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Estudantes da Maré sofrem com a violência

Maré de Notícias #88 – maio de 2018

Em 2017 foram menos 35 dias de aula por conta dos confrontos armados

Maria Morganti

Se o mesmo aproveitamento do ano letivo de 2017 se repetisse nas escolas da Maré, os estudantes teriam, ao longo dos 14 anos do Ciclo da Educação Básica, dois anos e meio a menos de escolarização que o estabelecido pelo Ministério da Educação. É o que revela o Segundo Boletim Direito à Segurança na Maré, realizado pela ONG Redes da Maré. De acordo com o Documento, foram 35 dias sem aulas, 17,5% a menos que os 200 dias letivos obrigatórios, por causa de confrontos armados e operações policiais.

Crianças sobressaltadas

Conforme dados da Secretaria Municipal de Educação, 8.466 estudantes ficaram sem aulas em dias como esses no ano passado. Gisele Alves, 26 anos, moradora da Rubens Vaz, é mãe de dois desses alunos, Gabriel e Rafaelly Santos, de 7 e 4 anos. Ela conta que, além do medo do tiroteio, fica tudo mais difícil: “fica difícil, porque trabalho e só posso contar com a minha mãe pra ficar com eles. E ela já tem uma filha especial para cuidar. Além de prejudicar o desempenho de cada aluno”.

Para a psicopedagoga Waldirene Araujo, a violência e o estado de tensão gerados pelos conflitos armados e operações policiais afetam até os dias em que as aulas acontecem normalmente. “Num ambiente como este, as crianças sentem-se sempre sobressaltadas. Aliás, toda a comunidade escolar sente-se alerta todo o tempo”.

Com a violência perdem todos

Uma professora de uma creche municipal da Maré, que pediu para ter a identidade preservada, diz que  “quando tem muitos confrontos seguidos, as pessoas comentam muito que sentem vontade de pedir transferência para fora”.

Em sala de aula também há muitos sinais da violência. “Todo dia tenho de pedir para não brincar de arma, porque eles brincam, sim. Mas a gente não pode dizer que é uma questão só do lugar onde eles moram. Tem programas de televisão e desenhos que envolvem essa questão também. Mas todo brinquedo que eles pegam, querem fazer uma arma para poder brincar de dar tiro”.

No fim do ano passado, o Colégio Santa Mônica que, desde 2002, ocupava uma Unidade no 2º andar da Paróquia Jesus de Nazaré, na Baixa do Sapateiro, fechou. Os diretores da escola, que tinha 220 alunos matriculados e empregava 20 funcionários, disseram à época que o motivo era “a situação de crise no País”. Porém, um ex-funcionário entrevistado pelo repórter Hélio Euclides, do Maré de Notícias, revelou que “a violência foi a gota d’água”.

No dia 6 de fevereiro, uma terça-feira, 40 unidades escolares fecharam as portas por causa de uma operação realizada pela Polícia, de manhã. Sem aula, Jeremias Moraes, de 13 anos, aluno do CIEP Hélio Smidt, na Rubens Vaz, foi jogar bola. Um tiro que partiu de um caveirão, que entrava na Nova Holanda, o atingiu pelas costas. Foi levado para o Hospital Souza Aguiar, mas chegou sem vida.

Nenhum a menos

Para diminuir o impactos das violações de direitos, foi criado em agosto de 2014 o projeto Nenhum a Menos, que atende a cerca de 50 crianças de 8 a 12 anos. Segundo Inês Cristina Di Mare, coordenadora do projeto, o objetivo principal da iniciativa é alcançar crianças que estão fora da escola, com dificuldades de frequentar as unidades ou que vão, mas não conseguem aprender. “Nós atendemos às famílias das crianças com a equipe social para entender o que está acontecendo ali. Muitas vezes, a Educação aparece quase por último na lista de problemas que a família tem para resolver”.

Inês fala, emocionada, sobre a transformação que o mundo do conhecimento traz para crianças que se alfabetizaram no projeto, que funciona na Biblioteca da Lona Cultural Hebert Vianna. “A gente está conseguindo perceber um certo impacto na qualidade da aprendizagem da leitura e da escrita dessas crianças. A gente já fez rap, funk, estamos gravando audiovisual, eles estão vibrando em experimentar as coisas. O que eles estão aprendendo está servindo para eles usarem na vida e na transformação desse território”, avalia.

