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A Educação resgatando projetos de vida

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Maré de Notícias #89 – junho de 2018

Mais de 400 jovens da Maré matriculados nas 14 turmas do Telecurso

Maria Morganti

 

“É necessário sempre acreditar que o sonho é possível, que o céu é o limite e você, truta, é imbatível”. Edi Rock

O trecho da música A vida é desafio, do grupo Racionais MC, estava escrito em uma folha A4, pregada na parede da sala de aula, do prédio da Redes da Maré, numa tarde ensolarada de segunda-feira. Ao lado, um cartaz com uma frase de Martin Luther King, líder negro norte-americano, pacifista, assassinado em 1968, aos 39 anos.

“Eu tenho um sonho”

Diante da turma, a primeira das 14 que reúnem mais de 400 alunos, do Telecurso na Maré,  está o professor Luan Costa. A iniciativa possibilita a conclusão do segundo seguimento e do ensino médio em um ano e meio.

A pré-inscrição começou no dia 19 de fevereiro e foi até o começo de março. “A procura foi muito grande”, diz Patrícia Viana, integrante do Núcleo de Educação da Redes. Na lista dos critérios para participar estavam ser morador da Maré e ter disponibilidade de três horas por dia, quatro vezes por semana. As aulas acontecem em diversas áreas da Maré, como Nova Holanda e Vila do João. Essa iniciativa é uma tentativa de contribuir na solução de um dos mais graves gargalos educacionais do Brasil: o grande número de jovens e adultos que interromperam os estudos e enfrentam dificuldades, entre elas, a de se integrar ao mercado formal de trabalho.

Experiência acumulada

O Telecurso foi criado com o objetivo de ampliar o acesso à educação. A partir dos anos 70, passou a levar educação de qualidade pela TV, e ajudou a formar cerca de 7 milhões de estudantes nos ensinos fundamental e médio em todo o país. A partir dos anos 90, uma metodologia presencial foi desenvolvida a partir do material do Telecurso.  Desde 1995, 1,6 milhão de estudantes se formou em escolas públicas de 12 estados brasileiros, em programas coordenados pela Fundação. No Rio, para atender a jovens e adultos que estão fora da escola, a Fundação Roberto Marinho tem uma escola que adota o Telecurso, e está presente no Jacaré, em Manguinhos, Santa Marta, Porto da Pedra (São Gonçalo), Rio Comprido, Jacarepaguá e na Maré.

Sonhos interrompidos

Segundo o Ministério da Educação (MEC), de 2013 a 2017, as matrículas no 9º ano do Ensino Fundamental caíram 14,2%,no Rio de Janeiro. O Censo Escolar da Educação Básica 2017 revelou que a redução do número de matrículas acontece nos ensinos Fundamental e Médio pelo 4º ano consecutivo. Menos estudantes estão chegando nos últimos anos. A evasão escolar, no Ensino Médio, chegou a 11%, segundo os dados da pesquisa. Ou seja, quem chega, se chega, ao fim do ensino fundamental, pode não seguir no ensino médio.

Os números tomam forma de gente na história de vida de jovens como Júlio Cesar Acioli e Silva, de 19 anos; Amanda Marques, de 17 e Luciana Silva, de 20. Por motivos diferentes tiveram que deixar a escola. Mas têm em o comum os sonhos interrompidos e a possibilidade de mudar suas histórias.

Amanda, a caçulinha dos três, é vidrada no k-pop, “é a cultura popular coreana que nem tem na cultura popular brasileira”, explica didaticamente. Passou os últimos meses em casa, realizando tarefas para ajudar a mãe, empregada doméstica, e lendo romances. “Em um ano eu leio mais de seis livros. Gosto de livros que inventam um mundo novo. Pode ser até de ficção científica, mas tem de ter romance”.  A jovem, que se define como tímida, diz para a repórter:  “está sendo difícil vir aqui falar com você”. Amanda parou de estudar, porque sofreu bullying na escola. “Eu tentava me enturmar e não dava. Não me achava nem na escola e nem nos amigos. Parei de ir pra escola por desânimo. Também perdi mais de 20kg”.

