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Tirando os óculos escuros do Pós Abolição

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Foto: Elisângela Leite

Por: Angélica Ferrarez de Almeida 

(NUMIM)

Este ano de 2018 estamos diante de um duplo desafio, refletir sobre a sociedade e a democracia no país, já que vivemos os chamados dos “130 anos do pós Abolição” e no próximo ano viveremos os “130 anos de Proclamação da República”.

Ainda hoje, a memória do cativeiro e toda a sua estrutura colonial, racista e escravocrata estão presentes no projeto de Brasil, que foi pensado pós Abolição da escravidão. Seja nas relações sociais, na arquitetura, na economia, nas entranhas do racismo, nas narrativas das gerações de descendentes de libertos e seus sucessores. Seja na constituição de caminhos para compreendermos as experiências das comunidades remanescentes de quilombo, na cultura urbana da cidade, no processo de favelização, na criminalização da cor negra, na construção de nosso complexo político ou num projeto de República frágil que só favoreceu aos grupos poderosos.

Entretanto, o pós Abolição ganha, principalmente nestes 130 anos pós 1888, um novo óculos hermenêutico, a fim de descolonizar o olhar, desconstruir certos mitos. O primeiro deles, o de que a lei Áurea foi uma bondade da princesa imperial – na verdade, a escravidão não servia mais aos interesses de grupos poderosos, havia virado um “peso econômico” – ; o segundo, mais recente:  o da democracia racial onde “todos seriam iguais” independentemente da cor da pele, mas que não se sustenta diante de qualquer dado que mostre as respeito de como vivem os descendentes dos negros e negras na sociedade brasileira. É um momento único quando a gente se pergunta: “pós Abolição para quem? ”.

É preciso refletir sobre a complexidade das relações raciais no contemporâneo e cada vez mais as sobre as relações de gênero na sociedade brasileira. Quando a gente se pergunta quem ocupa os espaços de poder na sociedade, vem outra interrogação, onde estão os descendentes do pós Abolição?

Estamos vivenciando, a partir da organização do povo negro, um movimento de ampliação dos estudos que consideram trajetórias e formas de associações da população negra, no período do chamado Pós-Abolição. Movimento que cresce, seja na cidade ou no campo, como caminho para a compreensão das estratégias assumidas diante da exclusão social, que tomou corpo com a estrutura do racismo, após o fim do sistema socioeconômico escravista.

Considerar que a sociedade brasileira do Pós-abolição resolveu todas as mazelas, injustiças e o racismo provocados pelos mais 300 anos de escravidão, é um posicionamento que cega e impede o aprofundamento e a compreensão de diferentes aspectos políticos e sociais aí implicados.

Ao mesmo tempo, é preciso considerar toda a luta da comunidade negra por se fazer presente a partir de um novo lugar de fala. É preciso ainda lutar pelo reconhecimento de que a cidadania plena implica direitos iguais para todas as pessoas e que a cor da pele não pode ser, jamais, critério para o não reconhecimento desses direitos. Enxergar a importância histórica, sociocultural e econômica do povo negro para o Brasil é fundamental para consolidarmos nossa democracia, 130 anos depois da Abolição.  

A celebração do feminino

Festival  Mulheres do Mundo, WOW,  chega ao Brasil pela primeira vez em novembro 2018

Apesar da luta incessante pela igualdade de gêneros, ainda hoje há quem acredite que as mulheres são seres inferiores aos homens e que a sua única função social se resume ao cuidado da casa e dos filhos. No mundo,  18% das pessoas acreditam nisso, e 4 em cada 10 mulheres creem que não temos os mesmos direitos reservados ao gênero masculino. Os dados, assustadores, são de uma pesquisa feita de 2017 pela Ipsos Global Divisor.

Mas temos muito a comemorar. Nos dois últimos séculos, foram inúmeros avanços: o direito ao voto, ao uso da pílula anticoncepcional; a maior inserção no mercado de trabalho; o crescimento da escolaridade; a promulgação da Lei Maria da Penha; a garantia de direitos constitucionais; o Programa Nacional de Direitos Humanos; o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres; a Lei do Feminicídio; enfim, a desconstrução do papel até então convencionado para as mulheres na sociedade.