O mundo na ponta dos pés

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Maré de Notícias #88 – maio de 2018

A Escola Livre de Dança da Maré conquista a França

Adriana Pavlova

Foi árdua a preparação para a aventura artística que uniu a Maré à França nos passos de dez alunos do Núcleo de Formação Continuada da Escola Livre de Dança da Maré, desde fevereiro. Primeiro, quase um mês de treinamentos diários no Centro de Artes da Maré-CAM, sob as ordens da francesa Isabelle Missal e da brasileira Amália Lima. Depois, mais três semanas de ensaios no Ramdam Centre d’Art, em Lyon, França, com as presenças das coreógrafas Maguy Marin (francesa) e Lia Rodrigues (brasileira). Tudo isso para a estreia do espetáculo-projeto De Ste Foy-lès-Lyon à Rio de Janeiro, May B à la Maré, une fraternité, remontagem com os jovens da Maré de May B, obra-prima de Maguy Marin, e até hoje peça-fetiche de programadores de dança de todo o mundo, com mais de 700 apresentações, desde 1981.

Rota francesa

A estreia em Lyon, no fim de março, deu início à turnê de May B à la Maré por seis cidades francesas, com apresentações até o começo de maio, incluindo cinco no Centquatre-Paris, onde o grupo também fez ensaios e aulas abertas ao público. Trata-se de um presente de Maguy para o projeto de formação idealizado por Lia Rodrigues e pela professora Silvia Soter, que faz parte da parceria da Companhia de Dança da coreógrafa brasileira com a Redes de Desenvolvimento da Maré.

Maguy cedeu os direitos desta montagem de May B e ainda deu figurinos completos ao projeto brasileiro, que conta com os dez alunos do grupo avançado de formação e mais cinco escolhidos numa audição no ano passado – tudo funcionando sem financiamento brasileiro, atualmente. A Fundação francesa Hermès é apoiadora desde o início do projeto.

“Em tempos em que em todos os lugares do mundo são construídos mais muros, propomos um movimento inverso, descobrindo novas possiblidades de trocas e colaborações”, diz Lia Rodrigues que, no final das três apresentações em Lyon, falou ao público sobre o projeto na Maré e a parceria com a Redes.

May B é uma obra em que dez personagens esquisitos (tem gorda, velha, gente torta, todos com as faces brancas de argila e roupas imundas), inspirados no Teatro do Absurdo de Samuel Beckett, parecem buscar sentidos para o mundo. É tudo coreografado do começo ao fim, com atuação teatral dos intérpretes, algumas falas em francês, gritos, caretas, ao som de uma trilha lírica.

Profissionalismo e solidariedade

Em 1981, dançando no grupo de Maguy, Lia ajudou a conceber May B. Agora, nesta nova montagem, seu papel coube a Luciana Barros, moradora da Maré e integrante do Núcleo de Formação desde 2012. Atraída para a Escola Livre de Dança depois de ter dançado no grupo amador da Igreja Batista do Parque União, hoje, Luciana, assim como todos os seus outros nove colegas de cena, vivem e pensam a dança de forma profissional.

“Tivemos uma aula, no início do projeto, em que a professora falou sobre a Maguy e saí pesquisando esta dança mais teatral. Hoje parece um sonho estar aqui ao lado dela, ensaiando”, conta Luciana

Depois da viagem à França, o grupo está muito mais unido: “ficar tanto tempo juntos trouxe um sentimento ainda mais forte de coletividade. Teve um dia, nos ensaios na França, que esqueci minha comida, e todos deram um pouco do que tinham levado, porque não daria tempo de sair e comprar algo”, conta Luyd Carvalho, 21 anos.

May B, une fraternité não tem data certa para ser apresentada no Brasil, mas, pelo que Lia Rodrigues planeja, deve chegar no Centro de Artes da Maré em 2019.

Muito suor e histórias

O Núcleo de Formação Continuada da Escola Livre de Dança da Maré já tem muita história em seis anos de trabalho. Depois que começaram a fazer aulas no CAM, todos os dez veteranos foram aprovados também nos cursos de Bacharelado ou Licenciatura em Dança da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). As aulas e ensaios na Maré acontecem de segunda a sexta-feira, com quatro horas de atividades diárias, incluindo balé clássico e dança contemporânea. Já houve a criação de coreografias (Exercício M, de Movimento e de Maré em 2013 e Exercício P, de Pororoca e Piracema em 2017), e uma imersão com a Companhia de Lia Rodrigues, para a concepção de Para que o céu não caia, peça de 2016, da coreógrafa, além de aulas de teoria e história da dança e discussões sobre gênero e sexualidade.

