Boletim “De Olho no Corona” destaca dificuldades de internação dos moradores da Maré

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Mapeamento realizado calcula aumento de 162% nos casos confirmados em uma semana

Desde meados de março, quando a pandemia do coronavírus foi identificada pela Organização Mundial de Saúde e os primeiros casos chegaram ao Brasil, as autoridades médicas nacionais destacavam a incapacidade do sistema público atender a demanda de uma pandemia no país. Isso de fato vem acontecendo, e as favelas e periferias, com a população dependendo quase em sua totalidade do SUS, é a mais impactada. 

Segundo a Fiocruz, o país tem 45,8 mil leitos de UTI, sendo 22,8 mil no SUS e 23 mil na rede particular. Quando se considera a quantidade de pessoas que têm acesso à rede privada e a quantidade que depende exclusivamente da rede pública, chega-se à percepção de que “um brasileiro com plano de saúde tem mais do que o triplo de chances de ter acesso a uma UTI do que os outros cerca de 77% da população que dependem exclusivamente do SUS”, é uma das análises do 2° Boletim “De Olho no Corona!”.

Foram 208 possíveis casos que chegaram ao banco da equipe da Redes da Maré. Destes, 164 casos foram registrados e acolhidos pela equipe responsável pela produção do boletim. Dessas 164 pessoas, 47 precisaram de internação, representando 29% do total de casos. Entre essas que foram internadas, 22 vieram a óbito (47%). Um outro ponto que chama a atenção nas análises das assistentes sociais envolvidas na produção dos dados é a recomendação da procura de unidades de saúde apenas em casos de sintomas graves ou muito graves. Pelo menos um dos moradores da Maré perdeu a vida em menos de 24 horas após a chegada à unidade de saúde. Há registro de óbito em 12 das 16 favelas que compõem o conjunto de favelas da Maré, um aumento de 162% no total de casos confirmados e de 168% no de casos suspeitos. Os dados são referentes a semana de 4 a 10 de maio.

A subnotificação georreferenciada 

O Maré de Notícias vem acompanhando o número de casos confirmados nos dois bairros vizinhos da Maré, Bonsucesso e Ramos. De acordo com os dados do boletim, Bonsucesso, que tem 22 óbitos registrados, tem a maior taxa de mortalidade da cidade, enquanto Copacabana, que apresenta o maior número de óbitos da cidade, 88, possui a 7ª maior taxa de mortalidade. 

Enquanto a taxa de letalidade analisa o número absoluto de óbitos do bairro em relação ao número geral de mortes, a taxa de mortalidade analisa o número de óbitos proporcionalmente ao número de habitantes daquele bairro. De acordo com o Censo 2010 do IBGE, Bonsucesso possui uma população de 18.711 pessoas e em Copacabana residem 146.392. Dessa forma, no dia 14 de maio, Bonsucesso possuía 118 óbitos por 100 mil habitantes e Copacabana apresentava 60 óbitos por cada 100 mil habitantes. Mesmo com Copacabana possuindo o maior número de casos de pessoas que vieram a óbito, é em Bonsucesso que morrem mais pessoas em relação ao número de moradores.

Outro destaque importante é que nas favelas com grande população, como Rocinha e Maré, apresentam baixas taxas de mortalidade. Ainda segundo o boletim, no dia 14 de maio, a Rocinha, com 69.356 moradores, tem 33 óbitos por 100 mil habitantes, e está na 34ª posição deste ranking. A Maré com 129.770 moradores (os moradores de Marcílio Dias estão incluídos no número populacional da Penha) aparece na 139ª posição, com seis óbitos confirmados por 100.000 habitantes. 

Considerando as questões que são comuns a outras favelas da cidade, como aglomerações nas ruas, quantidade de pessoas que residem em pequenas casas, com saneamento básico precário e escassez no acesso a materiais de limpeza, nota-se uma grande diferença entre os casos da Maré e outras favelas da cidade, de acordo com os dados divulgados pelas secretarias de saúde. 

Elementos que favorecem essa subnotificação é o fato do status administrativo da região ser ignorado em comprovantes de residência e cadastros de órgãos oficiais, de acordo com o boletim De Olho no Corona. Desta forma, moradores e concessionárias de serviços públicos acabam não considerando a Maré como bairro, subnotificando os casos do território e, possivelmente, aumentando o número de bairros vizinhos, conforme falamos na matéria Subnotificação de casos: a Maré é bairro! disponível no Maré Online.

A crise de acesso atinge toda a cidade

A cidade do Rio de Janeiro têm três hospitais de campanha. O primeiro foi inaugurado em 25 de abril de 2020, no Leblon, com 160 leitos (e com a promessa de abertura de mais 40). O segundo, localizado no Riocentro, foi entregue dia 1º de maio, com 100 dos 500 leitos prometidos. O terceiro, no Maracanã, começou a receber pacientes no sábado, 09 de maio, tendo 170 leitos, dos quais 50 são de unidade de terapia intensiva (UTI). No entanto, essas iniciativas ainda não conseguem responder à gravidade da crise. No dia 6 de maio, o Rio já tinha 1,1 mil pacientes aguardando leitos. Nesta quinta (14), o Painel Rio Covid-19 informa que são 1.549 pacientes hospitalizados na rede do SUS na cidade do Rio, com 497 pessoas em leitos de UTI, e ainda 614 pacientes na rede municipal, com 159 em leitos de terapia intensiva.

O boletim “De Olho no Corona”, produzido pela equipe social da Redes da Maré, em articulação com pessoas e organizações locais, é um dos resultados da Campanha “Maré diz NÃO ao Coronavírus”. Um dos objetivos da publicação é apontar caminhos possíveis para o enfrentamento da pandemia na Maré, com foco na garantia da assistência para as famílias em situação de maior vulnerabilidade que estão desassistidas neste momento. Além disso, pensar em uma estrutura permanente de saúde pública em seus diversos níveis para o território. O boletim completo está disponível no site da Redes da Maré. 

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