Lixo se espalha pelas ruas da Maré e traz consequências
Hélio Euclides
O lixo é um dos grandes problemas do mundo. E no Brasil não é diferente. Segundo o IBGE, a população brasileira gera 230 mil toneladas de lixo diariamente. Quantidade suficiente para encher o estádio do Maracanã inteiro. Entretanto, ao contrário do que imaginamos, a quantidade de lixo não significa o descaso com o meio ambiente. O que deve ser levado em consideração é a forma como esse lixo é tratado, se passa por alguma triagem, se é reutilizado ou reciclado antes de ser descartado.
Na Maré, o lixo é descartado em vários locais, sem nenhum tratamento. E, por inúmeras causas, os sacos são rasgados e os resíduos se espalham pelas ruas. Em muitos casos, os guardanapos, sacos e copos vazios, derivados dos lanches, são jogados no chão, por não ter lixeiras espalhadas pelas comunidades. A consequência é a proliferação de moscas, baratas e ratos. Outra causa é o entupimento dos escoadores de água pluviais, com áreas de alagamentos. E o resultado é o aumento do número de doenças, que poderiam ser evitadas.
Numa tentativa de solucionar o problema, a Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb) espalhou pontos de coleta, caçambas batizadas de “laranjões” no complexo. O presidente da Associação de Moradores do Rubens Vaz, Vilmar Gomes, conhecido como Magá, não gostou das caçambas. “Fomos a única comunidade da Maré que não aceitou os laranjões. Acredito que o lixo em um ponto é perigoso, em especial próximo a valão, pois cai e polui. O pessoal tem preguiça de levantar ou colocar o pé no pedal, às vezes existe lixo no chão e as caçambas vazias. Ainda tem os catadores que espalham o lixo”, argumenta.
No Rubens Vaz, a coleta domiciliar é feita com o uso de caminhão e trator, que o presidente avalia como boa, mas tem críticas. “Terminamos todos os pontos de descartes clandestinos, com o uso de cartazes e conversa com moradores. A Comlurb tinha de fazer um trabalho de educação, com prospectos e placas, algo que já foi feito no passado”, sugere. A presidente da Instituição Uerê, Luciana Martha, também acredita que a educação é a solução. “A nossa instituição faz várias campanhas, por entender que a interferência da criança vai conscientizar os pais”, resume.
Para Luciana, os laranjões ainda não são a solução. “As caçambas duram muito pouco. A centralização de lixo traz mau cheiro e acúmulo de entulho. Outro dia até um colchão enorme jogaram em frente ao Uerê”, conta. Luciana percebe que é preciso compreender o carioca para saber como investir. “Para entender a problemática do lixo na rua, precisamos pensar no comportamento da cidade, de pessoas que jogam papel no chão. Creio que falta uma cultura de dever, pois no interior do País todos vivem na simplicidade, mas as ruas são limpas. Na nossa instituição aprendemos a pegar até o lixo que não é nosso”, destaca.
Em Marcílio Dias, a gestão da Comlurb é feita pela Agência Cuba, na Penha. Na comunidade, apenas dois garis comunitários limpam as ruas. Por esse motivo, a Associação de Moradores pediu o auxílio da empresa, que uma vez por semana destina uma equipe com equipamentos para suprir as necessidades. “Esse trabalho merecia um Oscar. Só falta a reforma do nosso Ecoponto. Aqui, antes, tinha os tambores que eram pequenos, com os laranjões melhorou muito. A sugestão é que precisam ser lavados sempre, e a retirada de lixo ser diária, para não virar um depósito”, relata Luciano Aragão, vice-presidente da Associação de Moradores de Marcílio Dias.
O lixo é mais que uma questão ambiental
Para o ambientalista Sergio Ricardo, nas favelas o lixo se torna situação de saúde pública. “Nas comunidades, há acúmulo nas caçambas e terrenos baldios. O que causa proliferação de vetores, como ratos. Quando a coleta domiciliar é deficitária, o destino são os canais e valões. As inundações levam o lixo para a Baía de Guanabara, que recebe 40 toneladas por dia de lixo flutuante. O Canal do Cunha é muito prejudicado e os pescadores acabam vivendo uma situação precária. A sociedade precisa cobrar o retorno da coleta domiciliar”, ressalta.