Outra marca é terem feito aulas com grandes nomes da cena contemporânea da dança no CAM, como a belga Anne Teresa de Keesmaeker, a portuguesa Vera Mantero e toda uma bela seleção de coreógrafos e bailarinos brasileiros. O grupo participou ainda de intercâmbios na França e na Suíça.

A dura realidade do Futebol

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Maré de Notícias #88 – maio de 2018

Milhares de jovens se arriscam nos gramados, mas poucos conseguem sucesso

Hélio Euclides

– “Amor, ele está chutando”.

– “Esse meu filho vai ser jogador de futebol”!

Esse é um diálogo muito comum entre as grávidas e seus companheiros. Ainda na barriga, o bebê do sexo masculino já tem de lidar com a expectativa dos pais de entrar no mercado do futebol, ficar milionário e virar celebridade internacional, afinal o Brasil é o “país do futebol”. Contudo, a realidade mostra que, para a maioria, ser um jogador de futebol não é um “mar de rosas”. O desejo de ter fama e muito dinheiro é pura ilusão. Num universo de 28 mil jogadores profissionais do País, 23.238, equivalentes a 82,40%, recebem apenas R$ 1.000,00, segundo dados da Confederação Brasileira de Futebol.

Nivaldo João da Silva, o Godoy, de 55 anos, é um exemplo das dificuldades do futebol.

Atletas do Clube Real Maré batem bola na Vila Olímpica. Ao todo, são 60 jovens que sonham com o futebol profissional | Foto: Elisângela Leite

Começou a jogar na Portuguesa, com 14 anos, no infantil, em 1977. Aos 17 anos foi para o juvenil do Olaria, onde ficou por quatro anos. Depois foi para o Mesquita, por empréstimo, onde chegou a ser campeão. E não parou por aí, com passagem pelo Rubro, Araruama, Vila Nova de Goiás e Rio Branco do Espírito Santo. “Aos 24 anos perdi a paciência, cansei dos empréstimos do Olaria, que eram sempre de seis meses. Não quis saber de jogar futebol, só cuidar da minha filha, que na época tinha dois anos”. Godoy conta que depois do prematuro encerramento de carreira, virou comerciante na Praia de Ramos e atuou em dois projetos de escolinhas. “O que ganhei foi amizade, como Ailton (Flamengo) e Gonçalves (Botafogo). Cheguei a jogar com eles no início de carreira; tiveram mais sorte. Entendo que é preciso acreditar no sonho de ser jogador profissional. Mas é necessário preparar o garoto para saber que, numa peneira, em que existem 100 meninos, vão ser aprovados um ou dois. Ele precisa ter talento, mas saber que o futebol é competitivo e complicado”.

Ele adverte que é preciso ter dinheiro no início da carreira, para transporte e alimentação. Outra dificuldade que relata são os contratos de curto prazo, em clubes pequenos, com salários baixos. “É difícil e sacrificante chegar a jogar num clube de 1ª divisão. Hoje tem jogador sem emprego, que o sindicato mantém e indica para um clube. O ideal é o menino estudar, não só para ter uma profissão, mas para ser um bom cidadão, antes de ser um bom profissional”, adverte o ex-jogador que concluiu o Ensino Médio.

O vaivém nos clubes

No passado, era comum encontrar jogadores que passavam a vida toda em um mesmo clube. Hoje isso é quase impossível. Leo Oliveira, 35 anos, começou a mostrar seu talento aos nove anos, numa escolinha na Nova Holanda. Depois foi para o São Cristóvão, em 1999. Mesmo clube no qual começou Ronaldo Fenômeno. Saiu do Estado e foi jogar no Veranópolis, do Rio Grande do Sul. Depois seguiu para o Leopoldina, de Minas Gerais, e retornou ao Veranópolis. Em 2002, se tornou profissional, no Tupã, de São Paulo, jogou a Copa São Paulo de Juniores e partiu para o Marília, também de São Paulo.

Leo voltou para o Rio de Janeiro, jogou no Nova Iguaçu e, em 2006, chegou ao Flamengo, mas não conseguiu se firmar. Em seguida foi para o Gama, do Distrito Federal. Regressou ao Rio para jogar na Portuguesa, Mesquita e Madureira. Retornou para Brasília, onde defendeu o Brasiliense. Nesse vaivém, circulou ainda pelo Duque de Caxias, América, Bonsucesso, Volta Redonda e Olaria. Em 2015, foi para o Espírito Santo e jogou em dois clubes, Rio Branco e Real Nordeste. No ano passado jogou no Americano, de Campos, e no Peñarol, do Amazonas. Este ano está sem clube.

