Saiba como estão os três moradores que, há 14 anos, deram nome a um dos maiores jornais comunitários do Brasil
Por Samara Oliveira
Maré de Notícias #150 – julho de 2023
Em dias de celebração, especialmente no dia do nosso aniversário, lembramos de pessoas que fazem parte da nossa trajetória. Com o Maré de Notícias não é diferente. Neste mês, completamos a marca de 150 edições e muitas pessoas possibilitaram isso, no entanto viemos falar sobre três delas. Pessoas essas que com sua criatividade e iniciativa permitiram que o jornal aderisse ao nome que permanece até hoje.
Vamos brevemente voltar alguns anos no tempo para contar a história de criação do nosso jornal. Fundado pela Redes da Maré já na versão impressa em dezembro de 2009, com 30 mil exemplares, o jornal foi publicado por duas edições ainda sem nome definido. O intuito era a participação do morador na escolha do nome do veículo de comunicação que em pouco tempo se tornaria um dos maiores jornais comunitários do Brasil com tiragem de 50 mil exemplares.
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O concurso “Por um jornal da Maré: diga que nome você quer!” atraiu mais de 500 pessoas, entre elas: Felipe Meireles, com 11 anos na época , Maria Euzete de 48 e Cristiano Magalhães, com 35. Sem saber, os três estariam se eternizando no Conjunto de Favelas da Maré ao empatarem escolhendo o nome da principal fonte de informação de qualidade da Maré.
Por causa do empate, um sorteio definiu que Felipe, morador da Nova Holanda, ganharia um computador.
Prêmio para a vida
Felipe Meireles, hoje com 25 anos e pai de uma menina de seis anos, se define como um rapaz família e que gosta de estar com os amigos, seja no Maracanã vendo o Flamengo ou nos “pagodinhos”. Ele conta que ter ganhado o concurso impactou diretamente suas decisões no futuro.
Quando chegou a hora de escolher a profissão, o jovem optou ser técnico de informática e, em seguida, operador audiovisual: “O computador despertou uma grande vontade de permanecer sempre com um por perto durante a minha vida.”
Com a experiência que adquiriu, em 2022 Felipe conseguiu trabalhar na produção do maior reality show brasileiro, o Big Brother Brasil: “Tive muito orgulho de mim e tudo isso por conta de um computador que ganhei pela Redes [da Maré]. Também já viajei para alguns lugares do Brasil como João Pessoa, Goiânia, Salvador, Belo Horizonte e São Paulo por causa do meu trabalho.”
Escritora favelada
Maria Euzete hoje tem 62 anos e conta da emoção de ter participado do concurso: “Foi uma alegria enorme assim no meu coraçãozinho. Sei que não fui só eu que dei esse nome, mas para mim é como se o Maré de Notícias fosse um filho que cresceu. É uma honra saber que o nome Maria Euzete faz parte dessa história.”
Há três anos ela mudou-se para Xerém, em Duque de Caxias, mas conta que continua conhecendo o território como a palma de sua mão. Euzete morou no conjunto por mais de 50 anos e, apesar de ter vivido por mais tempo na Baixa do Sapateiro e no Conjunto Esperança, ela garante que já morou em todas as favelas da Maré:
“Meu pai era igual um nômade”, brinca sobre o tempo em que a família se mudava com frequência. Esse conhecimento foi bastante útil: depois do concurso, Euzete trabalhou como distribuidora do jornal por cerca de quatro anos.
Com uma memória viva e carinhosa da sua trajetória na Maré, Euzete relembra dos momentos marcantes da sua infância e adolescência no território, uma jornada que começou ainda na época das palafitas.
“Quando fui morar na Maré eu era uma criança, a Maré é o meu lar. Eu corria descalça por aquelas pontes finas, entre as palafitas. Caí tanto naquela Maré que, se cair na Maré matasse, eu não estava viva”, relembra, sorridente.
Casada e com três filhos, ela fala com orgulho sobre também ser escritora. Euzete chegou a participar de um concurso de poesia e, junto com outros autores, teve seus escritos publicados na antologia Vozes. Entre seus poemas, ela destaca O Complexo da Maré pede socorro” e A cara do mal, que ela chama de “poemas atemporais”.
“Você escreve uma coisa, acha que não vai dar em nada e dá em tudo. Tive tarde de autógrafos, olha só! Uma favelada tendo tarde de autógrafos, que coisa linda!”
Legado
Cristiano Magalhães chegou à Maré em 1997 e viveu aqui tempo suficiente para guardar na memória um território que poucos conhecem. Ele morou nos alojamentos provisórios em torno do CIEP Ministro Gustavo Capanema, na Vila dos Pinheiros, construídos para abrigar desalojados pelas fortes chuvas que caíram na cidade na época.
A localidade ficou conhecida como Kinder Ovo, uma alusão ao tamanho e à precariedade do espaço, que reunia 25 famílias em cada alojamento, equipado com apenas um banheiro. Posteriormente, Cristiano morou na Baixa do Sapateiro e depois voltou para a Vila dos Pinheiros, desta vez para uma casa.
Ele viveu 13 anos no conjunto e conta com orgulho que foi um dos pintores da Vila Olímpica da Maré. Foi trabalhando lá que soube do concurso para a escolha do nome do novo jornal.
Ao inscrever sua sugestão do nome, Cristiano explicou de onde veio a inspiração: “O nome tem origem de gíria popular, tipo: teve uma Maré de Notícias hoje”. Em entrevista, ele brincou que a raiz disso seriam as fofocas que circulavam sobre a vida dos moradores, espalhadas principalmente pelas senhoras das ruas.
“Tenho uma tia que ainda mora na Maré. Na minha época lá, percebia que ela nem saía de casa, mas mesmo assim tinha notícias da rua toda. Aí me peguei pensando nisso, nas senhoras que trazem as notícias de quem brigou, de quem foi embora, de tudo. Aí pensei, ‘isso aqui é uma maré de notícias’, aí coloquei lá na caixinha”, diz, gargalhando.
Hoje com 48 anos, morador do bairro de Brás de Pina, casado e pai de três filhos, Cristiano disse se sentir útil à sua comunidade ao ver o crescimento do Maré de Notícias e a permanência do nome. Ele revela ter planos de voltar para a Maré: “Fico muito feliz que o jornal chegou nesse patamar, agora até com site, tenho orgulho. Acabei me perpetuando na Maré, mesmo sem querer.”