No entanto, a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres ainda está longe do ideal. Para entender as diferenças no mercado de trabalho, por exemplo, a PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, de 2007 – diz que a equiparação de salários só deve acontecer daqui a 87 anos, para a execução das mesmas funções. E sem falar nos afazeres domésticos e maternais, que fazem que as mulheres tenham dupla jornada – em média mais que o dobro em relação aos homens.

Quando vamos para o quesito violência, porém, a história é mais séria ainda. Segundo o Mapa da Violência de 2015, entre 1980 e 2013, mais de 106 mil mulheres morreram apenas por serem mulheres. Só entre 2003 e 2013, esse tipo de crime, chamado de feminicídio aumentou em 54%. E na maior parte das vezes, quem mata é o parceiro, ex-parceiro, o seja, o assassino é familiar a vítima.

Como se sabe, um ponto fundamental para o desenvolvimento humano e social das nações é a igualdade de gêneros. Nesse sentido, o Pacto Global das Nações Unidas (UNGC) e a ONU Mulheres têm como premissa fundamental o direito das mulheres e meninas a uma vida livre de discriminação, violência e pobreza.

Debater sobre o papel das mulheres na sociedade, celebrar suas conquistas, abrir espaço de escuta e de acolhimento é um dos objetivos do Festival Mulheres do Mundo (WOW). A primeira edição deste Festival foi em 2010, em Londres, no marco do centenário do Dia Internacional da Mulher. O evento já passou por mais de 30 países e, neste ano de 2018, terá lugar em mais 53, inclusive no Brasil, pela primeira vez.

Idealizado por Jude Kelly – importante referência feminina no mundo das artes e presidente de um dos maiores centros culturais da Europa, o  Southbank Centre(*), em Londres –, o festival visa a promover diálogos entre meninas e mulheres sobre seus potenciais e os desafios contemporâneos e será realizado pela Redes de Desenvolvimento da Maré, em parceria com o British Council,  em novembro, na Praça Mauá, no Rio de Janeiro, tendo como espaços de referência o MAR (Museu de Arte do Rio), Museu do Amanhã e a Praça Mauá.

Dois principais objetivos do Festival Mulheres do Mundo são: 

  1. celebrar as conquistas de mulheres e meninas para que expressem suas vozes no sentido de compartilhar seus sonhos, medos e lutas, por meio de várias formas de expressões artísticas e culturais, de  diálogos em diferentes formatos (debate público, rodas de conversas, troca de experiências, mentoria) numa perspectiva de visibilizar  múltiplas identidades femininas; e
  2.  fornecer um espaço seguro e aberto para a expressão criativa, em que o protagonismo feminino  seja reconhecido e celebrado,  gerando a construção de solidariedade e incentivo a mudanças de atitudes.

Serão três dias de debates, palestras, encontros, conversas, acolhimentos, apresentações culturais e artísticas nas mais diversas linguagens, além de uma feira de inovações criativas no campo da gastronomia, da tecnologia, dos ativismos, do meio ambiente, da moda,  da beleza e  da saúde. A estimativa é promover mais de 123 conversas com mais de 393 convidadas internacionais e nacionais.

(*) : Southbank Centre é um complexo de locais artísticos em Londres, Inglaterra. São três locais: o Royal Festival Hall, incluindo a Saison Poetry Library, o Queen Elizabeth Hall e o Purcell Room, juntamente com a Hayward Gallery, é o maior centro de artes da Europa. Atrai anualmente mais de seis milhões de visitantes.

CEDAE não cumpre promessas na Maré

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Maré de Notícias #88 – maio de 2018

Depois de seis anos, obras importantes para a população não saíram do papel

Hélio Euclides

Um dia, os moradores abriram o Jornal e lá estava uma boa notícia: a Maré teria uma grande obra de esgoto. Mas a promessa não saiu do papel. No Maré de Notícias, Edição nº 35, de novembro de 2012, o diretor de Distribuição e Comercialização Metropolitana da CEDAE – Companhia Estadual de Águas e Esgoto, Marcelo Motta, assegurava que a estatal realizaria obras para a melhoraria da rede de esgoto e iniciaria o tratamento dos resíduos na Estação da Alegria, no Caju. Já na Edição nº 44, de agosto de 2013, o Jornal tornava público um questionamento sobre o início das obras no sistema de esgoto. E, por fim, um ano depois da primeira promessa, na Edição nº 47, o então presidente da CEDAE, Wagner Victer, informava que as obras de esgotamento sanitário começariam em breve.