“Esse vaivém me prejudicou, tive de parar os estudos na 7ª série, agora penso em terminar. O futebol sempre foi injusto, você pode jogar bem, mas precisa de empresários para valorizá-lo no mercado. É preciso ter vontade, pois tem coisa que desanima, já que o empresário influencia para ajudar, mas também para te tirar de clube. O empresário rouba o sonho das crianças, ele visa só o dinheiro”, denuncia Leo. Em palestras que realiza, ressalta que o garoto precisa estudar para não depender só do futebol para sobreviver.

Para ele, a família precisa incentivar o garoto a estudar, pois a carreira é curta, já que, além da idade, o jogador tem de lidar com as lesões. “O problema é que hoje o menino quer ser milionário, e não apenas ganhar um dinheirinho. No meu caso, valeu a pena investir no sonho, pois consegui ser um jogador profissional e ter uma casa própria”.

O Futebol na Maré

O Real Maré é um dos quatro clubes do conjunto de favelas. Ele disputa competições, como o Torneio Seletivo da Copa Rio e o Carioca Amador da Capital. O clube tem mais de 60 atletas, sendo sete do Maranhão. Um deles é Gabriel Oliveira, 17 anos, que está na cidade há quatro meses. “No Nordeste é difícil demais, não tem tantos clubes. Resolvi vir buscar o meu sonho, na esperança de conseguir o objetivo. Mas não parei de estudar, estou no 2º ano do Ensino Médio. Caso não consiga nada no futebol, pretendo fazer faculdade de Educação Física e conseguir um emprego num clube como preparador físico”, relata.

Para Cecílio Marques, 29 anos, treinador do clube, cada um precisa matar dois leões por dia. “No mundo do futebol dificilmente todos vão virar profissionais. Acredito que chegue a 10%; o que distancia são as dificuldades com transporte e patrocínio, que deixam o atleta sem o conforto necessário”.  Ele entende que cada um tem o objetivo de ser visto por clubes maiores, mas não é fácil.

Sidnei Alves, 55 anos, presidente do Real Maré, diz que são 20 anos de luta. “Falta financiamento; fomos convidados para ir a Minas Gerais e Argentina, mas faltou dinheiro para as passagens. O futebol é complexo, acham que ganho dinheiro aqui, não sabem que tem dia de dificuldade para comprar o pão. Algumas mães chegam aqui com contratos de empresários que desejam tirar tudo do aluno. Ele quer ganhar dinheiro em cima do atleta, são enrolões”, adverte.

Outro que realiza este tipo de trabalho na favela é Alexandre Pichetti, 40 anos, sendo 25 anos dedicados ao futebol, como árbitro e treinador. Ele acredita que antes era mais fácil virar profissional; hoje, o aluno bate num clube e volta para fora, em pouco tempo. “Hoje, sem empresários, os atletas no clube são meros alunos. O que falo pra eles, primeiro, é estudar, pois se não for jogador, vai ter outra profissão. Essa popularidade dos craques subiu à cabeça da garotada. Eles pensam em ser o novo Neymar, Messi ou Cristiano Ronaldo. Querem jogar com as chuteiras desses jogadores famosos, mas a condição financeira não dá, ou compram ou comem. Ensino que a chuteira não faz o jogador, melhor aprender quando criança, porque quando for adolescente, o tombo é maior”, afirma.

Para ser jogador é necessária ajuda financeira, são muitos gastos. O atleta só consegue receber do clube quando se profissionaliza. “Na infância, eu

A garotada da escolinha Amigos Unidos em treino no Campo da Toca | Foto: Elisângela Leite

sonhava em ser goleiro, mas meus pais não deixavam, e tinha de trabalhar. Não tinha apoio, então pulava o muro da Estação para pegar o trem com destino a Nova Iguaçu. Um dia cansei e parti para a arbitragem, na Maré”, lembra Pichetti.

As dificuldades da carreira já foram percebidas por Alexandre Quirino, 18 anos, preparador de goleiros da Escolinha Amigos Unidos e goleiro do Clube da Vila do João. Como goleiro, ele não está achando trabalho, então segue o mesmo destino do mestre e já procura a arbitragem como outro caminho profissional.

