Elas e eles sabem o que querem

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Maré de Notícias #93 – 02/10/2018

Jovens da Maré expressam suas expectativas com relação às eleições e pós-eleições

Jéssica Pires

A geração dos “primeiros votos” da Maré apresenta muitas demandas e se sente pouco representada: essa é a primeira constatação ao questionar os jovens do Complexo da Maré sobre o atual momento político. Boa parte dos entrevistados faz parte dos 1,4 milhões de adolescentes de 16 e 17 anos que tiraram Título de Eleitor, este ano, para participarem do pleito do dia 7 de outubro, segundo o Tribunal Superior Eleitoral. O dado apresenta o inverso do que o senso comum mostra – o jovem quer, sim, ir às urnas para garantir pautas e direitos.

Apesar da expectativa para as eleições não ser das melhores, diante do cenário político turvo em que o País se encontra, a ansiedade e a busca pela garantia de direitos não são pequenas. E os jovens da Maré sabem muito bem o que querem: “na escola, o inglês é muito mal o ‘verbo To be’”, disse Nívea Mariana (22 anos), moradora da Maré, que pretende prestar vestibular para Enfermagem.

Na pauta, educação

A garantia por uma educação de qualidade é um ponto em comum entre as demandas dos jovens eleitores da Maré. Não é para menos. As escolas das favelas da Maré funcionam das 8h às 16h, uma hora a menos que as de outros territórios. Isso porque a Maré é considerada uma área de risco. O Fundo das Nações Unidas para a Infância– Unicef (http://uni.cf/2Dl7nzc)) definiu, no documento “Eleições 2018 – Mais que Promessas – Compromissos reais com a infância e a adolescência no Brasil”, as prioridades para o debate dos candidatos nas Eleições 2018.  Uma delas é a “promoção de uma educação de qualidade para todos”. Esse é um documento-base, importante para a análise das propostas dos candidatos.

Em 2017, foram 35 dias sem aulas nas escolas das favelas da Maré em decorrência de operações policiais, segundo dados do Eixo de Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré. Ellen Batista, de 14 anos, jovem moradora da Maré que se prepara para os concursos de escolas de Ensino Médio técnico, indagou aos candidatos ao Governo do Estado do Rio de Janeiro presentes no Debate Público na Maré, promovido pelo Fórum Basta de Violência – Outra Maré é Possível, ocorrido no dia 18 de setembro: “como vocês pretendem melhorar a Segurança Pública para evitar que a gente perca aula, já que toda hora tem operação policial?” Em conversa com o Maré de Notícias, Ellen Batista acrescentou: “quando tem operação policial aqui, eu fico com medo. A Maré fica com medo”.

O debate reuniu cerca de 400 pessoas no Centro de Artes da Maré. O público do debate foi formado, em sua maioria, por jovens, que participaram ativamente, apresentando demandas diversas, sobretudo, sobre Segurança Pública, acesso à Saúde e à Educação. Dos 12 candidatos ao Governo do Estado do Rio de Janeiro, apenas quatro marcaram presença no debate: Marcia Tiburi (PT), Dayse Oliveira (PSTU), Luiz Eugênio Honorato (PCO) e Ivanete Conceição da Silva (candidata a vice-governadora de Tarcísio Motta, do PSOL).

Confiança e representatividade

De acordo com Pesquisa Datafolha, a percentagem de votos nulos e brancos dobrou em relação a 2014 e 13% dos eleitores dizem que não votarão em um candidato específico. Essa é a maior percentagem em 16 anos, segundo a Pesquisa. O número confirma a fala dos jovens da Maré: há falta de representatividade entre os candidatos em relação às demandas dos jovens, e pouca confiança nos políticos.

Alessandra Justino, de 20 anos, moradora da Maré, que pretende cursar Relações Internacionais e vota pela primeira vez nesta eleição, diz não se identificar com os candidatos. “Você deve buscar pessoas com quem você se identifique”. Já para Ellen Batista, a jovem de 14 anos que mobilizou aplausos com o questionamento aos candidatos presentes no debate público, afirma: “essa coisa de representatividade é muito difícil, porque não sou só ‘eu’ que tenho que ser representada. Somos todos nós”.

Creusa Maria, estudante de Produção de Eventos da Faetec, acredita que apesar de o jovem ter mais espaço de fala atualmente, essa voz não é ouvida: “eles não dão importância à nossa fala. Eles não chegam aqui, tudo para na Avenida Brasil (…) colocam a gente em uma bolha, e não tem como se sentir representado. É impossível”.

Além da questão da representatividade, os recentes casos de corrupção em todos os níveis de cargos públicos no País fazem o jovem repensar esse modo de fazer política. No ranking global publicado em fevereiro deste ano, pela Transparência Internacional, organização internacional dedicada à luta contra a corrupção, o Brasil ocupa o 96º lugar no Índice de Percepção da Corrupção, entre 180 países analisados. A pesquisa aponta que esta é a pior colocação do Brasil nos últimos cinco anos. “Às vezes é difícil acreditar nas pessoas. Principalmente para nós que estamos na Maré”, acrescenta Nívea Mariana, que acredita ser a falta de credibilidade dos elegíveis a maior dificuldade para a escolha de um candidato.

Juventude participativa não é novidade no Brasil

“A juventude foi protagonista no processo de redemocratização do País”, diz Tamyres Ravache, doutoranda em Ciência Política da UERJ. Este ano, completamos 30 anos do processo de redemocratização. Em 1988, a Constituição que rege as leis brasileiras até hoje foi elaborada com participação popular e garantiu o avanço na validação de direitos trabalhistas, liberdade de expressão, entre outros.

“Os jovens são vanguarda de muitos movimentos progressistas. A juventude é articulada, é criativa e, sobretudo, capaz de realizar muitas mudanças. A voz dos jovens deve não ser apenas ouvida, mas procurada. O jovem precisa ser consultado. Afinal, é fato que os jovens de hoje serão o futuro do País daqui a algumas décadas”, explica Tamyres, que complementa: “os jovens têm criado cada vez mais maneiras inteligentes e sofisticadas de passar mensagens políticas. Essas ações têm potência positiva sobre a questão da participação e representação da juventude no futuro”.

Segundo a especialista, apesar de o jovem de favela e da periferia não se verem representados no atual modelo político do País, ele cria estratégias de ativismo em busca dessa representação e participação. “Podemos observar isso nas atividades culturais, intervenções artísticas que grupos de Slam, teatro e rap, por exemplo, promovem nas praças, nos transportes e nas mídias sociais, atingindo e atraindo seus pares para um olhar mais crítico e interessado na sociedade”, conclui.

A Maré, diga-se de passagem, é um exemplo claro de múltiplas ações de jovens em diversos meios. Os fundamentos do modelo de política adotado pelo Estado, portanto, não contemplam os anseios dos jovens eleitores. Sobretudo, dos jovens da Maré e suas especificidades. Porém, a criatividade potente, que desde sempre percorreu os movimentos criados nesse território, chega também para “fazer política”, diferente desse modelo.  “São inúmeros grupos de jovens negras e negros, pobres, moradores de comunidades envolvidos em atividades de arte e cultura, ocupando e revitalizando espaços urbanos, inventando maneiras de comunicação. Isso sem falar da força jovem nos movimentos mais amplos que lutam por direitos progressistas nas áreas de saúde, moradia, educação, direito a terra, direitos quilombolas e indígenas”, comenta Tamyres Ravache.

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