Seja no Catolicismo, na Umbanda ou no Candomblé, São Jorge – ou Ogum – movimenta uma imensa legião de fiéis
Maré de Notícias #99
Por: Camille Ramos
Cantado por Zeca Pagodinho, Jorge Ben Jor, Caetano Veloso e muitas outras vozes da nossa música, São Jorge, o santo guerreiro, está presente como nenhum outro na cultura carioca. Ele já foi até tema de novela e possui uma multidão de fiéis fervorosos, tanto na Igreja Católica como no Candomblé e na Umbanda. São Jorge ou Ogum, independentemente de como o clamam, é celebrado no dia 23 de abril e, no Rio, a data é marcada por ritos de fé e festas e, desde 2008, com feriado estadual.
São Jorge é venerado como mártir cristão e é representado pela imagem de um cavaleiro, vestido com armadura de metal e lança na mão, que batalhou como soldado do Exército Romano, conquistando muitas vitórias e combatendo injustiças em nome de Jesus. Nas religiões de matriz africana que consideram o sincretismo, São Jorge encarna os orixás do panteão africano e, aqui no Rio, especificamente, é conhecido como Ogum, orixá ligado ao ferro, ao aço e ao fogo, características que representam a força que predomina sobre a injustiça e sua invocação tem por objetivo principal proteger e orientar seus fiéis no cotidiano.
Missas e feijoadas
Muitas são as celebrações pela Cidade. A Igreja Matriz de São Jorge, em Quintino, recebe cerca de 500 mil fiéis que começam a chegar por volta das 2h da manhã para acompanhar a tradicional alvorada, com queima de fogos, e a primeira missa, que é celebrada às 5h. Airton Alves, dono do Boteco Carioca, na comunidade do Sem Terra, no Parque União, devoto de São Jorge e filho de Ogum, começa o dia 23 de abril no pátio de igreja. “Chego 3h30 da manhã em Quintino, saio de lá às 7h, e já venho direto para abrir o bar. Toda a minha família trabalha comigo. Costumo fazer 15 quilos de feijão, que minha mãe me ajuda a preparar”, conta o comerciante que, desde 2015, organiza a festa em seu bar para cerca de 600 pessoas, por gratidão a São Jorge, e arca com todos os custos da feijoada, que é servida gratuitamente.
Assim como Airton, muitos fiéis começam o dia na igreja e terminam nas clássicas feijoadas e sambas. Apesar do padroeiro da cidade ser São Sebastião e também movimentar multidões de fiéis em procissões, a festa de São Jorge é maior e arrasta milhares de devotos alegres e festivos, com ida às igrejas, com velas acesas, na devoção Católica; aos batuques de candomblés e umbandas, com cerveja e feijoada, para saudar Ogum; e também a ambos os espaços de tradição religiosa, como é o caso de muitos devotos que transitam pelo catolicismo e pelas religiões de matriz africana simultaneamente.
Sincretismo
O que faz o dia 23 de abril ser uma das maiores festas religiosas da Cidade (maior até que a do seu padroeiro, São Sebastião) é, sem dúvida, a mistura das religiões e as características que aproximam o orixá e o santo – uma vez que ambos são baluartes de bravura e de força para contornar dificuldades.
Para Tata ria Nkisi Otuajô, pai de santo de uma casa de Candomblé, no entanto, mesmo com o sincretismo presente em nossa cultura, e embora São Jorge se assemelhe a Ogum, é necessário respeitar as divindades em seus territórios religiosos. “Por mais que exista uma tolerância na associação existente na tradição, é sabido que o orixá é o orixá e o santo é o santo, pois não existe nenhum rito, nenhuma liturgia que se assemelham ou fazem interseção, quando se trata dos louvores e reverências a ambos”, explica.
O fato é que, independentemente da crença que se cultiva, é essencial respeitar a “imensa legião de Jorge”, que celebra sua fé em um dia no qual as diferenças são diminuídas e os mesmos espaços compartilhados por pessoas de religiões diferentes, cultivando cada um, à sua maneira, a sua divindade e pedindo força e proteção para os dias difíceis. Salve Jorge, Ogunhê!