André de Souza, 47 anos, é pai de trigêmeos, todos na escolinha, e não foge de dar conselhos a eles. “Apoio no dia a dia deles, e não esqueço de lembrar que o estudo é o foco, pois se não for dessa área, tem de ter uma profissão”.

A Federação de Futebol do Rio de Janeiro informou que, em todas as categorias no ano de 2017, 48% dos atletas receberam entre um e dois salários mínimos. Ou seja, entre R$ 954,00 e R$ 1.908,00. Para Mauricio Murad, sociólogo e pesquisador, o futebol só é igual à riqueza, fama e idolatria para pouquíssimos atletas: “a maioria luta, luta e o resultado é muito pequeno, quando não fica bem próximo do declínio e da depressão. Poucos ganham muito e muitos ganham pouco, como em geral no País. O futebol acaba refletindo os problemas da vida social no Brasil”.

O Concreto é rosa, mano!

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Maré de Notícias #88 – maio de 2018

As mulheres estão conquistando o mercado da Construção Civil

Maria Morganti

Uma avalanche feminina. A presença das mulheres no mercado de trabalho formal alcançou 44% das vagas, segundo dados do Cadastro Geral de Emprego e Desemprego (Caged), de 2016. No entanto, essa presença é mais tímida em áreas como a da Construção Civil. Pelos dados do Ministério do Trabalho e Emprego, em 2009 o setor registrou um aumento de 32,65% nas contratações e 7,78% eram mulheres. No entanto, esse quadro está em fase de transformação acelerada. Entre 2007 e 2009, o número de mulheres contratadas nas empresas da Construção cresceu 44,5%. No estado do Rio de Janeiro, a Lei 7.875/201, aprovada em março deste ano, prevê qa reserva de 5% das vagas de emprego em obras públicas para mulheres.

Para Geisa Garibaldi, 33 anos, fundadora do projeto Concreto Rosa, que oferece serviços de construção, reforma residencial, pintura, hidráulica e elétrica, feitos por mulheres, desde 2015, esses números significam apenas o reconhecimento de um processo que já acontecia. “Nós, mulheres, influenciamos 80% de uma obra, porque é a gente quem decide, no dia a dia, desde a cor do quarto do bebê, até onde é que vai ficar a cortina, a janela, o piso. Ou seja, a gente só não metia a mão na massa. Só que o mercado não reconhece que a mulher tem essa influência, e ele ainda foca muito na coisa do homem, da masculinidade”.

O que diz a História

A historiadora Mary Del Priory explica que “a Construção Civil sempre foi associada à força masculina. No Brasil, principalmente a partir dos anos 1960 e 1970, com o marco da construção de Brasília, foi o momento que a televisão chegava aqui e começaram a se propagar as imagens de homens construindo e trabalhando. E tudo isso, tendo origem na Medicina da Antiguidade, que afirmava que a mulher era ‘um homem inferiorizado’, e que elas tinham ‘ossos mais moles’, ‘músculos rompidos’. Por isso que a introdução da presença de mulheres nesse meio é revolucionária”, afirma.

A construção de Brasília, no Planalto Central Brasileiro, foi uma das promessas de campanha de Juscelino Kubitschek. A nova capital foi construída em apenas quatro anos. E reuniu, segundo cálculos e projeções (não existem números exatos) cerca de 60 mil trabalhadores, vindos de todas as partes do Brasil, principalmente do Nordeste. Naquela época, a TV começava a se consolidar no País. E o governo,  querendo popularizar a nova Capital que sofria muitas críticas, facilitava as reportagens especiais sobre o desafio de criar uma cidade moderna no meio do cerrado. As imagens eram impactantes. Na época, apesar do crescimento da Televisão, o Cinema, com suas chanchadas, era o lazer preferido dos brasileiros. E entre as sessões eram exibidos os cinejornais do Governo Federal, que mostravam, exaustivamente, com imagens deslumbrantes e edições primorosas, todas as fases da construção da nova Capital. A imagem dos candangos, pioneiros que trabalhavam na Construção Civil e que levantaram uma cidade em tão pouco tempo, se transformaram em símbolos de Brasília.

Trabalho, confraternização e ritual

No caso de Geisa Garibaldi, a pioneira do ofício e inspiração para ela foi a mãe, Anita Garibaldi, falecida há poucos anos. Dona Anita chegou a construir um barraco de madeira com a ajuda dos filhos e estabeleceu como ritual de fim de ano a pintura da casa, com a ajuda de todos os seis irmãos de Geisa.

