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Vamos falar sobre direitos sexuais e reprodutivos para as mulheres da Maré? 

Foto: Gabi Lino | Bandeira da campanha "Nem presa, nem morta" na Casa das Mulheres da Maré

Por Casa das Mulheres da Maré

Para as mulheres, nada foi conquistado sem luta. No que diz respeito ao corpo, há tempos tem sido pautado e reivindicado o acesso aos direitos sexuais e reprodutivos, e atualmente está em debate o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a descriminalização do aborto, por meio da votação da ADPF 442. Rosa Weber, que presidiu a Corte até o fim de setembro foi relatora do caso e manifestou seu voto a favor da descriminalização. 

No entanto, o acesso aos direitos sexuais e reprodutivos é bem mais amplo e abarca questões cotidianas na vida das mulheres, como o acesso à informação e métodos contraceptivos, planejamento familiar, prevenção e tratamento de doenças sexualmente transmissíveis e cuidados pré-natais, além do direito ao aborto legal e seguro, garantindo que as mulheres tenham autonomia sobre seus corpos.

O Censo Maré, realizado em 2013, indicou que dos quase 140 mil moradores espalhados pelas 16 comunidades, mais da metade é do sexo feminino. Entender sobre e acessar a justiça sexual e reprodutiva é de extrema importância para todos, mas principalmente para as mais de 70 mil mulheres que compõem esse território. E você, o que sabe sobre justiça sexual e reprodutiva?      

De acordo com a Asian Communities for Reproductive Justice (ACRJ), o conceito Justiça Reprodutiva aparece como fundamental para falar sobre o combate às inúmeras formas de violência contra as mulheres, porque ele destaca o acesso aos recursos econômicos, sociais e políticos para que as mulheres possam tomar decisões saudáveis sobre os seus corpos, sexualidade e reprodução, não de uma maneira apenas individual, mas levando em conta as suas famílias, seus contextos e as suas comunidades.

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E, dentro do contexto das favelas, as mulheres enfrentam além da escassez de informação, os altos índices de violência sexual e doméstica. Segundo pesquisas anteriores realizadas na Maré (Krenzinger et al., 2018; McIlwaine et al., 2021), 57% das participantes experimentaram uma ou mais formas de violência direta de gênero no âmbito privado e na esfera pública (34% física, 30% sexual e 45% psicológica). A falta de segurança, a ausência de apoio adequado, a dificuldade de acesso a equipamentos públicos e métodos contraceptivos tornam essas mulheres mais vulneráveis ao abuso, à gravidez indesejada e às doenças sexualmente transmissíveis.

Reconhecendo o protagonismo feminino no território e a necessidade de melhoria das condições de vida das mulheres da Maré, a Casa de Mulheres da Maré oferece diversas atividades  que contribuem tanto para a qualificação profissional quanto para a efetivação  dos direitos reprodutivos e o direito ao aborto previsto em lei. 

Em termos de leis, mais de 40 anos separam a criação do Código Penal da Constituição Federal, mais precisamente a elaboração do artigos 124 e 126 do Código Penal de 1940, que estabelece o aborto como crime, do reconhecimento da igualdade formal entre homens e mulheres, com a Constituição de 1988. 

Isso significa dizer que as normas criadas no contexto da elaboração do Código Penal reproduzem desigualdade de gênero e, mesmo leis anteriores à Constituição Federal, devem estar de acordo com os direitos fundamentais, que seriam o direito à dignidade, à autonomia, à cidadania, entre outros. Nessa linha do tempo, somente 77 anos depois, já em 2017, que o Supremo Tribunal Federal (STF) protocolou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que decidirá se são inconstitucionais os artigos do Código Penal que criminalizam o aborto feito com consentimento.

A criminalização não impede mortes, pelo contrário

A Pesquisa Nacional do Aborto de 2021, revela que mulheres de todas as idades, classes e origens fazem abortos – 1 em cada 10 mulheres. Mas no Brasil esta experiência é mais frequente entre mulheres pobres, negras, indígenas e nordestinas. Elas são também as mais vulneráveis a procedimentos clandestinos e inseguros. 

A Maré é um território com grande protagonismo de mulheres e de acordo com o Censo 2013, 62% delas se declaram como pretas e pardas. Mais da metade dos moradores, tiveram pelo menos um filho em 10 anos, com 9% sendo mãe ou pai entre 15 a 19 anos de idade. Quase metade das mulheres (45%) são mães solo, o que significa que carregam um peso desproporcional para criar seus filhos, com muitas vivendo em unidades domésticas estendidas.

A desigualdade racial e de classes vulnerabiliza as mulheres em escolhas reprodutivas, visto que 15% das mulheres negras e 24% das mulheres indígenas já fizeram um aborto na vida, comparadas a 9% de mulheres brancas, também de acordo com a Pesquisa Nacional do Aborto.

Contra dados não há argumentos

O que tem rolado para mudar esse cenário? A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442 é um processo judicial que questiona a constitucionalidade da criminalização do aborto no Brasil. Essa ação busca garantir o direito das mulheres de decidirem sobre a interrupção da gravidez até a 12ª semana, sem punição legal.

A ADPF 442 é especialmente relevante para as mulheres das favelas, que enfrentam maiores dificuldades para acessar serviços de saúde e são mais afetadas pelas restrições legais ao aborto. E não é só sobre a descriminalização do aborto (até a 12ª semana), mas também sobre quais são as barreiras de acesso ao aborto garantido por lei e sobre em quais situações pode-se fazer um aborto seguro e legal, pois embora seja um direito em casos de estupro, risco de vida para a mãe ou feto anencéfalo, ainda existem várias dificuldades para garantir que o aborto legal seja efetivado. Fora que muitas mulheres não sabem que têm direito ao aborto legal ou desconhecem os procedimentos necessários para acessá-lo. 

Elas também se deparam com obstáculos burocráticos, tornando o processo demorado e exigindo que a mulher faça vários exames e consultas antes de obter a autorização. Além disso, ainda há a falta de profissionais de saúde dispostos a realizar o procedimento. Muitos médicos se recusam a realizar o aborto legal por razões pessoais ou religiosas. O estigma social em torno do aborto ainda é forte no Brasil, o que pode fazer com que as mulheres se sintam envergonhadas ou estigmatizadas por buscar o procedimento.

É mais do que urgente debater este assunto, desfazer pré-conceitos engessados e espalhar informação segura para as mulheres, principalmente em lugares pobres e periféricos. A Maré não está alheia ao debate e organizações e lideranças têm ampliado esta discussão, buscando representatividade e poder de decisão sobre o corpo e o direito das mulheres – pressupostos fundamentais para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Direito ao aborto legal na América Latina: A Maré (verde) que queremos pertencer

O movimento que luta pela descriminalização do aborto vem subindo como a Maré, ou melhor, crescendo como uma onda. A chamada “Maré Verde” foi uma campanha de mulheres pela legalização e segurança do aborto na Argentina em 2018, durante o período de votação do projeto para revisar a lei do aborto de 1921 do país. Milhares de meninas e adolescentes ocupavam as ruas com um lenço verde no corpo que simbolizava a ancestralidade na história política das mulheres na Argentina. O aborto foi legalizado na Argentina em 2020 e, desde então, o movimento da “Onda Verde” veio influenciando outros países da América Latina, como a Colômbia. Unindo-se mais recentemente ao movimento, o México descriminalizou o aborto em setembro de 2023. 

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