Depois de enfrentar uma forte depressão, sem acompanhamento médico, agravada por problemas externos, Amanda conta que quis voltar a estudar com o projeto de tornar-se professora de Inglês e de Português para estrangeiros, ir para a Coreia do Sul e realizar um sonho triplo: “Eu queria voltar a estudar para dar orgulho a minha irmã, e fazer faculdade para realizar o sonho da minha avó. Porque ela pensava muito em terminar os estudos dela. Estou fazendo pela minha irmã, minha mãe e minha avó”.

Para Júlio, que é barbeiro no Parque União e nasceu no Recife, a perda da tia e o horário do trabalho impediram que ele continuasse na escola, ficou desanimado. Depois teve de optar entre o trabalho, que tinha a maior clientela à noite, e as aulas, que também eram noturnas. A necessidade de pagar as contas foi mais urgente naquele momento que o boletim escolar. Hoje, matriculado na turma da manhã, diz que tudo mudou. “Agora eu encontrei a oportunidade de voltar a estudar. Espero concluir o Ensino Fundamental, o Ensino Médio, fazer uma faculdade de Educação Física ou Contabilidade e ter uma vida melhor”.

Luciana, que tem 20 anos, diz que durante muito tempo “não queria ter coisa séria com os estudos”. Com 13 anos, já fazia unha (manicure), ofício que tem como profissão até hoje. Mesmo assim, a distância da escola e os problemas familiares pesaram e ela teve de parar de estudar. Depois, já casada, tentou voltar. Se matriculou, começou a frequentar as aulas, até que, ao fim da primeira e única gestação, há dois anos, parou mais uma vez. Mas não desistiu. “Eu falei, já deu o tempo de ela desmamar, e eu procurar o estudo”. Ela está mais uma vez matriculada. “Espero terminar os meus estudos; já estou pensando em colocar minha filha na escola ano que vem. Não quero que ela passe pelo que eu passei, não. Eu penso em fazer faculdade, eu acho tão bonito quem vai para a faculdade… É um sonho”.

Metodologia transformadora

Único paranaense do time de professores, Bruno Dias, de 29 anos, conta que muitos foram levados a deixar a escola por desinteresse e isso significa “ falta de assistência, de algumas políticas públicas eficazes para Educação”. O professor ressalta que a metodologia do Telecurso prioriza a criação do laço afetivo com a turma, para, a “partir do conhecimento deles, construir outros conhecimentos”.

“Nada que vai ser ensinado aqui vai ser uma imposição. A escola, às vezes, tem um pacote de conteúdos que precisa ser passado e transmitido para os estudantes. Um modelo conteudista, no qual os estudantes têm de absorver aquele conteúdo, no qual muitas vezes eles não veem aplicabilidade. Aqui, todas as aulas são contextualizadas com a história, com o porquê daquele conteúdo, e qual é a aplicabilidade dele; de Matemática, de Português, no cotidiano”.

Tirando o sonho da gaveta

A gerente-geral da Educação da Fundação Roberto Marinho, Vilma Guimarães, explica que o Telecurso tem como especificidade considerar a história de vida de cada um, para que os alunos possam aprender, com prazer. “Eles perdem os medos e rótulos, que muitas vezes foram dados em suas experiências escolares e que faziam eles pensarem que falharam, e não o sistema. Esse reencontro com as competências, habilidades e essa possibilidade de produzir conhecimento ressignificam a prática escolar. Eles descobrem rapidamente que sabem muito. Estou muito feliz com essa parceria; de poder estar com a população da Maré, de poder somar esses conhecimentos que a Redes da Maré acumula a serviço da população. Podemos gerar uma transformação na vida de tantas pessoas”, finaliza.

