O 8 de Março ainda é um Dia de Luta

Data:

Num País extremamente desigual, as mulheres ainda sofrem com a violência

Ana Paula Lisboa

Criamos o calendário não só para agrupar e dividir os dias, os meses e os anos, mas também para ter marcos civis e religiosos das culturas. Assim, a gente pode comemorar ou chorar: aniversários, festas, mortes. Somos seres que precisam ser lembrados para a celebração e também continuar na luta.

O 8 de março, por exemplo, Dia Internacional da Mulher, é uma data que surgiu em homenagem a mulheres trabalhadoras operárias do Século XIX. Cada vez mais, a data tem deixado de ser um dia para receber rosas dos homens, mas para conquistar mais respeito na luta por  direitos. Em nosso contexto, o direito mais importante é  o direito à vida e à segurança. O Brasil ocupa 5o lugar no ranking mundial de violência contra a mulher.

Em 25 de novembro celebra-se (e marcha-se) o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres. Segundo a Organização Mundial da Saúde, 35% das mulheres do mundo já sofreram violência física ou sexual, praticada por um parceiro íntimo. No Brasil, o número sobe para 70%.

Em 7 de agosto de 2006 entrou em vigor a Lei Maria da Penha. O nome é uma homenagem à mulher que, durante 23 anos, sofreu violência doméstica praticada pelo marido, que tentou assassiná-la duas vezes e a deixou paraplégica.

A Lei Maria da Penha

O caso de violência e falta de justiça de Maria da Penha foi tão o assustador que o Governo brasileiro se viu obrigado a criar um novo dispositivo legal que trouxesse maior eficácia na prevenção e punição da violência doméstica e familiar. Isso aconteceu depois que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos recomendou a finalização do processo penal do então ex-marido de Maria da Penha, a realização de investigações sobre as irregularidades e os atrasos no processo e a reparação simbólica e material à vítima.

A Lei descreve como violência doméstica qualquer tipo de ação ou omissão que cause dano físico, psicológico, moral, patrimonial ou sexual à mulher dentro do ambiente doméstico, familiar ou em uma relação íntima de afeto.

A Lei fez mudanças na Constituição e penaliza agressões feitas por qualquer pessoa que more com a agredida, da família ou tenha uma relação próxima. Não precisa ser o marido, a Lei enquadra outra mulher (se for uma relação homoafetiva) pai, mãe, filha, filho, irmãos, namorado, amigo, colega.

As agressões não precisam ser físicas, considerando também ameaças, constrangimento, humilhação, vigilância, perseguição, chantagem ou qualquer outro tipo de atitude que cause dano emocional e diminuição de autoestima ou que queira controlar suas ações. Além disso, qualquer conduta que obrigue a mulher a presenciar, manter ou participar de relação sexual sem sua vontade, que a impeça de usar método contraceptivo, que force gravidez, aborto ou prostituição. E vai ainda mais longe, criminalizando a retenção ou destruição de qualquer bem ou dinheiro da mulher. Calúnia, difamação ou injúria. Apesar dos índices ainda altos de violência, um legado desses abusos foi, quase 12 anos depois,  o aumento das denúncias.

 

As Delegacias da Mulher abriram novos horizontes

Desde 6 de agosto de 1985, data da abertura da primeira Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM), em São Paulo, as mulheres têm uma instância de Segurança Pública especializada na investigação de crimes de violência doméstica e sexual. A inauguração foi, não por acaso, cinco anos após as primeiras pesquisas que trataram desse tipo de violência.

A partir da Lei Maria da Penha, o papel das DEAMs foi ampliado e elas passam a agir não só na punição, mas também em ações de prevenção e proteção às vítimas. Deixou de valer o ditado que em briga de marido e mulher nem a polícia deveria meter a colher.

Na teoria, tanto a Lei quanto as DEAMs são o mundo ideal, mas em todo o Estado do Rio de Janeiro são somente 15 delegacias.

