Violações e 300 horas de operações policiais marcam lançamento de dados sobre violência armada na Maré em 2019
Maré de Notícias #110 – março de 2020
Jéssica Pires e Dani Moura
O lançamento da 4ª edição do Boletim Direito à Segurança Pública na Maré reuniu cerca de 100 pessoas na tarde de 14 de março no Centro de Artes da Maré para apresentação e análise dos dados sobre violência armada na região em 2019.
Os dados coletados e apresentados pelo projeto “De Olho na Maré”, do Eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré, revela que os moradores da Maré viveram cerca de 300 horas de operações policiais, o que representou uma operação a cada 9 dias. Foram 49 mortes, num aumento de mais 100% em relação a 2018 (34 em decorrência de ação policial e 15 por ação dos grupos armados) e 45 feridos por arma de fogo na região em 2019. O relatório traz dados e análises dos impactos da violência armada nas 16 favelas da Maré durante o ano de 2019.
O caráter racista das mortes foi evidenciado na fala dos debatedores presentes: Aline Maia, coordenadora do eixo de Direito à vida e Segurança Pública do Observatório de Favelas; Pedro Abramovay, diretor regional da Fundação Open Society para a América Latina e Caribe; Vitor Santiago, morador da Maré alvejado por agentes das Forças Armadas em fevereiro de 2015 e Camila Barros, coordenadora do projeto “De olho na Maré”, da Redes da Maré. “Falar da mulher, sobretudo da mãe favelada, é muito emblemático. Os dados quantitativos falam sobre os jovens negros que mais morrem, mas os qualitativos evidenciam a presença das mulheres que estão próximas nesse momento de luto”, observou Camila.
O debate aconteceu entre moradores, ativistas dos direitos humanos, comunicadores e organizações locais sobre os dados monitorados no ano de 2019 pelo projeto, que também revelam que a saúde e a educação dos que residem e trabalham na Maré também foram diretamente afetadas pela violência armada. Foram 24 dias sem aulas nas nas escolas da região, totalizando até 12% dos dias letivos perdidos e 25 dias sem atendimento médico nas unidades básicas de saúde estimando-se que 15.000 atendimentos não foram realizados por conta de operações.
Desde 2016, quando o monitoramento dos dados começou a ser feito, foi identificado que as incursões suspendem os direitos básicos dos moradores e com grande uso de aparato bélico. Para a coordenadora do Eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré, Lidiane Malanquini, o Boletim surge da ausência de dados que contemplem o impacto das operações policiais na Maré. Para ela, o dado que mais chama a atenção é o recorde de 34 mortes praticadas por agentes do Estado em 2019 sendo 100% pretos e pardos, demonstrando que a política de segurança pública do Rio de Janeiro tem alvo seletivo e atua para reforçar o racismo estrutural da sociedade brasileira, atingindo sobretudo jovens negros das favelas e periferias. “O Boletim surge para construir novos parâmetros de avaliação pensando como isso impacta no cotidiano de quem mora e está na Maré. Historicamente, os indicadores de sucesso de uma operação policial são medidos através do número de pessoas presas, apreensão de drogas e armas. A produção de dados e narrativas de quem sofre os impactos severos desta política de segurança que não preserva a vida, fecha escolas, postos de saúde e limita tantos outros direitos, é fundamental para pensarmos como as políticas públicas podem se estruturar a partir das necessidades e das demandas locais”, destacou Lidiane.
Confira a íntegra da 4ª edição do Boletim Direito à Segurança Pública na Maré com os dados completos: www.redesdamare.org.br e nesta edição um resumo especial sobre o levantamento.