 Na prática, é a possibilidade de gente como Júlio, Amanda e Luciana finalmente tirarem o sonho da gaveta de uma vez por todas.

 

O Telecurso da Maré representa uma nova oportunidade para a estudante Amanda Marques, de 17 anos | Foto: Elisângela Leite

Alguma coisa está fora da ordem

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Maré de Notícias #89 – junho de 2018

O problema do lixo na Maré é sério e exige diálogo entre Comlurb e moradores

Hélio Euclides

“O lixo de um homem é o tesouro de outro”, esse é o lema do artista português Artur Bordalo, conhecido como Bordalo II. Ele desenvolve ideias com materiais reciclados. No Rio de Janeiro, visitou uma cooperativa e, com os resíduos encontrados, fez um lobo-guará gigante, e a criação está na Cidade das Artes. Mas nem sempre o lixo é considerado luxo. Na Maré, o lixo se transformou em um problema para os moradores. Apesar da coleta domiciliar diária, ainda existem lugares onde o descarte é feito de forma inadequada. O projeto dos laranjões, caixas coletoras de 3,2 metros quadrados, ainda não funcionou, e pequenas quantidades de lixo são dispensadas no chão, por ausência de caixas coletoras.

Ao andar pelas ruas da Maré, é fácil encontrar copos, garrafas, latas e todo tipo de papel. Material que poderia ser reciclado, mas acaba indo parar nos bueiros de águas pluviais. A cidade do Rio de Janeiro produz cerca de 10 mil toneladas de lixo por dia, e dessa quantidade, apenas 1,9% são destinados à reciclagem. “Falta o pensamento da qualidade de vida, com a diminuição do consumo e a reciclagem. O lixo serve de geração de renda, pode voltar como outro produto. É preciso reeducar, ter uma mudança de hábitos, como andar com copo na bolsa, evitar usar descartáveis, repensar o consumo, comprar a granel e separar o lixo para os catadores”, aconselha a bióloga e educadora Júlia Rossi.

Para Júlia, não existe uma dinâmica de como tratar o lixo na comunidade. “Ele acaba ficando a céu aberto. O controle do lixo é necessário, em especial quando pensamos nos descartes e no lençol freático. Não podemos deixar de fazer a nossa parte e cobrar do Poder público caixas de coleta para as embalagens do que consumimos na rua. A humanidade necessita pensar no ciclo do lixo, que pode acabar poluindo, pois ele não evapora”, adverte.

 

Os laranjões

A questão do lixo abriu um debate entre os moradores. A Edição 55 do Maré de Notícias, de julho de 2014, trazia o lançamento do projeto Comunidade Limpa, que tinha como carro-chefe os laranjões. Já a Edição 66, de setembro de 2015, apresentou uma fotonovela, com a avaliação de jovens sobre a coleta de resíduos. Há um ano, na Edição 77, mostramos as consequências do descarte em local não apropriado. “Não vejo ninguém levantado esse tema tão importante na comunidade, aliás só esse Jornal. É triste ver o acúmulo de lixo na segunda-feira, na entrada das travessas da Vila do Pinheiro. Antes tinha a caçamba, que era lavada. Depois acabaram com o sistema e ficou o cheiro ruim. Agora retiraram os laranjões e ficaram as montanhas de lixo, que atraem ratos. O prefeito precisa vir à favela ver isso”, reclama o morador Paulo Maurício.

Os laranjões são questionados desde o início de sua implantação. “Quando foi oferecido o Projeto, não aceitei aqui. Foi a única comunidade que disse não. Hoje vemos alguns na beirada do valão, entre o Rubens Vaz e o Parque União, com lixo caindo na água. O problema é que o caminhão vive quebrando e junta muito lixo”, comenta Vilmar Gomes, o Magá, Presidente da Associação de Moradores do Rubens Vaz. Em algumas comunidades, as caixas coletoras estão sendo retiradas. “O morador não quer lixo na sua porta, mas joga na do vizinho, onde ainda tem os laranjões. Retiramos alguns, por reclamações de roedores, mau cheiro e lixo no chão. Muitos colocam o lixo na esquina da rua, o que traz insetos e entope os ralos de águas pluviais. A empresa tem de dialogar com a população, para que a coleta seja feita de porta em porta”, sugere Cláudia Santana, Presidente da Associação de Moradores do Parque Ecológico.

