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Colapso do agora: covid-19 avança na cidade do Rio e sistema de saúde pode parar

Foto: AFP


Por Hélio Euclides em 19/03/2021 às 18h22 , editado por Daniele Moura.

O país passa pelo maior colapso sanitário e hospitalar da história, segundo o Observatório Covid-19 da Fiocruz. No monitoramento que acontece mensalmente, o Brasil esteve num momento mais tranquilo de transmissão da doença em outubro, e atualmente vive uma fase crítica, com cor vermelha – que corresponde a risco de alto contágio – em quase todo mapa, inclusive no Rio.

Segundo Carlos Machado, coordenador do Observatório Covid-19 o cenário terrível que estamos vivendo era previsível. “O importante agora é perceber que de janeiro para cá tivemos uma aceleração no número de casos. Algo que falei para o Maré de Notícias em dezembro de 2020. Estávamos prevendo isso, se não ocorresse medidas cabíveis por parte do poder público e o distanciamento dos indivíduos nas festas de final de ano”.

O especialista ressalta, ainda,  que o panorama atual é pior do que se viveu em 2020, por estarmos à beira de um colapso. “Pensemos em uma praia com ressaca, a onda da frente está alta, mas sempre a que vem atrás é ainda maior. Isso que está acontecendo nesse período. No ano passado tínhamos 1.200 óbitos diários no Brasil, agora esse número é duas vezes e meia maior. Não se pode deixar chegar a 100% de ocupação no número de leitos e UTIs (Unidades de Terapia Intensiva). É necessário que se tomem medidas mais rigorosas, como o lockdown.”

O lockdown será a única maneira de aliviar o sistema de saúde, mas em conjunto de uma assistência social, avalia o médico.

“É importante a mobilização do poder público para apoiar as pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade. Com a demora na liberação do auxílio emergencial, uma grande quantidade de pessoas está sem renda e o pior, sem comida.”

Carlos Machado , médico coordenador do Observatório Covid-19 da Fiocruz

Outro fator fundamental é a realização de campanhas sobre o distanciamento e o uso de máscara em pelo menos 80% da população. “Essa mensagem precisa chegar em Bonsucesso, rodoviárias, Maré e em todos os cantos”, resume. A previsão é que os meses de março e abril sejam mais difíceis. “A solução é o respeito às medidas de prevenção que não podem acontecer apenas no município, é uma ação também estadual. Sem esquecer que algumas cidades fazem fronteiras com Minas Gerais, que também precisa estar alinhado, formando uma teia”, avalia.

Somado às medidas contra o contágio, o especialista indica que a vacina precisa ser acelerada, que um passo importante será a entrega de 22 milhões de doses da Coronavac pelo Instituto Butantan e o aumento da produção de 60 a 70%  da AstraZeneca, em abril na Fiocruz.

Segundo o Painel da Prefeitura do Rio, a taxa de ocupação de leitos é de 70%, com taxa de ocupação operacional chegando a 89%. Já a taxa de ocupação de leitos de UTI da rede do Sistema Único de Saúde na capital, que inclui unidades municipais, estaduais e federais, é de 97%. Novos casos em 24 horas foram de 1.645, sendo 208 graves. Já os óbitos foram 51 em apenas um dia. O painel informa que o município tem 1.198 pessoas internadas, com 64 doentes na fila de espera, segundo dados de ontem, dia 18 de março. A Prefeitura do Rio estuda medidas para o avanço do vírus, como a antecipação dos feriados do mês de abril e toque de recolher no turno da noite e não descarta o lockdown.

Pela quinta vez em uma semana, o Rio bateu o triste recorde de pedidos de UTI para Covid-19 em todo o estado. Os médicos solicitaram nesta quarta-feira (17), um total de 205 pedidos de vagas de terapia intensiva na rede pública de saúde do Rio para pacientes com sintomas do coronavírus. Os dados da Secretaria Estadual de Saúde mostram que, pela primeira vez, o Rio ultrapassou a marca de 200 solicitações. 

Números crescem nas favelas

Os dados também são preocupantes em relação às favelas. Segundo o Painel Unificador das Favelas, são 3.503 óbitos registrados (18.03), superando 162 países, como os vizinhos Uruguai com 740 e Venezuela com 1.459. A situação não muda com o número de casos de infectados, que já somam 32.597, sendo maior do que Austrália com 29.166 e Angola com 21.489.

Um funcionário da Unidade de Pronto Atendimento da Maré disse que o número de atendimento está no limite e o que chama atenção, neste momento, são pessoas mais jovens  em estado mais grave. Na segunda (15.03), a Clínica da Família Zilda Arns, no Complexo do Alemão atendeu, em um único turno, o maior número de pacientes com sintomas respiratórios desde o início da pandemia. Foram 90 pessoas que procuram a unidade no turno da manhã. 

Raul Santigo, ativista e morador do Complexo do Alemão, ficou aflito com alto número de pacientes que procuram atendimento com suspeita da doença, e afirma que o poder público precisa dar garantias mínimas às pessoas das favelas e periferias. “Garantir alimentação segura, informação verdadeira e evitar qualquer situação que exponha ainda mais essa população a riscos, como as operações policiais. É o momento da ação humanitária. De salvar vidas e tentar frear o avanço devastador desse vírus”, diz.

A preocupação com a doença, somado ao cenário de desigualdade é um dos grandes desafios das favelas, gerando um ‘combo de gravidade’. “A fome, as incertezas sobre o futuro, o desemprego, e a falta de garantias mínimas, de educação das nossas crianças. A favela gostaria de poder se isolar e se cuidar de forma digna, mas essa não é a realidade do país. O poder público deveria garantir alimento, dignidade, informação real para que as populações mais pobres pudessem se cuidar plenamente. Mas infelizmente isso não está acontecendo”, comenta, acrescentando que a tragédia é anunciada, com superlotação de cemitérios, de leitos e da  falta de profissionais  para tentar salvar ou enterrar a população.

A desigualdade é um dos grandes problemas da história do Brasil, mas a pandemia a escancarou.

“A pandemia, junto a desatenção do poder público, aumenta a cada dia o abismo da desigualdade no país. Nosso horizonte é assustador: desemprego, miséria, uma geração atrasada educacionalmente. Precisamos agir para frear a velocidade crescente da desigualdade. O poder público dificultou ações de combate ao vírus. Até o auxílio emergencial de 2020 previsto para ser R$ 200,  só cresceu pela luta de movimentos sociais brasileiros. O governo federal não quis  conter o vírus e vacinar a população. Agora estamos correndo contra o tempo. O triste disso é que tudo isso é aos custos de quase 300 mil vidas brasileiras”.

Raul Santiago, coordenador do coletivo Papo Reto

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