 O tempo passou e….

De lá para cá, cinco anos se passaram e a situação piorou. “No passado, tivemos o Marcello Motta na reunião do Coletivo Maré que Queremos. Foi prometido um atendimento semanal nas comunidades. A empresa precisava avançar na parte funcional e de estrutura, com novos equipamentos. Sobre a obra, até agora, só promessa”, reclama Pedro Francisco, presidente da Associação de Moradores do Conjunto Esperança. A Empresa tem uma base local. “A CEDAE Maré faz o máximo, pois não tem estrutura e condição de trabalho”, declara Luciano Aragão, vice-presidente da Associação de Moradores de Marcílio Dias.

Para Vilmar Gomes, o Magá, presidente da Associação de Moradores do Rubens Vaz, “a obra que foi prometida nem saiu do papel. Hoje enxugamos gelo, desentope num dia e entope no outro. Tem de trocar o encanamento, que são manilhas esfareladas”, esclarece. Ele entende que é necessário um investimento na CEDAE Maré. “O caminhão desentupidor diminuiu para três dias o atendimento na Maré, não é suficiente. São duas equipes de serviço referentes à água, e outras duas de esgoto. É pouco. Esses profissionais ainda desentopem usando tubos de PVC”.

Em frente ao Bloco Oito, no Conjunto Pinheiro, existe um esgoto entupido. Para piorar, um bolsão de água da chuva se forma próximo ao campo de futebol Toca da Raposa; o resultado é a mistura de esgoto com água da chuva, o que pode acarretar doenças. “Tem de ter projeto de reformulação do esgoto. As caixas estão todas cheias e já está minando por baixo do prédio”, reclama Francisco Fábio, morador do local.

 “Tudo que envolve essa estatal acaba assim, promessas, muitos milhões de reais investidos, resultados ambientais pífios. Infelizmente, o que era para ser uma Empresa estratégica tanto do ponto de vista de saúde pública como ambiental, é o que é. Em tudo que essa Empresa está envolvida, tal como Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG), Programa de Saneamento Ambiental (PSAM) e Cena Limpa, com algumas honrosas exceções, simplesmente não dá em nada”, avalia o biólogo Mário Moscatelli.

 Uma Maré de promessas

Na Edição nº 35 do Maré de Notícias, Marcelo Motta revelou que o investimento seria de R$ 35 milhões somente na Maré, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) 2. Um conjunto de intervenções, como o novo tronco-coletor do Faria Timbó. Na Maré, as obras contemplariam boa parte das comunidades, indo do Parque União até o Conjunto Esperança. O início das obras foi previsto para março de 2013, com prazo de 720 dias para a construção de seis elevatórias de pequeno porte. A obra seria de ligação domiciliar, com novas redes coletoras de esgoto.

Já na Edição nº 47, Wagner Victer prometera que as obras de esgotamento sanitário começariam em março de 2014. A obra traria benefícios para a Baía de Guanabara, ligando Marcílio Dias, Praia de Ramos e Roquete Pinto à Estação de Tratamento da Penha, e o restante da Maré à Estação da Alegria. Por fim, criaria um cinturão nas galerias para o fim do esgoto que cai clandestinamente nos canais.

Procurada, a CEDAE respondeu que na Maré, devido à ocupação desordenada do solo, é necessário readequar a rede. Para isso, a Companhia está finalizando ajustes no projeto que visa adaptar a rede existente e implantar novas redes para direcionar o esgoto da região à ETE Alegria.

Das palafitas ao asfalto, Seu Joaquim

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O paraibano chegou ao Rio em 1948 e acompanhou a construção da Maré

Felipe Rebouças em 05/05/2018, atualizado em 24/04/2021.

“Era ele que erguia casas, onde antes só havia chão .Como um pássaro sem asas, ele subia com as casas, que lhe brotavam da mão”.