 

Todos precisam fazer a sua parte

A questão do lixo afeta o dia a dia da população e da empresa pública de coleta. “Parte do lixo espalhado tem um percentual nosso. Temos de colaborar, fazer a nossa parte, preservando o meio ambiente. Vejo os garis trabalhando e alguns laranjões pela comunidade, mas o que falta é organização desse descarte do lixo”, avalia Raquel Figueira, moradora da Vila Pinheiro. “É preciso fazer o certo, se o caminhão passou e o morador perdeu a coleta, que guarde o lixo para o outro dia”, sugere Solange Oliveira. Já Vânia Correia pensa numa coleta seletiva. “É preciso um trabalho de educação. Eu separo o lixo reciclável dos resíduos, o que ajuda os catadores. O ideal seria caçambas de cores diferentes para dar início à coleta seletiva na Maré”.

Messias, conhecido como Rei do Cloro, diz que tenta fazer a parte dele, ao varrer a frente da sua loja, na Nova Maré, todos os dias. “Por outro lado, não vejo o gari buscar na porta aqui na Nova Maré. Assim, o ideal é colocar o lixo na caçamba, e lembrar de pisar no pedal para abri-la. Onde moro, no Beco das Américas, no Parque Maré, só vejo a Comlurb (Companhia Municipal de Limpeza Urbana) de vez em quando, e não tem hora para passar. O morador perdeu o momento da entrega do lixo, então vai buscar um ponto de acúmulo na comunidade”.

“A questão do lixo está cada vez pior. Às vezes, o caminhão passa e outras vezes, não. O Salsa e Merengue está precisando de uma limpeza geral”, reclama Marluce Almeida. Para Márcio José, morador da Vila do Pinheiro, o lixo é o grande problema da Maré. “O serviço de coleta deixa a desejar, em especial nas travessas. Não podemos colocar o lixo nas esquinas, então saímos atrás dos laranjões, pois temos de dar um jeito”, explica.

 

A opinião de quem coleta

No dia 16 de maio foi comemorado o Dia do Gari. A palavra é uma homenagem ao empresário francês Aleixo Gary, que se destacou na história da limpeza da cidade do Rio de Janeiro, em 1876. Contratado pela Prefeitura, ele coletava e levava o lixo para uma ilha, Sapucaia. E conseguiu resolver um dos maiores problemas da cidade. A partir de então, quando os cariocas queriam que as ruas fossem limpas, chamavam os garis.

Um gari que atua no caminhão recolhendo o lixo domiciliar da Maré e preferiu não se identificar avaliou algumas questões: “é uma pena que os moradores ainda joguem muito lixo no chão. Nosso trabalho e o dos garis comunitários vai ser mais fácil se tiver apoio. O maior problema é que os caminhões estão no limite, e a Empresa que administra, a TRD Serviços e Administração Ltda., não tem como trocá-los. Dessa forma, eles vivem quebrados, o que interrompe a nossa ação e, por isso, a reclamação da coleta. Não existe caminhão reserva”, alerta.

Para o gari com quem conversamos foi boa a retirada dos laranjões. Ele diz que “diminuiu o lixo no chão. O correto é lixo na porta. A população reclamava muito do mau cheiro. A Empresa explica que eram lavados, mas não esfregavam; o chorume (líquido) e alguns resíduos ficavam neles. Era dinheiro jogado fora, então não se usa mais esse tipo de caminhão. Se tem problema na coleta, não é culpa da gerência-adjunta, que fica na Nova Holanda, eles se esforçam para fazer com o que tem”.

