e Vivências, que aconteceu em 25 de maio, no Campus da UFRJ (Ilha do Fundão). O evento reuniu professores, diretores, coordenadores pedagógicos, profissionais da área de educação, além de moradores e demais interessados. O objetivo comum dos 130 participantes é contribuir para a valorização da escola pública no conjunto de favelas da Maré.

 O seminário, que ocorre desde 2009, vem contribuindo para a ampliação de debates necessários para a construção do enfrentamento, de maneira partilhada, dos desafios presentes na nossa realidade educacional.

Julia Ventura, uma das coordenadoras gerais do Programa Criança Petrobras na Maré (PCP Maré), que promoveu o evento, ressaltou como aspecto positivo a qualidade dos debates e o envolvimento dos participantes. “O seminário deixou claro que existe um forte potencial reflexivo e de ação entre os profissionais de educação atuantes na Maré. Este é um potencial que precisa ser constantemente incentivado e aproveitado, diante do desafio de construir uma educação pública de qualidade na região. Por isso, para as próximas edições do evento, precisamos estabelecer estratégias que tornem possível a participação de um maior número de professores, num contínuo desenvolvimento deste processo da mobilização coletiva destes atores”, avaliou Julia.

A programação contou com diversos profissionais convidados, entre eles Ana Maria Cavaliere (UFRJ) e Marcelo Burgos (PUC-Rio). Ana ampliou a concepção da educação integral ao explicar a sua não relação, necessariamente, com o tempo integral, já que o real significado desse termo está no preparo do aluno para todas as experiências socioculturais da vida.

Eduardo Fernandes, coordenador da IV Coordenadoria Regional de Educação,(CRE), da Secretaria Municipal de Educação(SME), participou da abertura do seminário e falou sobre o problema de segurança pública nas escolas locais, que têm sofrido com a falta de aulas e incursões policiais abusivas devido às operações Pré-UPP. Eduardo afirmou que a CRE interfere quando as incursões policiais atrapalham o andamento das escolas. “Foi pedido para que as operações não acontecessem nas escolas ou pelo menos não no horário de aula. A polícia disse que atenderia nosso pedido e realmente durante um período não aconteceu, mas depois as operações voltaram a acontecer nas escolas e reincidiu a parada do caveirão na porta delas”, explicou.

O seminário contou ainda com apresentações culturais, com o espetáculo Tempo Vago, da Cia de Teatro Balões, e do Marefestação, do PCP Maré. Professor há apenas três meses na Maré, pelo projeto Educação pela Paz, Maxwill Braga disse ter se sentido motivado com a apresentação do Tempo Vago, que expôs as frustrações dos alunos dentro de sala de aula. “O aluno deve ter espaço para construir a aula junto com o professor”, defendeu ele.

A troca de experiências e o contato entre os atores educacionais foram os aspectos mais valorizados pelos participantes, para que se possa construir uma escola preparada a pensar a educação, seus alunos, suas famílias e sua vizinhança – uma escola que pense o coletivo e o aluno como sujeito de sua história. Muitos dos presentes defenderam a continuidade de encontros que gerem novas possibilidades de ações e discussões, para que cada vez mais profissionais sejam envolvidos, juntamente com o apoio da IV CRE.

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[toggle title=”O lado A e o lado B da UPP”]

Pesquisador da Uerj avalia os aspectos positivos das UPPs e os muitos desafios existentes

Por Thais Herdy / Anistia Internacional

O coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e (LAV-Uerj), Ignacio Cano, tem uma ampla visão do processo de instalação das UPPs. Ao liderar a pesquisa “Os donos do morro: uma avaliação exploratória do impacto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro”, ele teve acesso aos índices que determinam sucessos e dificuldades, desafios e possibilidades, do que ele chama de “projeto” das UPPs. Para ele, o sucesso global do projeto passa pela transformação das políticas de segurança, saindo da visão de que estamos em uma “guerra” para uma visão da polícia como prestadora de serviços.

Maré de Notícias: Gostaria que o senhor destacasse os principais pontos do estudo?

Ignacio Cano: Um fator a se destacar é que há uma redução muito importante no número de homicídios nas áreas onde as UPPs foram instaladas. Houve uma diminuição drástica das mortes violentas, uma redução dos roubos e um aumento dos registros de crimes não letais, como ameaças, lesões, estupros, desaparecimentos etc.

Maré: E a que são atribuídos esses resultados?

Ignacio: A diminuição das mortes a gente atribui ao fim da disputa pelo território. A própria polícia não faz mais operações nos moldes tradicionais, tanto é que, de todas as ocorrências, a que mais cai é justamente a morte por intervenção policial. O aumento do registro de outros crimes é atribuído a dois fatores. Primeiro, as pessoas que nunca denunciaram um crime na delegacia porque tinham medo, agora fazem isso. Segundo, a ausência da figura do “dono do morro”, que era uma autoridade violenta e que punia com a morte ou com expulsão qualquer pequeno crime, também pode estar contribuindo para o aumento desses outros crimes menos graves. Além disso, há um impacto na redução da criminalidade no entorno das comunidades.

Maré: Ainda existem muitos desafios?

Ignacio: Quando você avalia o projeto das UPPs em seu conjunto, você obviamente verifica muitos desafios a serem superados. O sucesso global do projeto passa por dois elementos: um é a possibilidade de transformar as políticas de segurança, mudar a tradição de “guerra ao crime” e “guerra ao tráfico” para uma política de polícia como serviço. É um desafio muito grande. A outra possibilidade, e é uma recomendação que fazemos em nosso relatório, é de que as próximas UPPs sejam criadas em áreas com alta letalidade. Mas não foi isso que aconteceu. As áreas mais violentas do estado, como a Baixada Fluminense e a Zona Oeste, ficaram em segundo plano até agora. O projeto privilegiou as áreas centrais, de classe média alta.

Maré: E a relação da polícia com os moradores?

Ignacio: Nós detectamos que a relação entre polícia e comunidade em geral melhora com a instalação da UPP, mas há muita diferença entre uma e outra, não é linear. Em algumas UPPs a relação é boa, em muitas há certa distância.

Maré: E por que, em sua avaliação, a polícia continua agindo desta maneira?

Ignacio: Existem setores dentro e fora da corporação que ainda acreditam que policiamento se faz trocando tiros, que tem que fortalecer a guerra contra o tráfico, contra o crime. Mudar isso é difícil. Os policiais em geral acham que o policiamento comunitário não é policiamento de verdade. Há resistência no mundo inteiro, muito mais aqui que nós temos esse histórico da polícia voltada para a guerra. A UPP ainda é um projeto de fora para dentro e de cima para baixo, e os moradores não sentem, com toda razão, que a UPP seja a polícia que eles desejam.

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