Uma trajetória de luta pela cultura negra

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Hélio Euclides

Quando se pensa em cultura negra no Brasil logo nos remetemos a luta do ativista  Abdias Nascimento pelo povo afrodescendente. Uma pessoa à frente de seu tempo, que lutava contra toda forma de discriminação racial, com uma trajetória incansável. Abdias deixou um vasto legado, como obras que se encontram no Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (IPEAFRO). Após sua morte, a esposa e cofundadora do IPEAFRO, Elisa Larkin, continua a trajetória de luta pela igualdade racial.

Muito jovem Abdias já se revelava questionador das desigualdades raciais.  No exército resistiu ao racismo e foi expulso por não aceitar entrar pela porta dos fundos. Indo morar fora do país, na Bolívia e na Argentina,em ____ entrou em contato com muitas experiências no campo das artes, em especial com o Teatro de Puebla. Voltou em 1941 para o Brasil  e quando chegou em São Paulo foi preso à revelia pelo Exército indo para o, então,  presídio do Carandiru. Abdias não se calou e fundou o Teatro dos Sentenciados, o qual os detentos faziam apresentações uns para os outros. Dentro do presídio criou o Jornal Interno. Este  falava da política penitenciária, num período que ainda se pensava no local para recuperáveis. Lá entrevistou  presos e escreveu dois livros, ainda inéditos.

Em 1944, criou o Teatro Experimental do Negro que trouxe a cultura negra para o povo. Nesse  período os negros e as negras  não podiam ficar na platéia. O lugar reservado no teatro era na faxina. Ele desnaturalizo a ideia de  teatro só para os brancos. “No combate ao racismo, para ele, não há divisão entre política e cultura. Lutava contra a discriminação, e sua bandeira era a integração. Ele combatia o estereótipo do negro pobre, sujo e bêbado. Os atores se apresentavam em grande estilo. Traziam a bandeira da luta contra a discriminação nacional e cultural. Preservavam a própria cultura”, relata Elisa.

Em 1945,fez um manifesto contra o racismo, no qual conseguiu a adesão de todos os partidos, visando influir na Constituinte de 1946. Mas o texto não foi incluído na redação final da Constituição.Em 1949, realizou uma conferência em preparação ao primeiro congresso negro. Escreveu o livro “Revoltado”, dos anais do Congresso, em que mostra a necessidade do Museu de Arte Negra, do qual assumiu a curadoria em 1955.No mesmo ano, no Congresso Eucarístico Mundial, propôs um Cristo negro, e incentivou artistas a perceber que na arte moderna brasileira a presença da cultura africana era necessária. Numa tendência de encontro entre a Europa e a África, Abdias se propôs a discutir o assunto começando  a colocar suas ideias nas suas próprias pinturas.

Exilado em 1968, no período do Ato Institucional Número Cinco, AI-5, Abdias fez exposição nos Estados Unidos. Com

DIVULGAÇÃO IPEAFRO Abdias criou o teatro experimental do negro, trouxe a cultura negra para o povo e quebrou o teatro só para brancos
Abdias criou o teatro experimental do negro, trouxe a cultura negra para o povo e quebrou o teatro só para brancos

o retorno ao Brasil, atuou pela redemocratização do país. Criou com Leonel Brizola, no PDT, uma secretaria interna dos movimentos negros, responsável pelo combate ao racismo. O pensamento de Abdias é que o negro seja o autor da mudança. No ano de 1981, fundou o IPEAFRO na PUC-SP. Em 1983,foi eleito único deputado federal negro, com o lema de que o racismo lesa a humanidade. Propôs projetos de ação compensatória, o ensino africano nas escolas, criação das cotas para o ensino superior e mercado de trabalho, mas nada foi aprovado. Só em 1996, que o assunto voltouà tona. E um ano depois foi eleito senador da República.