“Ela era uma mulher que metia a mão e fazia tudo. Eu me lembro sempre dela levantando alicerce, puxando tomada, carregando cimento, tijolo. Ela trouxe a gente para a realidade. Ela sempre teve a preocupação de manter as coisas funcionando. Foi com ela que eu aprendi esse tanto, muito pela questão da sobrevivência. Quando você não tem o que fazer, você não tem para onde correr, tem de meter a mão. A gente pintava a casa todo ano, era sagrado, era o momento de confraternização; na época, a gente fazia com cal, porque a tinta era muito cara. Todo mundo pintava,  eu, os meus sobrinhos, a casa ficava linda no início do ano, era um ritual e eu achava isso muito bonito. A minha construção foi toda a partir daí. Mas mesmo assim eu nunca tinha visto a possibilidade de trabalhar com obra”.

Geisa  conta que sempre fazia reparos para os amigos, consertava descarga, fazia consertos gerais, levantava lajes, mas nunca achou que aquele podia ser seu trabalho e fonte de renda. “Eu trabalhei em tudo quanto era coisa, já vendi esfiha na praia, calcinha, já fiz teatro, três peças, fui recepcionista, vendedora, um monte de coisas. Mas não me enquadrava em nada, achava tudo vazio”.

Nasce a Concreto Rosa

A grande virada do amadorismo, da realização dos bicos para a profissionalização, que resultou na criação da Concreto Rosa, aconteceu em meio a uma crise existencial. Geisa  queria dar uma guinada na vida. Foi então que, num grupo de mulheres da rede social WhatsApp, viu um anúncio de vagas abertas para um curso de pedreira só para mulheres. Era o projeto Mão na Massa, idealizado pela engenheira Deise Gravina. “Eu pensei: eu sei fazer tudo isso, só preciso do certificado. Vou me inscrever, me formar, trabalhar e comprar uma moto”, relembra, às gargalhadas.

Quem vê Geisa, hoje, em plena fase de crescimento da Concreto Rosa, não pode imaginar as dificuldades que enfrentou. No Curso, eram mais de 400 inscritas para 70 vagas. A empresária não passou no teste de primeira, mas ligou quatro dias consecutivos, até que houve uma desistência e ela foi incluída no grupo de estudantes.

O primeiro dia do Curso foi o mais difícil. A jovem catou moedas para completar o valor da passagem. Para seu alívio, nos dias seguintes isso não foi necessário. O Curso fornecia as passagens e as primeiras ferramentas. A vontade de trabalhar em uma empresa foi ficando  para trás, aos poucos, quando Geisa percebeu que poderia unir o seu trabalho à militância no Feminismo, que já exercia há alguns anos. Assim nasceu a Concreto Rosa, que já tem quatro funcionárias. O nome foi decidido com a ajuda da namorada e do melhor amigo. O volume de trabalho obrigou Geisa a formalizar o negócio como uma microempreendedora individual e até a fazer um curso para especialização na área, “para aprender a gerir um negócio”, como conta.

Tatiana Cristina, uma das profissionais que prestam serviços para a Concreto Rosa, conheceu Geisa num curso de hidráulica. “Conversávamos sempre sobre a intenção de abrir nossa própria firma. Quando ela iniciou, eu ainda estava trabalhando em outra empresa, como encarregada. No término da obra, me juntei a ela. Hoje estamos aí, na correria”.

A luta contra o machismo

Apesar de já existirem diversos coletivos como a Concreto Rosa, no Rio, como o Ela Repara, além de outras iniciativas no Brasil inteiro, que integram o projeto Se Vira, Mulher, a SOS Gurias, no Rio Grande do Sul, e o Entre Minas, na Bahia, Geisa lembra que ainda é preciso encarar manifestações machistas no dia a dia: “eu fui comprar um martelo, aí o vendedor disse, ‘esse é mais pesado, é pra homem’. Aí eu disse que trabalhava com obra, que precisava usar um martelo maior, melhor. Eles têm uma tendência de achar que sabem o que é melhor pra você. Isso é unânime. Raramente eles têm a humildade de tentar ver o outro lado”.

Mas nada que desanime Geisa, que está trabalhando para a Concreto Rosa se transformar em microempresa e tornar-se um negócio marcado pela diversidade, com mão de obra de mulheres transexuais, inclusive. Ela planeja fazer também uma parceria com a escola que a formou, a Mão na Massa que,  atualmente, está parada por falta de financiamento, para capacitar outras meninas.