 

Uma das áreas mais críticas é a Via C4, onde é possível ver uma montanha de lixo | Foto: Elisângela Leite

A limpeza urbana da Maré

A Maré, pela quantidade de ruas e habitantes, supera muitos bairros e se aproxima do padrão de uma cidade. Segundo a Comlurb, para coletar as 143 toneladas diárias, num total de 4.290 toneladas mensais, a Empresa utiliza 227 laranjões, 12 equipamentos compactadores, 33 veículos, 56 garis da Empresa, e 67 garis comunitários, que realizam a varredura nas principais vias.

Cláudio Brito, o Chiquinho, é Gerente de Departamento da Comlurb, responsável pela Maré, e tem como uma das principais preocupações o lixo próximo aos valões. “É um trabalho de educação, é cansativo, mas não podemos parar. A população precisa ficar atenta e colocar o lixo cedo, para não perder a coleta”, aconselha. Uma das carências da favela é o coletor de papel, fixado nos postes. “É um custo alto de manutenção. Estamos voltando a colocá-los em praças e próximo às escolas. Sobre os laranjões, alguns foram retirados por não se adaptarem, pois ficava muito lixo no seu entorno. Quem precisar da coleta de entulho, deve procurar a Gerência local (Rua Tancredo Neves, Nova Holanda). Sabemos que ainda existe falha, mas procuramos fazer o melhor”, conclui.

O corpo como obra de arte

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Maré de Notícias #89 – junho de 2018

Tatuagens: moda, forma de expressão ou apenas estética?

Jorge Melo

O nome de um filho, uma homenagem ao pai ou à mãe, um desenho descolado, caracteres japoneses ou chineses, até um desenho tribal. É difícil encontrar alguém hoje com menos de 40 anos, que não tenha uma tatuagem. No ano passado, o Brasil sediou o maior evento de tatuagem e body piercing do mundo, o Tattoo Week, realizado em São Paulo, em julho, que reuniu, durante três dias, segundo os organizadores, mais de 60 mil visitantes e três mil tatuadores, no Expo Center Norte. Além desse, que é o maior, centenas de outros eventos menores acontecem ao longo do ano pelo País afora. E existem vários sites onde os interessados podem procurar informações e orientações.

Não existem números oficiais, mas em 2013, a Revista Superinteressante realizou o Primeiro Censo da Tatuagem no Brasil, com 80 mil entrevistados. Nesse universo, as mulheres representam 59,9%. E os jovens, entre 19 e 25 anos, correspondem a 48,2%.

A tatuagem, ou tattoo, em inglês, já não sofre preconceito como nos velhos tempos e não é mais uma atividade alternativa. De acordo com o Sebrae, considerando apenas Microempreendedores Individuais (MEI), o aumento no setor foi de 24,3% entre 2016 e 2017, de 9.151 para 11.380 negócios. A tatuagem também avançou institucionalmente. Em 2016, o Supremo Tribunal Federal decidiu que ninguém pode ser desclassificado de um Concurso por causa de uma tatuagem.

 

Música e poesia

Em 1972, o compositor Chico Buarque de Holanda compôs uma música, que se tornou clássica na voz da cantora Elis Regina, Tatuagem, uma declaração de amor passional. “Quero ficar no teu corpo feito tatuagem; que é pra te dar coragem; pra seguir viagem…”

Em 1980, Caetano Veloso compôs Menino do Rio, em homenagem a um surfista carioca. Aliás, surfistas e roqueiros foram os responsáveis por recuperar o charme das tatuagens que, até então, eram usadas por marinheiros e presidiários.   “Menino do Rio; calor que provoca arrepio; dragão tatuado no braço”

 

