Há vida em suas veias

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Hélio Euclides

Ainda na infância, aprendemos que para salvar vidas é preciso ter capa, máscara, um uniforme colorido, ou seja, ser um super-herói. Na maturidade aprende-se que para salvar vidas não é preciso nada disso. Alguns minutos de disposição para sentar-se numa cadeira e realizar uma doação de sangue já é o suficiente. Próximo à Maré, existe o Banco de Sangue Pedro Clóvis Junqueira, localizado no Hospital Federal de Bonsucesso (HFB). Apesar da proximidade, poucos moradores realizam suas doações, o que deixa o espaço vazio.

No dia 11 de outubro, até às 11h, o banco de sangue só tinha coletado oito bolsas. “Isso é nada, tinha de ter acima de 30 bolsas. Precisamos da conscientização de todos, até do patrão, que por lei só libera o funcionário uma única vez ao ano e poderia fazer outras vezes por um ato de solidariedade”, diz Clara Regina, enfermeira. O banco de sangue está capacitado para receber 50 doações diárias, mas a média é de 10 doadores.

Essa situação pode mudar com o exemplo de algumas pessoas. “Há 20 anos virei doadora, porque um amigo do trabalho necessitou; desde então passei a doar. Meu sentimento é de gratidão, tendo a oportunidade de ajudar o próximo. É uma alegria e satisfação de dever cumprido. Já consegui convencer as minhas três irmãs e minha cunhada, hoje todas são doadoras. Acredito que as pessoas deveriam ter mais consciência e amor ao próximo, saindo do comodismo e fazer sua doação regulamente”, afirma Jacy Matias, moradora do Morro do Timbau.

 

Sangue é vida

Para sensibilizar os futuros doadores, a assessoria de comunicação do HFB lembra que o sangue é predominantemente usado em cirurgias do Hospital, de 40 especialidades, incluindo de baleados. Qualquer cirurgia, para ser realizada, precisa de uma bolsa de sangue. “É importante ter doadores fiéis. Não é para doar só quando tem um doente precisando. O nosso problema são os feriados, quando o estoque fica crítico. O Dia do Doador, 25 de novembro, é uma data estratégica para conseguir sangue no final do ano”, ressalta Tânia Marques, responsável técnica pelo banco de sangue. Ela lembra que o homem pode doar até quatro vezes, e a mulher até três vezes ao ano.

“Qualquer sangue é válido. Sangue é sangue. Não existe tipo específico que precisamos, todos são necessários. Sangue é o transplante de um órgão líquido”, conta Conceição Guedes, técnica de enfermagem. Regina Lúcia, médica, revela que o banco não tem sangue disponível se acontecer uma tragédia. “Para mudar essa situação, precisamos acabar com mitos. Ressaltar que o sangue não engrossa e que a medula óssea trabalha direto, a renovação do sangue é imediata”, afirma. João Neto, biólogo, é ainda mais esclarecedor: “um órgão pode ser substituído por uma prótese, mas o sangue só pode ser substituído por ele mesmo”, resume.

A quantidade baixa de bolsas já alerta doadores. “Sempre fui doador para ajudar no deficit que existe”, expõe Henrique Eduardo, doador fiel do Hospital. O incentivo muitas vezes funciona. “Sou doador voluntário desde os 18 anos, começou quando a faculdade pediu aos seus alunos, e continuei”, comenta Yuri Pereira, de 22 anos. Para muitos, nem a pouca idade é um empecilho para a doação. “Senti vontade de ajudar outras pessoas com meu sangue, então conversei com minha mãe, que aprovou e assinou a autorização”, exalta Juliana Paula, de 17 anos.

 

Doação: uma questão de mobilização

Muitas vezes, para atingir um objetivo é preciso um empurrãozinho. É isso que Leonardo Borges, educador físico da Clínica da Família Adib

Leonardo Borges levou a aluna Valdenia Barroso para doar | Foto: Elisângela Leite

Jatene e do Centro Municipal de Saúde Vila do João, realiza com os alunos do projeto Academia Carioca. Ele leva alunos e agentes de saúde para doar sangue no HFB. “Começou como uma demanda da Secretaria Municipal de Saúde numa disputa interna entre as academias cariocas, para saber qual é o professor que levaria mais pessoas para doar”, afirma.