Geisa Garibaldi fundou a Concreto Rosa há três anos e se inspirou na mãe, que botava a mão na massa | Foto: Elisângela Leite

Light e Maré: discutindo a (difícil) relação

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Maré de Notícias #88 – maio de 2018

Moradores reclamam de falhas no atendimento

Hélio Euclides

Desde o tempo das cabines de luz, na Baixa do Sapateiro, até os dias de hoje, com a distribuição individual, por meio de medidor, muita coisa mudou. Mas os problemas continuam; só que agora são outros, como a demora no atendimento da Light, Empresa responsável pela distribuição de energia elétrica na cidade do Rio de Janeiro e outros municípios. Um exemplo foi a falta de energia causada pela chuva de 14 de fevereiro. Alguns bairros foram atendidos na manhã seguinte, mas a Maré ficou 48 horas às escuras.

“A obrigação da Light era atender igualmente a todos os cariocas, mas não faz. Os últimos acontecimentos mostram isso, em fevereiro foi um descaso de dois dias! Depois ficamos três dias sem luz, em março, com um cabo no chão, trazendo riscos. E em abril foram mais três dias. Ao ligar, não queremos promessas e, sim, o conserto. Se há medo de entrar, que tenham um contato direto com o morador. O serviço oferecido precisa levar em conta que há inúmeras casas de quatro andares que utilizam bomba hidráulica e ar condicionado”, relata Renan Santos, morador da Via C2, próximo ao Parque Ecológico, na Vila do Pinheiro.

O valor das contas e do serviço

Na Maré, o serviço de manutenção é realizado pela empresa terceirizada Medral. Esse serviço é criticado pelo eletricista Severino Batista: “o atendimento aqui na Maré não é bom, é preciso ter cabos diretos, sem emendas. Por outro lado, os fios que levam energia às casas precisam de conectores, mas alguns eletricistas da comunidade ainda fazem sem o devido equipamento”. Para Cláudia Santana, presidente da Associação de Moradores do Parque Ecológico, a falta de energia é causada pelas redes antigas e danificadas. “Acho que falta investimento, em especial aqui na favela. Somos sempre informados que falta cabo novo para a Maré”.

Cláudia aponta outra dificuldade, que é a quitação da conta. “Uma problemática é o não pagamento das contas; falta uma conscientização da Empresa, para a criação de uma taxa fixa. Outro agravante são os gatos que, mal feitos, sem os conectores, deixam os cabos danificados”. A questão dos gatos é antiga e polêmica. “Há 17 anos, a Empresa pegou um gato na minha instalação elétrica. Recebi uma multa. Se a concessionária conhecesse a comunidade, iria ver que muitos não têm relógio ou fazem gatos por causa do valor alto das contas”, argumenta Ismael Martins, morador de Marcílio Dias.

Valtemir Messias, o Índio, presidente da Associação de Moradores da Vila do João, também vê

Moradores reclamam de transformador que vaza óleo na comunidade Rubens Vaz | Foto: Elisângela Leite

outros problemas no serviço prestado e faz sugestões para a melhoria do atendimento: “aqui há cabos de baixa tensão, postes e transformadores para trocar. Sobre a reclamação pela demora no atendimento, a nossa comunidade já teve uma ação pública que dava prazo de 12 horas. Acho que hoje deve ser feita uma ação coletiva para toda a Maré”.

 

No Conjunto Esperança, as chuvas de 14 de fevereiro ainda causam problemas. “Precisamos de poda de árvores, que após as chuvas de fevereiro encostaram nos cabos e causam problemas”, reclama Pedro dos Santos, presidente da Associação de Moradores.

Anizete Guilherme, da Rua Massaranduba, no Rubens Vaz, diz que já não dorme tranquila. “Pago mais de 100 reais de luz, não tenho gato. Não aceito que tenha um transformador na minha porta que vaza óleo. Já liguei mais de dez vezes para a Light, e ela não faz nada. Quando vaza, sai fumaça, e isso pode causar um incêndio, tenho medo que exploda”.

Os postes de madeira

Jupira dos Santos, presidente da Associação de Moradores de Marcílio Dias, acredita ainda ter 30 postes de madeira na sua comunidade. “Desses, quatro estão podres, têm caráter emergencial para a troca, senão vão cair na casa de morador”, avalia. A realidade, segundo os moradores é que os poste de madeira são antieconômicos “Para substituir os postes de madeira, ficamos sem energia um “tempão”, um transtorno. Já foram trocados três vezes. Quando chove a rua inunda, a água chega ao poste e com o tempo fica podre”, explica José Helvécio, da Rua José Sarney, em Marcílio Dias.