Quando a maré cheia inquietava a todos, quando caranguejos e humanos dividiam o mesmo espaço, desde esse tempo Joaquim Severino da Silva, de 87 anos, faz parte da Maré. Aos 17 anos, em 1948, migrou de Mamanguape, cidade no interior da Paraíba, para o Rio de Janeiro, em busca de uma oportunidade de emprego na Construção Civil. Em sua terra natal, Joaquim deixou os avós que o criaram, um casal de irmãos e uma plantação de grãos.

Ao chegar ao Rio, em meados do século XX, encontrou um ambiente de desenvolvimento urbano, às vésperas da Copa de 1950. Também viu duas pistas recém-inauguradas, cortando as Zonas Norte e Oeste da cidade, a Avenida Brasil. Pela Avenida, Joaquim chegou à Maré e foi atrás de João Gordo, figura importante para os retirantes que chegavam. “Todo nordestino que vinha tinha seu endereço e procurava por ele”, contou Seu Joaquim.

O paraibano conseguiu emprego numa Construtora, em São Cristóvão; também colaborou na construção de palafitas: “quando a maré enchia, a gente tinha de se ajeitar para não se molhar muito”, relembrou. Mas depois de dois anos dormindo de forma improvisada, a saudade do Nordeste bateu e o aventureiro retornou a Mamanguape, próximo de completar 20 anos de idade, em 1950.

De volta ao aconchego

Na cidade de origem, Joaquim conheceu Luzia. No dia 19/02/1956 eles se casaram. Tiveram três filhos: duas meninas e um menino. Depois de uma década na calmaria, Joaquim decidiu retornar ao Sul. Em junho de 1961, 13 anos depois, retornou ao Rio de Janeiro, sem esposa e filhos, e se deparou com uma Maré que mudava rapidamente. Ele seguiu trabalhando como pedreiro em algumas regiões da cidade, mas nunca abandonou os serviços na Maré. As comunidades do Parque Maré, Morro do Timbau e Baixa do Sapateiro, ocupadas e instituídas durante a primeira passagem de Joaquim pelo Rio, já estavam consolidadas. Parque Rubens Vaz e Parque União eram novidades. E a extinção das palafitas era questão de tempo na medida em que os caminhões carregados de terra eram mobilizados pelos moradores da Avenida em direção ao mangue. “Começamos a aterrar e subir os barracos nas ruas Oito, Oliveira, Beira-Mar e Nova”, conta, entusiasmado.

Joaquim conseguiu dinheiro para alugar uma casa em Cordovil e comprar quatro passagens de Mamanguape para o Rio de Janeiro. Luzia e os filhos vieram se aventurar no Sul. O País passava por um período desenvolvimentista, caracterizado pelas grandes obras, que prometiam emprego e mais mobilidade nos centros urbanos, especialmente nas capitais do Sudeste. Diversas favelas do Rio sofreram remoções, deslocamentos forçados e um incêndio – até hoje não explicado. A favela da Catacumba, em 1967, foi devastada pelo fogo, onde hoje é um parque público.

Nesse contexto, Seu Joaquim e milhares de pessoas buscaram refúgio em núcleos populares de habitação, sobretudo aqueles em expansão, como era justamente o caso da Maré, na década de 1960. A população das favelas no Rio cresceu exponencialmente e a família de Seu Joaquim e Dona Luzia acompanhou todo o processo.

 De volta à Maré, pra ficar

Após passar alguns meses em Cordovil, a família mudou-se novamente para a Maré. O Distrito da Nova Holanda foi aterrado durante o Governo Carlos Lacerda, que conduziu um projeto de conjuntos habitacionais, entre os quais a Cidade de Deus, Vila Aliança, Vila Kennedy e Cidade Alta.

Na Maré, a família se mantém até hoje; ganhou mais sete filhos, que geraram 25 netos, 26 bisnetos e quatro tataranetos. Ao todo são 65 pessoas, além do casal, e 62 anos de casamento de Dona Luzia e Seu Joaquim. “A Nova Holanda é um canto bom de viver, aqui é muito tranquilo, ninguém perturba ninguém, ninguém rouba ninguém (..) Todos os meus filhos estudaram aqui e, graças a Deus, estão todos formados”.

A história de Seu Joaquim nos faz refletir sobre o Rio de Janeiro do século passado, em que estão as raízes dos problemas vividos hoje. Segundo ele, “analfabeto é quem não sabe o que aconteceu, o que está acontecendo e o que pode acontecer no futuro”.