Ele diz que a cidade produz cerca de 10 mil toneladas de lixo por dia. Desse montante, apenas 1% do lixo é reciclado. “A coleta seletiva é quase restrita à Zona Sul. A cidade recebeu uma doação do BNDES, a peso perdido, para criar seis galpões de reciclagens. Só conseguiu fazer um em Irajá, e com limitações. Esses galpões seriam a solução, um legado da Rio+20, que não aconteceu. Minha ideia é reivindicar esses galpões e um próximo à Maré”, afirma.
O ambientalista critica o não funcionamento da usina de reciclagem do Caju. Poderia ocorrer uma separação do lixo, que é formado por 60% de materiais orgânicos, que poderiam se transformar em adubo, compostagem ou energia renovada. O restante do lixo é reciclável. Outra questão está nos aterros, onde ocorre a eliminação de gás metano, que é mais poluidor que o gás carbônico, mas que pode ser reutilizado se for captado corretamente. Outro problema é o chorume, que é o líquido do lixo que vai para os rios.
Sérgio ressalta que a política nacional de resíduos sólidos, que determina que todos os municípios implantem a coleta seletiva com participação de cooperativas ou associações de catadores formadas por pessoas físicas de baixa renda, já deveria estar em vigor. “A Comlurb tinha de ter uma ligação com os catadores, como mão de obra. Isso iria diminuir o orçamento da empresa que chega a um bilhão de reais, só perdendo para a saúde e educação. Essa parceria iria diminuir o transporte de lixo, que chega a percorrer 80 km por dia, sendo todo terceirizado. Esse lixo é levado para o aterro terceirizado de Seropédica”, diz.
A coleta do lixo na Maré
A Comlurb disse, em nota, que a coleta domiciliar é feita diariamente na Maré, e em Marcílio Dias, de segunda-feira a sábado, com utilização de um trator. Declarou que os contêineres metálicos automatizados (laranjões) melhoram a qualidade de vida dos moradores, pois facilitam o descarte correto do lixo, com tampa acionada por pedal, sistema de esvaziamento por caminhão de carga lateral, lavagem periódica e capacidade para armazenar 900 kg de resíduos cada.
Sobre o lixo que fica no chão, próximo aos latões, a empresa disse que apesar de já ter sido orientados, os moradores ainda não se conscientizaram de que o lixo deve ser colocado devidamente nos laranjões, cuja tampa é acionada por pedal. Alguns ainda jogam os resíduos no chão ou mandam crianças, que por não alcançarem o pedal, deixam o lixo no chão.
Sobre o fato de os latões estarem abertos e reunindo insetos, a empresa disse que os laranjões, normalmente utilizados ficam fechados, acondicionando devidamente os resíduos. E que houve um trabalho de conscientização com o grupo Chegando de Surpresa e o gari Renato Sorriso, que orientaram os moradores como acionar o pedal e dispor os resíduos. Para não ter mau cheiro, os laranjões são lavados uma vez por semana com a utilização de um carro-pipa.
Ausência de Lixeiras
Nas ruas da Maré não existem latas de lixo nos postes, como no restante da cidade. Essa ausência deixa as ruas sujas. A Comlurb esclareceu que os garis comunitários varrem as ruas, becos e vielas. Trata-se de uma área de comunidade, onde ainda há resistência da população em colocar o lixo no horário da coleta, descartado indevidamente pela comunidade. E que esses mesmos garis comunitários realizam trimestralmente a retirada de lixo dos valões locais.
Quem vive na Nova Holanda convive com a montanha de lixo na sede da Comlurb. A empresa explicou que os carroceiros não podem ser impedidos de jogar os resíduos e, uma vez que jogam em qualquer lugar, contribuem para a desordem urbana. E que moradores do entorno utilizam o espaço como área de descarte devido a obras que fazem em suas residências e também descartam os detritos orgânicos.
Sobre a educação ambiental, a empresa assegurou que são realizados trabalhos de conscientização, com a utilização de panfletos, orientando os moradores sobre o horário de coleta de lixo e a forma correta de descarte do lixo domiciliar e de entulho de obras. Pediu que todos colaborem para manter a comunidade mais limpa. E fez a promessa de ter estudos para implantar a coleta seletiva na Maré.