Pescadores da Maré buscam alternativas diante da poluição e desafios ambientais

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Pescadores mareenses vêm se capacitando e transformando as embarcações para levarem grupos interessados em passeios turísticos pela região

O jogador de futebol tem o campo como local de trabalho, o ascensorista tem o elevador, o professor tem a sala de aula, já o pescador deveria ter o mar, mas a poluição da Baía de Guanabara tem deixado o profissional do mar cada vez mais longe das águas. Este é o caso dos pescadores da Maré. 

A pesca artesanal é uma atividade realizada por profissionais que praticam a pesca em pequena escala. Eles pescam para o consumo da própria família e para vendas locais. Porém, como a despoluição nunca chega às águas da baía, os pescadores mareenses vêm se capacitando e transformando as embarcações para levarem grupos interessados em passeios turísticos pela região, e roteiros de pesca por lazer nos finais de semana, ao longo de todo o ano.

As águas

A Baía de Guanabara é formada por 35 rios e 53 praias, que recebem 98 toneladas de lixo por dia, segundo levantamento da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais, divulgado no site G1. De acordo com o site Museu do Amanhã, estima-se que atualmente restam somente 12% do espelho d’água da baía apto para a pesca artesanal. 

De acordo com o levantamento do Painel de Consultas do Registro Geral da Atividade Pesqueira, o Brasil conta com 1.035.478 pescadores profissionais ativos. Dados da Federação de Pescadores indicam a existência de aproximadamente 22 mil pescadores artesanais na cidade do Rio de Janeiro, organizados em cinco colônias registradas. Já o Ibama afirma a existência de três mil pescadores artesanais atuantes no município.

O plano B

Ao conversar com pescadores, é impossível não lembrar do acidente ecológico que ocorreu na Baía de Guanabara, no ano de 2000, no qual foram derramados 1,3 milhões de litros de óleo pela Petrobrás. Muitos conseguiram indenizações, com valores diferenciados, algo que não agradou a grande maioria. O derramamento de óleo diminuiu consideravelmente o volume e a qualidade do pescado, atingindo em cheio a atividade pesqueira. Desde então, alguns profissionais além de se dedicar ao ofício da pesca, dividem-se em um segundo ofício, como pedreiro ou ajudante de obras.

Um destes profissionais, é Paulo Cesar, de 63 anos, que há 30 anos atua na Colônia do Parque União, onde já foi possível pescar. Ele reclama da poluição e concorrência desleal com a pesca industrial. 

“Nós pescadores artesanais não temos chance nenhuma contra as redes de cerco que acabam com tudo. Inclusive, com o crescimento dos peixes. Além disso, ainda tem o chorume, químicas e óleo que os navios jogam quando lavam os porões. Hoje vivemos de esperança, pois acreditamos que ainda há vida na baía, mas é triste ver a Baía de Guanabara agonizando, ela pede socorro”, conclui. 

Samuel dos Santos, de 47 anos, conta que está no ramo desde criança e como segunda profissão, atua também como segurança. Samuel resiste e até afirma que comprou um novo barco, que ele pretende usar exclusivamente para a pesca. 

“Vimos a necessidade de investir cada vez mais em barcos maiores para sair da Baía. A dificuldade é encontrar lençol, plástico e saco de náilon, que danificam a caixa de marcha, o eixo e a hélice. Não temos incentivos do governo e vivemos de promessas da despoluição. Hoje 90% dos barcos da Colônia do Parque União se adaptaram para os passeios, restaram uns cinco. O pescador, se depender do peixe, morre de fome”, ressalta. O preço do passeio para um grupo de dez pessoas é R$400.

Praia sem peixe

Na Praia de Ramos, favela onde se encontra a Colônia de Pescadores Z-11, um dos filiados mais antigos, é José da Silva, de 58 anos. Conhecido como Barriga, ele faz parte da terceira geração de pescadores da família e garante que a Baía de Guanabara resiste e ainda tem vida, apesar de prejudicada. Ele reivindica melhorias para continuação da pesca artesanal.

