2ª Semana de Saúde Mental na Maré

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Programação conta com atividades e reflexões sobre o contexto da saúde mental na Maré e ações de arte e cultura

Por Samara Oliveira

Até este sábado (19), o eixo Direito à Saúde da Redes da Maré realiza a 2ª Semana de Saúde Mental no conjunto de favelas. Quem entrou no galpão do Espaço Normal, localizado na favela Parque Maré, onde está sendo realizado o evento, já deu de cara com intervenções que causam reflexões: “Viver é uma ação coletiva”, “Saúde mental não é dor de cabeça”, “Para andar do lado do medo, só sendo a coragem”, são algumas das mensagens dispostas em cartazes pendurados no galpão. Dona Ivone Lara e Nise da Silveira, dois grandes nomes na luta contra o sistema antimanicomial e com foco no cuidado à saúde mental de maneira humanizada, também tiveram suas histórias contadas nos cartazes e uma mesa para falar de suas atuações.

O primeiro debate que abriu o evento nesta quinta-feira (17), foi sobre as práticas inovadoras no cuidado em saúde mental. Eduardo Castro, um dos integrantes da mesa e coordenador do Ambulatório de Saúde Mental no Centro Municipal de Saúde Milton Fontes Magarão, fala sobre o desafio de reformular um serviço que foi inaugurado dentro de um hospital psiquiátrico. 

“O sofrimento tá no dia a dia, mas como a gente pode cuidar disso dentro de um ambulatório e fazendo um cuidado alinhado com a realidade do Brasil? A gente recebe os usuários, conhece a história desse sujeito e entende o que traz ele ali, quais são as singularidades que marcam aquele corpo e aquele sofrimento, para a partir daí começar a pensar juntos. Faço uma pergunta que às vezes deixa as pessoas surpresas que é: ‘No que você acha que podemos te ajudar? O que faz sentido para você no seu cuidado?’”, isso tira um pouco a noção de que a gente tem a resposta para o tratamento ou de que a resposta é um tratamento medicamentoso”, explicou.

Ao serem questionados em como separar o profissional do emocional ao receber casos mais complexos, a psicóloga e coordenadora do Centro de Convivência e Cultura Trilhos do Engenho Roberta Oliveira enfatizou que “se a dor do outro não te afeta, você não tem como trabalhar com a saúde mental. Não é pegar o problema como se fosse seu para resolver, mas é ter a capacidade de sentir também para ajudar a encontrar caminhos para lidar com isso”.

Além de Eduardo e Roberta, Lilian Leonel que é redutora de danos e usuária do Espaço Normal, Fernanda Vieira, psicóloga e redutora de danos na Casa das Mulheres também compuseram a mesa. 

Seguindo a programação, o segundo debate do dia falou sobre os conhecimentos sobre saúde mental no Conjunto de Favelas da Maré e as experiências dos estudos “Construindo Pontes” e “Vacina Maré”. 

A pesquisadora Miriam Ajambuja, evidenciou que o levantamento Construindo Pontes ouviu cerca de 1,4 mil moradores, de 2018 a 2020, a respeito dos impactos na saúde mental por causa da violência. Além disso, Miriam também falou da insegurança vivida pelos moradores dentro das suas próprias casas, uma vez que a pesquisa aponta que mais de 13 mil domicílios já foram invadidos nos 12 meses anteriores ao estudo.

“42 mil pessoas da Maré reconhecem que têm impacto na sua saúde mental a violência armada. É um número significativo. Mais de 70% já vivenciaram uma situação de violência e reconhecem o efeito danoso na sua saúde física e mental”, afirmou a pesquisadora com base no estudo voltado para o público adulto.

Maria Daiane, pesquisadora de campo que esteve corpo a corpo com os moradores durante o levantamento, falou sobre o trabalho para além de perguntas e respostas.

“A gente tinha lá uma lista de perguntas, que não era um diagnóstico, mas muitas pessoas falaram de ansiedade e depressão depois que a gente explicou quais comportamentos podem estar ligados a isso. Elas não conseguiam entender quais eram os determinantes que faziam com que a pessoa tivesse uma questão ou uma demanda de saúde mental”, explicou. 

Dona Ivone Lara e Nise da Silveira

Muito se ouve falar de Dona Ivone Lara enquanto cantora, compositora e sambista. No entanto, a mesa desta quinta-feira (17), evidenciou a luta da artista não só pela música, mas também pela saúde mental no país.

Enfermeira e assistente social, Dona Ivone Lara foi uma das primeiras mulheres negras assistentes sociais no Brasil. Aos 25 anos, prestou concurso e começou seu trabalho, que mais tarde seria referência, no Centro Psiquiátrico Pedro II, em Engenho de Dentro. Lá, se dedicou ao cuidado humanizado de pessoas com sofrimento mental através de práticas terapêuticas dos ateliês de terapia ocupacional, musicoterapia e a busca por familiares dos pacientes. Com este último, a enfermeira visava o reencontro e a instauração de rede de apoio dos internos. Ação hoje conhecida como reabilitação psicossocial, se tornou uma diretriz de política de saúde mental no Brasil. 

“Pouco se fala sobre a sua atuação durante 37 anos nesse espaço manicomial e toda sua contribuição no legado de Nise da Silveira. E isso tem a ver com a perpetuação com a lógica manicomial que silencia, que apaga e homogeniza. Então Dona Ivone Lara também nos aponta da necessidade de romper esse paradigma não só com aqueles que são atendidos, mas também para aqueles que sempre estiveram lá dentro sustentando essa lógica”, afirma Rachel Gouvea, uma das integrantes da mesa e pesquisadora que possui um livro falando da atuação da artista na saúde mental.

Assim como Dona Ivone Lara, Nise da Silveira rompeu com as formas violentas de tratamento na saúde mental como a lobotomia, que era uma intervenção cirúrgica no cérebro dos pacientes, e o eletrochoque. Conhecida como a psiquiatra rebelde se negou a executar procedimento de eletrochoque em pacientes enquanto trabalhava também no Centro Psiquiátrico Pedo II, tendo este ato uma representação fundamental na criação de uma psiquiatria humanizada. Nise criou a Seção Terapêutica Ocupacional com tratamento através da arte e afeto afirmando sempre que “o que curta é a alegria, o que cura é a falta de preconceito” e foi a fundadora do Museu de Imagens do Inconsciente que reúne ainda hoje as obras produzidas pelos pacientes. Suas práticas modificaram para sempre os cuidados aos pacientes com sofrimento mental.

“A gente fala muito da luta antimanicomial mas olhar para dentro, falo isso enquanto o cara que trabalha no CAPSad, que é de perceber a cura não pelo grito, mas pelo silenciamento, pela medicação, por entender que o sofrimento do cara usuário de droga numa cena de uso vai ser contornado pelo decanoato (medicamento). Quem dera se o sofrimento dessas pessoas fosse contornado pelo medicamento. Produzir silenciamento, produzir domesticação foi o que hoje produz necessariamente mortes”, afirma Raphael Calazans coordenador do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras drogas Miriam Makeba.

Além de Rachel e Raphael, Gladys Schincariol, coordenadora do Museu de Imagens do Inconsciente (MII), também compôs a mesa. 

Confira a programação completa da Segunda Semana de Saúde Mental na Maré aqui.

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