Ao longo de todas as gestões, a política de urbanização e modernização sempre seguiu uma linha: tratar a parcela mais pobre da população como um problema que se deve varrer para debaixo do tapete. Hoje, Seu Joaquim trabalha num armazém, no 1º andar de sua casa, além de atuar como pastor, às terças, quintas e domingos, na Rua 7 de Março. Quando perguntado como conseguiu tudo o que tem na vida, ele responde com serenidade: “evite falar muito, fale pouco; evite querer enxergar tudo, enxergue o que é necessário; e ouça bastante”.

Seu Joaquim morreu aos 90 anos,em 24 de abril de 2021, em decorrência de complicações de uma pneumonia bacteriana.

Foto: Bira

De costas para a África

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Maré de Notícias #88 – maio de 2018

As dificuldades da Lei que resgata nossas raízes africanas na Escola

Jorge Melo

Dizem que, no Brasil, existem “leis que pegam e leis que não pegam”. E é, no mínimo, desconfortável reconhecer que, depois de 15 anos, Leis tão importantes quanto as de números 10.639 e 11.645 ainda não pegaram. A Lei, de 09/01/2003, inclui no currículo oficial da Rede de ensino pública e privada a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-brasileira”.  A Lei determina ainda que a História e a Cultura Afro-brasileira sejam ministradas no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística, Literatura e História. Em março de 2008, a Lei recebeu um acréscimo, tornando obrigatório também o ensino da Cultura Indígena (Lei nº 11.645).

Segundo Ana Paula Brandão, gerente de Mobilização e Produção do Canal Futura, “a Lei foi resultado de uma luta histórica do movimento negro”.  De acordo com Ana Paula, “há um aspecto fundamental nessa Lei, porque altera a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), incluindo nos currículos da Educação Básica a temática étnico-racial de forma transdisciplinar”.

Ana Paula coordenou A Cor da Cultura, um projeto educativo de valorização da cultura afro-brasileira, no Canal Futura e da Seppir – Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. O projeto teve início em 2004, um ano após a Lei, e produz audiovisuais e ações culturais valorizando o ponto de vista afirmativo.

De acordo com os números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, divulgados em dezembro de 2015 pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, os negros e pardos representavam 54% da população brasileira; no entanto, sua participação no grupo dos 10% mais pobres era muito maior: 75%. Por outro lado, a participação dos negros e pardos no grupo do 1% mais ricos não chegava a 18%. Como se vê, a desigualdade no Brasil, além de enorme, tem um forte componente racial.

A realidade nas escolas

Marcelo Belford é diretor do recém-inaugurado Colégio Professor João Borges de Moraes, na Maré. Ele elogia as Leis 10.639 e 11.645 e diz que elas são muito importantes. No entanto, considera que “não vieram precedidas de uma ampla discussão com os professores, para buscar formas de compreender os desafios da implantação de novas disciplinas e um trabalho com o professor, no sentido de prepará-lo para os novos desafios”.

Marcelo Belford diz ainda que inovações desse tipo precisam de formação, material didático, recursos e mesmo redistribuição da grade curricular. Mas conclui dizendo que “ainda há tempo para se rever a questão e fazer as correções necessárias”.

André Gomes é professor de História no Colégio Professor João Borges de Moraes, na Maré. Segundo ele, “a Lei não pegou”, porque ainda há dificuldade da própria sociedade brasileira de perceber a importância da África e do negro na formação do nosso País, “e se a gente não consegue fazer essas conexões fica difícil”.   André diz que nas aulas que dá, durante todo o ano letivo, sempre incluiu a questão negra e a importância dessa cultura, mas não pode considerar isso um programa, “é uma iniciativa pessoal”.

Mudanças visíveis

Segundo Ivanir dos Santos, interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, “a questão maior é que não temos como fiscalizar o cumprimento das leis nos espaços de formação públicos e privados do País. A implementação foi estabelecida, a questão de fundo é a aplicabilidade que ainda não acontece tal como previsto na Lei”.

Mas Ivanir é otimista: “é inegável que estamos tendo grandes avanços, como cadeiras docentes voltadas especificamente para História da África e História Afro-brasileira, o crescimento significativo de dissertações e teses voltadas para esse tema, livros e pesquisas publicadas e também um processo muito forte de enegrecimento da nossa juventude negra que, a cada dia, vem afirmando com maior veemência as suas raízes africanas, promovendo um fortíssimo processo de desbranquiçamento”.