Um dos postes se encontra torto, relatam moradores de Marcílio Dias. “A situação é horrível, já trocaram o poste de madeira, mas sempre fica torto, não sei como não caiu. Os fios estão pendurados. Nos temporais, fico com medo. Quando vai aparecer alguém para trocar?”, pergunta Sergio Noronha, da Rua José Sarney. Já Reinaldo Almeida, também morador da Rua José Sarney, avalia o trabalho da Light: “quando falta luz, até que a Empresa atende rápido, acredito que seja por causa do Mercado São Sebastião. Mas na questão dos postes de madeira tenho medo que caiam em cima da gente, ou dos carros que passam”. Ramos Pereira, da Rua Dalva de Oliveira, em Marcílio Dias, tem um poste em frente de casa. “Esses postes se tornaram um perigo para as crianças. Fico com a mente pesada de preocupação. O ideal é um poste de concreto”.

Para Vilmar Gomes, o Magá, presidente da Associação de Moradores de Rubens Vaz, há a necessidade de troca de cabos na Rua Massaranduba e Rua do Canal. Mas ele também vive o dilema dos postes: “ainda são de madeiras, defasados e podres, e outros de concreto precisam também ser trocados”. Isso ocorre na Rua João Araújo também. “Esses postes de madeira são quase da inauguração da favela, do tempo do ronca”, lembra Armando Luiz, morador da mesma Rua.

As explicações da concessionária

A Assessoria de Imprensa da Light informou que o fornecimento de energia na Maré é diretamente prejudicado pelas ligações clandestinas na comunidade, que sobrecarregam os equipamentos e, consequentemente, causam a queima de transformadores e cabos. Completa que a Light atua no combate ao furto de energia, e que a perda na Maré está em 79,27%. Especificamente na Maré, a Empresa vem investindo na robustez da rede elétrica, que atende aos clientes da Companhia na região, para diminuir as ocorrências.

A Assessoria de Imprensa da Light ressalta ainda que, devido às condições de segurança, muitas vezes a Light não consegue atuar na comunidade, tanto para realizar serviços de campo, como para desenvolver projetos de eficiência energética. E que a Empresa mantém um programa de manutenção em toda a sua área de concessão. Sobre o atendimento, informa que atualmente quase todos os serviços podem ser pedidos ­on-line, pela Agência Virtual (www.agenciavirtual.light.com.br), sendo necessária a presença do cliente nas lojas da Light apenas para alguns serviços, como pedidos de ligação nova e alteração de carga.

O atendimento virtual também pode ser acessado pelos seguintes canais: Redes Sociais – @lightclientes e facebook.com/lightclientes; Disque-Light Comercial: 0800 282 0120; Disque-Light Emergência: 0800 021 0196; SMS: para informar falta de energia, envie apenas o seu código da instalação por SMS para 54448 ou pelo Twitter, enviando por DM (mensagem direta) “#luz código da instalação”.

Um passado de problemas

Atanásio Amorim, alfaiate, recorda do tempo que foi presidente da Associação da Baixa do Sapateiro, no final dos anos 1960. Na época, a energia era fornecida por cabines de luz, cada uma gerenciada por um morador. “Tinha a do Pedro Torres, do Cícero Humanitário, e do Celso Carvalho. Essa última era muito boa, já a do Cícero era fraca”, relembra.

“Celso deixou a dele com os outros para tomar conta e apareceram extensões, que não pagavam, e a Light cortou. Formamos uma comissão, e fomos até o Celso. Ele nos entregou a rede. Descobrimos que, de um total de 80 usuários, 25 eram gatos. Pagamos a dívida e transformamos em cabine Santa Luzia”. Com o ato, Atanásio participou da comissão de luz por três anos. “Com o tempo, a comissão municipal ficou com as cabines, e queriam a nossa, não demos”, comenta.

Para resolver a situação, ele foi à Secretaria Municipal de Energia e descobriu que existia uma ordem de prisão por rebeldia. “Expliquei que existiam 53 associados da cabine e que tínhamos pago 1.500 cruzeiros. Lá, fiquei sabendo que o senhor Celso não podia vender. Falei que só entregava se nos indenizássemos. Aceitaram e veio a indenização e a carta de prisão foi-me entregue para guardar de recordação”.

Vários postes apresentam risco de cair na Rubens Vaz | Foto: Elisângela Leite

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Maré de Notícias #88 – maio de 2018