Tatuado pode doar sangue       

Entre os muitos mitos que cercam a tatuagem está o de que quem tem tatuagem não pode doar sangue. Leonardo Borges de Mello tem 39, é professor de Educação Física e trabalha no Centro Municipal de Saúde da Vila do João e na Clínica da Família Adib Jatene, na Vila do Pinheiro, ambas na Maré. Ele tem duas tatuagens. E diz que, ao contrário do que muita gente pensa, quem tem tatuagem não fica impedido de doar sangue. “Deve apenas guardar um período de seis a 12 meses depois de finalizar uma tatuagem”. Mas, na dúvida, consulte um médico. Aliás, uma das campanhas nas quais Leonardo trabalha é exatamente a de incentivo à população para que doe sangue. “É muito importante e qualquer um pode colaborar, mesmo que tenha tatuagem”.

Ronaldo dos Santos Maia tem 38 anos e há 19 é tatuador profissional. Tem um estúdio muito concorrido, na rua principal da Nova Holanda. Começou grafitando paredes e desenvolveu o traço. “Vivo da tatuagem, faço pelo menos três por dia, não há mais preconceito contra as tatuagens, hoje em dia todo mundo tem”, diz ele, enquanto trabalha no braço de um cliente. Ronaldo dá uma dica para quem quer fazer tatuagem: procurar um profissional capacitado, que siga todas as regras de higiene e segurança.

No estúdio de Ronaldo encontramos Joelson Salles de Carvalho, de 27 anos, morador da Maré. Ele é cliente fiel de Ronaldo, com quem faz todas as tatuagens, tem sete: “eu faço tatuagem, porque curto os desenhos. No meu caso as tatuagens não têm mensagem nem significado; uso porque acho bonito”.

Comuns na Antiguidade, as tatuagens viveram séculos de ostracismo. Banidas pela Igreja Católica, foram redescobertas em 1769, quando o navegador inglês James Cook realizou expedições à Austrália e Nova Zelândia e conheceu os Maori, que praticavam tatuagens rituais, inclusive no rosto, conhecidas como tatau. Essa palavra faz referência ao ruído provocado pela batida do osso fino que introduzia a tinta na pele. Daí para tattoo foi um pulo. Tatuagens como motivos maoris fazem muito sucesso na atualidade.

Chikungunya ameaça Maré

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Maré de Notícias #89 – junho de 2018

Segundo especialista, epidemia da doença não pode ser descartada

Maria Morganti

Dores no corpo, principalmente nas articulações, febre alta, falta de disposição.  “É muita dor. Deus me livre, eu não desejo isso pra ninguém. Dói muito. Os ossos, as articulações, ficam duras, inchadas”, desabafa Floracir da Silva Pinto, aposentada e moradora da Nova Holanda. Onde dona Floracir mora, na Rua Marcelo Machado, a maioria dos moradores relata ter tido os mesmos sintomas. Todos foram diagnosticados com chikungunya, doença viral transmitida pelos mosquito Aedes aegypti, o mesmo da dengue e da zika. Apesar de a grande semelhança com as outras doenças transmitidas pelo mosquito, o que diferencia a chikungunya é a continuidade dos sintomas, que podem durar meses após o episódio da sua detecção, dificultando atividades simples, como escovar os dentes.

Risco dobrado para as grávidas

No caso de Juliana e Anderson Silva, o diagnóstico veio como um susto ainda maior. Juliana estava no fim da quinta gestação, a da pequena Maria Eduarda, com 38 semanas, quando sentiu muita dor na barriga e no calcanhar,mas achou que fosse por ter batido em algum lugar e não deu muita importância. Mas o marido alertou: “vamos para a maternidade, porque você gemeu muito de madrugada”.

Juliana conta que os médicos disseram que Maria estava em sofrimento fetal e indicaram uma cesariana de emergência. Tudo correu bem no parto. Três dias depois, os primeiros sintomas da chikungunya começaram a aparecer. “Ela nasceu superbem e as minhas dores passaram. Dias depois, ela estava chorando muito e a médica foi examinar. Quando colocou a bebê no berço, ela teve uma convulsão”.