Direitos para todos os Humanos

Maré de Notícias #88 – maio de 2018

O respeito à Lei não significa apoio à impunidade

Maria Morganti

 “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos”. Assim traz o 1º artigo de um dos documentos mais traduzidos da História –  cerca de 500 idiomas -, e que, em 2018, completa 70 anos: a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Essa Carta inclui ainda afirmações como “ninguém sofrerá intromissões arbitrárias no seu domicílio”.

 A Declaração nasceu três anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1948. Mais de 6 milhões de judeus foram assassinados em campos de concentração alemães. Segundo o historiador Luiz Antonio Simas, as nações estavam chocadas.

 A Organização das Nações Unidas (ONU), criada em 1945, estabeleceu regras para que todas as pessoas, em qualquer lugar do mundo, tivessem os direitos básicos garantidos. O Brasil assinou esta Declaração e cumpriu um papel tão importante que, até hoje, o presidente brasileiro é o primeiro a discursar nas suas Assembleias Gerais, que acontecem todos os anos, em dezembro.

 Direitos Humanos? 

Perguntamos a três pessoas da mesma família o que cada uma pensava sobre Direitos Humanos. “Direitos Humanos na minha cabeça… Não sei se é o certo, porque eu não entendo. É como se fosse direito de igualdade. Liberdade de expressão, né?!”, afirmou Lídia Araújo, 21 anos.

A Declaração inspira as leis que regem nações, no caso do Brasil, a Constituição Federal de 1988. Os cidadãos têm deveres e direitos, como os que a Lídia citou. E mais: políticos, como o direito ao voto. E sociais, que garantem, por exemplo, o direito à Segurança pública e à Educação.

Por isso, existem normas para a ação das Polícias e também da Justiça, como o habeas corpus, que impede que a prisão possa ser usada para pressionar o suspeito a uma confissão. Todos são inocentes até que se prove o contrário.

Mas a falta de conhecimento sobre os direitos do cidadão pode levar a percepções como as de Reinaldo Araújo, 18 anos, primo de Lídia. Ele diz que as regras dos direitos humanos são “muito usadas nas prisões de meliantes menores de idade, que furtam, roubam, fazem esse tipo de coisa.”

 Os Direitos Humanos no dia a dia 

Infelizmente, a opinião de Reinaldo não é um caso isolado: 73% dos cariocas acreditam que “o respeito aos direitos humanos atrapalha o combate ao crime”. Os dados são da pesquisa Olho por olho? – O que pensam os cariocas sobre ‘bandido bom é bandido morto’, realizada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, da Universidade Cândido Mendes, divulgada em março do ano passado.

 No entanto, o estudo, coordenado pela socióloga Julita Lemgruber, também revela que 60% dos entrevistados discordam da frase “bandido bom é bandido morto”.

O historiador Luiz Paulo Simas diz que essa ideia é resquício do período em que o Brasil viveu a ditadura militar, entre 1964 e 1985.   “Essa ideia de ‘bandido bom é bandido morto’, aqui, é muito vinculada ao período militar, quando existiam os esquadrões da morte”.

 Ao contrário do que muitos pensam, as entidades de Direitos Humanos não defendem a impunidade. Exigem que a Polícia cumpra a lei. E ao prender um suspeito, conduza-o a uma delegacia e cumpra os trâmites legais, a partir da apresentação de provas. Ou seja, siga as regras do Estado Democrático de Direito.

 O irmão mais velho de Lídia, Everton Araújo, 26 anos, foi o único que tinha conhecimento da existência da Declaração, “mas não sei o conteúdo, nem nunca parei para ler”. Na opinião dele, “todo cidadão tem direito a ter o básico para a sobrevivência, para ter responsabilidades, né?! Para ser culpado de alguma coisa ele precisa ter todos os direitos humanos que todas as pessoas devem ter”.

 Como já deve ter dado pra perceber, muitas regras que estão na Declaração não são respeitadas. Na Maré, por exemplo, são frequentes os relatos de residências invadidas durante as operações policiais, só para ficarmos num único exemplo.