No Rio de Janeiro, Abdias foi por duas vezes Secretário de Estado, de Defesa e Promoção das Populações Afro-Brasileiras e de Direitos Humanos e Cidadania. Abdias durante toda a sua vida levou ao mundo a denúncia do racismo. Ele lançou diversas publicações que mostram que o Brasil precisa avançar na questão racial.

IPEAFRO E ABDIAS HOJE

O IPEAFRO, hoje localizado no Rio de Janeiro, no bairro da Glória, tem o papel de preservar o acervo documental, que reúne obras de artes de Abdias e artistas negros. O trabalho é constante para a preservação, com atividades de microfilmagem e catalogação para a organização e divulgação do acervo. Parte dessas obras que se encontram no Instituto vai para São Paulo onde ocorre, até 15 de janeiro, a Ocupação Abdias Nascimento. Um dos pontos altos da festa será o lançamento da reedição do livro: “O genocídio do negro brasileiro”.

ELISA LARKIN E A CULTURA NEGRA

À frente do IPEAFRO, a doutora em psicologia e mestre em direito e em ciências sociais, Elisa Larkin, mostra com orgulho o seu grande trabalho na parede, o qual denomina de a linha do tempo dos povos africanos. Elisa destaca que a sociedade, de modo geral,sempre associa a cultura erudita ao europeu, mas omite o conhecimento dos africanos. “Meu trabalho é trazer informações que ajude a superar essa ideia. A linha do tempo dos povos africanos insere o  erudito ao negro, apaga aquela história de que o negro começou como escravo e não tem nada mais no passado, algo reduzido”, acentua. Para ela, o negro trouxe a cultura lúdica e conhecimento com o divino, algo de filosofia. “Eles chegaram aqui ao Brasil trazendo a sua própria cultura”, resume.

A pesquisa mostra que na África nasceu à base da cultura erudita. Elisa coloca que os gregos foram à África buscar conhecimento e isso enriqueceu a civilização, por volta de 4.500 antes de Cristo. Segundo Elisa, nesse período começa a cultura negra. “Em alguns desenhos mostram o faraó egípcio branco, de uma África do Norte, isso é balela. A África é negra, tem a miscigenação, mas é africano. Se teve a ideia que a embarcação portuguesa veio em nossas terras primeiro, só que não tinham sofisticação nenhuma, os egípcios tinham bem antes embarcações de papiro, algo criado na África”, exalta.

Quando abrimos alguns livros de história, se apreende o mundo a partir da Grécia, nos quais os egípcios medem a altura das pirâmides pela sombra delas. O que se percebe uma construção com conhecimento geométrico e matemático. “As pirâmides não surgiram sozinhas, tem toda uma história, se não é tudo anedota”, frisa. O trabalho feito pela Elisa é dividido quadro a quadro, começa em 4.500 anos antes de Cristo e dividido a cada 500 anos, até o século atual. “A linha do tempo impressa ficou com quatro metros e meio de comprimento, e o que conhecemos dos negros, na parte da escravidão tem apenas 29 centímetros. É muito pequeno, isso é achar que o africano sempre foi escravizado, e esquece-se de buscar a história de sabedoria desse povo, em todos os tempos”, explica.

“O Buda é negro, os indianos tem origem africana, em 2.000 anos antes de Cristo já tinha escultura negra. Se pensa sempre na história construída por brancos e louros, e não se lembra de Otelo de Shakespeare, que era negro. A própria Luzia, a primeira brasileira tinha o perfil negro”, comenta. Elisa acredita que op ovo asiático não estava sozinho há séculos atrás, a população negra estava presente. “Ocorreu à construção da tecnologia, do progresso e da organização política. A tribo não vive isoladamente, os negros eram impérios maiores do que os romanos. A linha do tempo do africano no mundo é um suprimento didático”, conclui.

Elisa Larkin e a linha do tempo dos povos africanos
Elisa Larkin e a linha do tempo dos povos africanos

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