Um exame confirmou que Juliana teve a doença e que Maria foi infectada, na hora do parto. Uma das características do vírus é causar fortes queimaduras em crianças pequenas. Maria continuou internada, e a previsão é que tenha alta nesse início de junho. “Só consegui dormir essa noite, quase um mês depois, não vejo a hora de ela vir pra casa”, conta o pai.

Pacientes como Márcia Barreto, 61 anos, aposentada, além do tratamento com medicamentos durante a fase aguda da chikungunya, muitas vezes precisam fazer fisioterapia, para reduzir as dores nas articulações, que podem perdurar  meses. “Eu fiquei quase três meses sem andar, com muita dor. Até enrolado eu falava, porque atacou o meu sistema neurológico. Depois o médico mandou eu fazer fisioterapia, porque os tendões ficaram inflamados, acho que fiz 10 sessões”.

Maré na rota da chikungunya

Segundo dados da Prefeitura, a Maré é um dos bairros com maior índice de registros na cidade. Foram 59 casos só nos primeiros quatro meses deste ano. Perde apenas para bairros, como Campo Grande, Guaratiba e Santa Cruz, na Zona Oeste. Para o infectologista Rivaldo Venâncio, pesquisador e coordenador de Vigilância em Saúde e Laboratórios de Referência da Fiocruz, apesar da grande quantidade de pessoas infectadas, os números não representam – neste momento – um risco de epidemia. “Se, de fato, nós caminharmos para uma epidemia de chikungunya no Estado do Rio,esses números iniciais não são suficientes para fazer tal afirmação. Há de se considerar, no entanto, a provável existência de um número razoável de casos que ainda não foram inseridos no Sistema de Notificação. Caso ocorra, de fato, uma epidemia, devemos esperar que até o final do ano tenhamos números  10 a 15 vezes maiores, que esses registrados até agora”. No entanto, o médico não descarta o risco. “Temos elevados índices de infestação domiciliar do mosquito transmissor do vírus. Nesse momento, não podemos afirmar que estamos caminhando para uma epidemia, muito menos descartar essa possibilidade”.

Rivaldo explica que, como a população teve pouco contato com esse vírus, existem poucos anticorpos para que o corpo humano proteja-se da enfermidade, o que aumenta o potencial de infecção. “Diante da inexistência de uma  vacina contra a chikungunya, a única forma de a pessoa criar anticorpos é sendo infectada pelo mosquito. Uma parcela das pessoas infectadas desenvolverá a doença e outra não apresentará manifestações clínicas”.

Fatores de risco

O primeiro caso de chikungunya registrado no Brasil, ou seja, em que a transmissão ocorreu em território nacional, segundo o Ministério da Saúde, aconteceu em setembro de 2014. Em 2010, três casos tiveram o diagnóstico confirmado em pessoas que tinham acabado de voltar de viagem ao Exterior. No mundo, a doença começou a se espalhar em 2013, quando foram identificados casos no Caribe, Venezuela, Guiana, Panamá, Porto Rico e Suriname.

Em todo o Rio de Janeiro, inclusive aqui na Maré, são encontradas condições ideais para a proliferação do mosquito que transmite a doença: lixo acumulado e água parada são fatores decisivos, e os períodos de chuva também exigem mais cuidados. Por isso, o pesquisador Rivaldo Venâncio avalia que a expectativa é de que os índices de infestação não continuem crescendo no ritmo atual. A temporada de chuvas já acabou. Ele salientou, no entanto, que existem outros fatores que propiciam a proliferação do mosquito.

“A dificuldade na manutenção do abastecimento de água para o uso doméstico, de forma regular, em várias localidades do Estado do Rio, faz com que a população não seja abastecida todos os dias. O problema é que, no dia em que a água está disponível, as pessoas costumam acumular, muitas vezes, em locais inapropriados, criando potenciais focos de proliferação do mosquito Aedes aegypti. Já em outras localidades, a coleta do lixo produzido pelos domicílios não é eficiente, o que faz com que os objetos descartados, no meio desse lixo, acumulem água, propiciando a reprodução do mosquito”.