A caravana de doadores começou com 17 doadores, na segunda já estiveram 22 presentes, e a terceira teve 29 voluntários. A última ficou na média com 23 doações. O grupo já pensa na quinta leva de doações, no final de novembro. Uma das descobertas dessas mobilizações foi que Leonardo também se tornou um doador. “Eu sempre tive muito medo da agulha, e cada um incentivou o outro. Só incomoda no início quando fura o braço, mas depois passa, os profissionais nos deixam calmos. Agora sinto satisfação de ajudar alguém, foi uma das melhores coisas que fiz”, conta.

Uma de suas alunas é Valdenia Barroso, moradora da Vila do João, que também sentiu a felicidade de ser doadora de sangue. “Eu tinha medo da agulha, depois vi que não dói e fiquei pensando na próxima. Me colocaram nessa, doei duas vezes e gostei. É uma emoção poder ajudar a alguém que precisa do nosso sangue. Recomendo a quem possa, que doe”, revela. Valdenia agora vai fazer uma cirurgia e começa a mobilizar outros a doarem para ela. “É um ciclo, agora incentivo que outros doem para mim”, resume.

 

O centro de distribuição de sangue

O Hemorio é um hemocentro que distribui sangue para 180 hospitais públicos, incluindo grandes emergências, como a dos hospitais Getúlio Vargas, Souza Aguiar e Miguel Couto, maternidades, Unidades de Tratamento Intensivo Neonatais e conveniados com o Sistema Único de Saúde (SUS). No estado do Rio de Janeiro, apenas 0,98% da população doa sangue com regularidade. A Organização Mundial de Saúde orienta que entre 3 e 5% da população deve doar para que os estoques se mantenham sempre regulares. Cada bolsa de 500ml de sangue pode salvar quatro vidas.

O Hemorio lembra que o organismo repõe o volume de sangue doado no mesmo dia. A recomendação é beber bastante líquido, e não fazer esforços físicos. Destaca que o mais importante é compartilhar a experiência com amigos para que eles também se sintam motivados a doar sangue.

 

Além do sangue, há a doação de medula óssea

O Instituto Nacional de Câncer (INCA) coordena o registro nacional de doadores voluntários de medula óssea. O cadastro conta com mais de 4 milhões de inscritos. Com isso, a chance de se encontrar um doador compatível pode chegar a 64%. Para aumentar essa porcentagem é necessário acrescentar um número maior de doadores e fazer a atualização de cadastros.

O transplante de medula óssea é um tipo de tratamento proposto para algumas doenças que afetam as células do sangue, como as leucemias e os linfomas. Consiste na substituição de uma medula óssea doente, ou deficitária, por células normais da medula óssea, com o objetivo de reconstituição de uma nova medula saudável.

A medula óssea é um tecido líquido-gelatinoso que ocupa o interior dos ossos, sendo conhecido popularmente por “tutano”. Ela desempenha um papel fundamental no desenvolvimento das células sanguíneas, pois é lá que são produzidos os leucócitos, que são os glóbulos brancos; as hemácias, que são os glóbulos vermelhos; e as plaquetas. Essas são as células substituídas no transplante de medula.

A coleta de células para o transplante pode ser feita por meio de uma pequena cirurgia, sob anestesia geral, de aproximadamente 90 minutos, na qual são realizadas de quatro a oito punções com agulhas nos ossos da bacia, para que seja aspirada parte da medula. Retira-se um volume de medula de 15ml por quilo de peso do doador. Essa retirada não causa qualquer comprometimento à saúde do doador, que recebe alta no dia seguinte ao procedimento. A medula se recompõe em 15 dias, sem nenhum prejuízo à saúde.

No momento, o Hemorio não está fazendo o cadastro para doação de medula, mas no Instituto Nacional de Câncer (INCA) se faz a coleta de sangue e o cadastramento de doadores voluntários.

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