A formação de grupos e associações para que as violações de direitos sejam reparadas
Roberto de Oliveira
O combate ao tráfico de drogas no Brasil se transformou em guerra insana, que tem deixado um rastro enorme de mortes nas favelas, principalmente de jovens negros. As armas apreendidas mostram o quanto a população está refém do grosso calibre dos grupos civis armados e da polícia, que também reforça o seu arsenal. O traço mais visível desse modelo de guerra às drogas, adotado pelo Estado, são as operações policiais, que podem vir acompanhadas de violações dos direitos básicos do cidadão, como o de ir e vir, de estudar, arrombamentos, danos morais e em último caso, o direito fundamental à vida.
As mães das vítimas e o combate às violações
Ana Paula Oliveira, Janaína Soares e Glaucia dos Santos são três mulheres que perderam filhos negros, jovens e moradores de favelas, para a violência do Estado. Os três foram assassinados por policiais. Jonathan, filho de Ana Paula, tinha 19 anos quando levou um tiro nas costas de um policial da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) de Manguinhos. Christian, de 13 anos, filho de Janaína, morreu com um tiro de fuzil, disparado por um policial numa operação em Manguinhos. Fabrício, filho de Glaucia, foi morto por policiais no primeiro dia do ano de 2014, dentro de um posto de gasolina, nas imediações do Complexo do Chapadão. O relato de Janaína Soares mostra o quanto é difícil levar os casos à Justiça, por causa de intimidações, tentativa de mudanças na cena do crime, perguntas ofensivas nos interrogatórios e a falta de apoio institucional. “Tentaram colocar o corpo dele dentro do caveirão, mas a população não deixou, porque sabia que se tirassem ele dali, ia ficar mais difícil provar qualquer coisa. Disseram que ele estava com radinho, que andava de moto, mas meu filho só andava de bicicleta…”, diz Janaína. A mãe do menino contou que só conseguiu preservar a cena intacta com o apoio dos moradores e da amiga Ana Paula, que ligou para a Secretária da Comissão de Direitos Humanos da ALERJ, que, por telefone, convenceu o comandante da operação policial a lidar de outra maneira com os fatos. Parte da imprensa, ao divulgar os crimes, tenta justificar os assassinatos com insinuações de que as vítimas teriam envolvimento com o tráfico ou teriam “morrido”, ao invés de assassinados, em decorrência da falta de cuidado com a vida do morador de favela.
Pequenas conquistas
No mês de maio foi aprovada no Rio de Janeiro a criação da Semana Estadual das Pessoas Vítimas de Violência no Estado. A Lei foi consequência de uma luta intensa do Movimento Independente Mães de Maio, que nasceu após os Crimes de Maio de 2006, quando o Estado de São Paulo sofreu uma onda de violência com a morte de 500 pessoas, sendo a maioria de jovens negros e pobres. O Deputado Marcelo Freixo (PSOL) ouviu a demanda do movimento de Mães de Vítima de Violência no Estado do Rio e conduziu a aprovação na ALERJ. “A polícia está matando e morrendo muito. Os movimentos de favelas estão mobilizados em torno desses temas, debatendo e construindo… É urgente discutirmos a violência de forma séria, reconhecendo todos os fatores implicados, acabando com essa lógica militarista do extermínio do inimigo, da luta do bem contra o mal”, diz o Deputado, sobre a aprovação da Lei.
Organizadas para apoiar outras mães e combater a impunidade
As Mães das Vítimas de Violência viajam pelo Brasil e pelo mundo com o apoio da Anistia Internacional, para contar suas tristes experiências. Elas também apoiam outras mães, que descobrem nelas uma luz, para transformar a dor em enfrentamento. Além da militância nacional, elas atuam localmente. Ana Paula, Janaína Soares e Fátima, outra mãe vítima da violência praticada por policiais, criaram o grupo Mães de Manguinhos, enquanto Glaucia faz atividades comunitárias no Chapadão, com o grupo Mães sem Fronteiras. Segundo Marcelo Freixo, a Defensoria Pública e a Comissão de Direitos Humanos da ALERJ são locais onde a pessoa recebe assistência e orientação adequada. A partir disso, os demais Órgãos competentes, como o Ministério Público, são acionados. A Redes da Maré também faz um trabalho de acompanhamento e encaminhamento para instituições que garantem gratuitamente, acesso à Justiça em casos de violações de direitos cometidos por agentes de Segurança Pública.