Para o pesquisador, o desemprego e a violência nas favelas agravam o quadro. “O elevado índice de desemprego contribui para que um percentual maior de pessoas permaneça em seus domicílios, tornando-se alvo dos vetores do vírus chikungunya. Além do ambiente de violência existente em várias comunidades do Estado do Rio de Janeiro que dificulta o desenvolvimento do trabalho de equipes que atuam no controle do mosquito transmissor”.

Apesar de a expectativa ser de diminuição dos casos ao longo do ano, Rivaldo alerta que, com a volta do verão, os riscos de uma epidemia se mantêm altos. Projetos como o “Eliminar a dengue: desafio Brasil”, da Fiocruz, que libera mosquitos infectados com a bactéria wolbachia, inofensiva ao homem, mas que impede a transmissão dos vírus pelo Aedes, prometem ajudar nesse combate. Mas nada que substitua o dever de cada um de eliminar os possíveis focos do mosquito em casa. Ritual que inclui fechar bem as caixas d’água, deixar todos os baldes e outros recipientes virados com a boca para baixo e pneus sem água e em lugares cobertos.

Construindo um festival para as mulheres do (meu) mundo

Maria é repórter do jornal Maré de Notícias | Foto: Gabi Carrera

Assim que soube que participaria para escrever de um dos grupos de reflexão que está reunindo mulheres para discutir temas a serem abordados no Festival Mulheres do Mundo (WOW), que acontecerá pela primeira vez na América Latina aqui no Rio, em novembro, fiquei pensando o que eu tinha no meu repertório de feminismo como mulher suburbana e periférica para oferecer e somar.

Algo não que eu tivesse lido, mas que eu praticasse na minha vida, ou que pelo menos tivesse visto alguma mulher que vivesse perto de mim fazer no dia a dia que pudesse representar aquele movimento nas áreas faveladas e suburbanas da cidade.

Nesse intervalo de tempo, encontrei uma amiga que trabalha em um salão de beleza perto da minha casa. Com expediente de cinco dias por semana, ela sustenta os três filhos e o marido, desempregado. O ensino médio que não completou não a impediu de ter casa própria e carro na garagem. Com menos de 25 anos! “Papai do céu abençoou”, como ela sempre diz, apertando a mão com os dedos e só o polegar para cima.

Entre uma gargalhada e outra de alguma bobeira que uma de nós contávamos, ficava martelando sobre como falar de feminismo com ela sem ser acadêmica. Sem falar em tom de aula, de transmissão de conhecimento erudito. Estava cara a cara com o assunto principal que levaria para a reunião. Estava cheia de perguntas sem respostas. Inundada de inquietações. Já sabia que nada ou muito pouco sabia sobre feminismo, mas me deparar sem repertório pra comentar isso em linguagem coloquial com a minha parceira me deu um tapa na cara.

No dia da reunião, um círculo lindo, só mulheres. Tanto só para participar quanto trabalhando. Na apresentação que passava o microfone de mão em mão, de depoimento em depoimento, percebi que o Festival Mulheres do Mundo está sendo construído para ser plural de verdade. Heterogêneo desde a idade até a classe social. Que incrível!

Na hora da divisão dos grupos, quatro ou cinco, formados com cerca de 15 mulheres cada, com uma “mentora” e uma relatora, expus a minha angústia de fazermos sempre eventos para convertidas. Gente que já sabia de feminismo, sobre equidade de direitos e etc. Disse que precisávamos chegar lá na minha amiga avessa à literatura e a “questões” freudianas, para falar que não é “obrigação” dela ter que limpar a casa mesmo com um companheiro que não trabalha, fazendo com que ela tenha jornada tripla. Os pares de olhos atentos, mesmo sem resposta, me deram a certeza de que só descobriremos isso juntas. Ansiosa para novembro.