Isso explica os dados do Atlas da Violência, divulgado em 5 de agosto de 2017: entre os anos de 2005 e 2015 houve um aumento de 7,5% na taxa de homicídio de mulheres no Brasil.

Em 9 de março de 2015, entra em vigor a Lei que coloca o assassinato de mulheres como crime hediondo: a Lei do Feminicídio. O feminicídio é caracterizado quando a mulher é assassinada justamente pelo fato de ser mulher. Nessa análise entram crimes cometidos com requintes de crueldade, como mutilação dos seios ou outras partes do corpo, que caracterizam o gênero feminino.  Assassinatos cometidos pelos parceiros ou familiares, dentro de casa. Também casos em que o assassino mata por entender que a mulher está ocupando um lugar exclusivo do homem, geralmente na profissão.

Mais assustador ainda é quando se lança a lupa racial nos dados: enquanto a taxa de violência sofrida por mulheres não negras caiu 7,4% , o número para mulheres negras aumentou 22% no mesmo período.

Será então que na favela é diferente?

A pesquisa “Cidades Saudáveis, Seguras e com Equidade de Gêneros: Perspectivas Transnacionais sobre Violência Urbana contra Mulheres”, realizada entre novembro 2016 e dezembro de 2017, analisou as dinâmicas e percepções da violência contra a mulher nas comunidades do Complexo da Maré. Entrevistou, em suas casas, 801 moradoras, de quinze das dezesseis comunidades,  e partiu da premissa:  “generalização da violência machista e sexista contribui para que algumas mulheres culpem as vítimas, reproduzindo a violência que as oprime”. Além disso, que “as características da vida urbana no Brasil (violência dos grupos armados) contribuem para a perpetração de violência baseada no gênero.”

Ainda segundo a pesquisa, a “agressão física, associada à violência psicológica,  foi a forma mais recorrente em 34% das respostas; 15% das mulheres indicaram a palavra agressão de modo não específico; 14% definiram violência como a composição de múltiplas formas de agressão, violação e maus-tratos; 10% não responderam. Essa incidência expressiva de não resposta chama a atenção, considerando que a violência é um evento com o qual, necessariamente, entramos em contato, seja como autor, vítima ou espectador.”

Em contraponto, inaugura-se, em novembro de 2016, a Casa das Mulheres da Maré, decorrente do projeto “Maré Sabores”, conduzido, há oito anos, pela Redes de Desenvolvimento e que oferece oficinas de qualificação profissional em Gastronomia para mulheres.

A Redes da Maré atendeu e identificou em seus anos de atuação no território números alarmantes de mulheres vítimas de diferentes tipos de violência e concluiu que umas das soluções era a geração de renda e aumento de escolaridade, assim como apoio jurídico e psicológico.

A Central de Atendimento à Mulher [Disque 180] atendeu a mais de 1 milhão de denúncias em 2016 e, assim, percebe-se que a criação de leis para a punição dos agressores foi importante, mas é preciso que  sejam ampliadas as redes de apoio e atendimento às mulheres que denunciam. Também campanhas de educação altamente difundidas na TV e Internet,  ações de prevenção que envolvam crianças e adolescentes, meninos e meninas, para que as próximas gerações não difundam os mesmos pensamentos e ações.

Se não for assim, continuaremos a ter dias como o 14 de janeiro de 2017, em que o corpo de Silmânia Maria de Lima, a Simone, cabeleireira na Nova Holanda, foi encontrado dentro de um valão e a família segue até hoje sem respostas.

Compartilhar notícia:

Inscreva-se

Mais notícias
Related

Migrantes africanos preservam a origem e criam novas expressões culturais na Maré

Dentro do bairro Maré, existe um outro bairro: o Bairro dos Angolanos. O local abriga a comunidade migrante no território que, de acordo com o Censo Maré (2019), conta com 278 moradores estrangeiros.

Por que a ADPF DAS favelas não pode acabar

A ADPF 635, em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), é um importante instrumento jurídico para garantir os direitos previstos na Constituição e tem como principal objetivo a redução da letalidade policial.