“É necessário a dragagem dos canais do Cunha e Tubiacanga e da área da Praia de Ramos. Há muito lixo e chorume que vem de Duque de Caxias. Os projetos de retirada de lixo da Baía por parte dos pescadores não chegam em Ramos, nem o projeto das ecobarreiras funcionam como deveriam. Hoje, alguns colegas deixam a rede de lado para realizar os passeios, como solução para a sobrevivência.”

Wilson Soares, de 53 anos, com 12 anos de pesca, afirma que o pescador não deseja mais passar a profissão para os filhos. Para ele, há na baía o efeito da migração forçada e involuntária para a sobrevivência, onde pescadores se tornam catadores de materiais reciclados lançados ao mar ou adaptam o barco para o turismo de pesca.

“É muito sofrimento. É preciso acabar com o esgoto que vem das valas e a poluição do aeroporto do Galeão. Ainda tem a poluição industrial, como de empresa de roupas. Os projetos interesseiros de limpeza da Baía querem que o pescador só pegue os materiais recicláveis, mas precisamos tirar do mar as televisões, as geladeiras, os sofás e as vegetações. O pescador precisa entender que juntos somos mais fortes”, opina.

39 anos sem solução

O ambientalista e coordenador do Movimento Baía Viva, Sergio Ricardo, ressalta que o Canal do Cunha é um dos trechos mais contaminados da Baía de Guanabara. 

“Essa região era industrial nos anos 1980 e 1990 e tem, há décadas, a presença da Refinaria de Manguinhos. É uma área com mais de 2 milhões de pessoas e abrange favelas que são vítimas do racismo ambiental. O Programa de Despoluição da Baía de Guanabara foi iniciado em março de 1995. Portanto, há 39 anos e, até hoje, não foi concluído”, conta.

O ambientalista conta ainda que, a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Alegria, foi projetada para tratar 5.000 litros de esgoto por segundo, mas não trata nem 20% porque não foi construído o tronco coletor de esgoto. 

A Baía de Guanabara recebe 18 mil litros de esgoto por segundo. Caso funcionasse na capacidade total, somente a ETE Alegria já teria capacidade de tratar um terço dessa poluição. Ele considera absurdo que a Maré esteja ao lado da ETE Alegria e não tenha ligação com a estação.

Turismo comunitário

Ricardo ressalta que existe um ramo da economia chamado Turismo de Base Comunitária (TBC) ou turismo comunitário, que é uma política pública. “Aqui na Baía de Guanabara existem algumas experiências. Em Guapimirim houve um curso que formou cerca de 40 pessoas, pescadores, agricultores e caranguejeiros, que além de exercer sua profissão, passaram a ter uma outra atividade econômica”.

A iniciativa é um dos projetos do Baía Viva: o Pescatur, que busca em conjunto com a Trama Ecológica, de Duque de Caxias, e apoio de recursos do Ministério Público Federal, trabalhar em oito municípios da Bahia de Guanabara promovendo o turismo comunitário.

“Estamos fazendo cursos de turismo de base comunitária na forma de educação à distância, com o Comitê Pedagógico do Programa de Pós-Graduação em Ecoturismo e Conservação da Unirio, e o Departamento de Turismo da Uerj. É um programa de extensão que empodera os pescadores, sendo uma alternativa de geração de renda e ao mesmo tempo de valorização dos territórios das populações tradicionais”, explica o ambientalista.

Segundo o Ministério da Pesca e Aquicultura, a pasta busca articular e concretizar políticas públicas para a defesa, promoção e fortalecimento das comunidades pesqueiras artesanais e de seus territórios pesqueiros. Dentre as ações desenvolvidas, para o Ministério, destacam-se: o Programa Jovem Cientista da Pesca Artesanal, o Projeto Santiago, o Programa Boa Maré, o Programa Dos Territórios Pesqueiros Artesanais e a valorização da Cultura Pesqueira Artesanal.

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