Sobre quebra de sigilo e afronta ao direito à privacidade nas abordagens policiais
Ultimamente tem-se recebido diversas queixas por parte dos moradores da Maré a respeito da mais nova estratégia ilegal promovida pelas forças policiais durante as abordagens: a apreensão forçosa e sem ordem judicial dos seus celulares, e a consequente análise do conteúdo e das informações presentes nos aparelhos.
Não há dúvidas quanto à inconstitucionalidade da prática em questão, já que o sigilo à comunicação e o direito à privacidade são direitos humanos fundamentais, constituindo-se como direitos individuais e coletivos (CF, artigo 5º, X e XIII). Desta forma, claramente há abuso de autoridade por parte dos policiais quando vasculham os celulares, como também crime de quebra de sigilo, o que se dá em plena consciência deles, uma vez que estão cientes da necessidade de ordem judicial para realizar tal medida. Sendo que antes de qualquer quebra de sigilo nesse sentido, a Polícia é obrigada pela lei a tentar outros caminhos na investigação, pois a medida deveria ter caráter excepcional.
A situação é bem complicada, pois se sabe que ninguém está em completo domínio de sua vontade frente ao desconforto e à coação das abordagens, e frente a isso, em muitos os casos os moradores acabam cedendo o acesso ao próprio celular. É importante, então, que os moradores tenham conhecimento da ilegalidade de tal estratégia da Policia Militar, e busquem resistir frente a isso, questionando em toda e qualquer oportunidade se existe uma ordem judicial para tanto.
O cenário se torna ainda mais crítico quando a autoridade policial disponibiliza o material coletado para a imprensa, a fim de se criar um estereótipo que implicará na culpabilidade e no respectivo julgamento antecipado do indivíduo que ainda está sendo julgado. Isto se viu na última operação policial na Maré, no dia 22 de fevereiro de 2018, quando um jovem que teve seu celular apreendido e o conteúdo do mesmo divulgado para a imprensa.
Casos como esses, demonstram tamanha as violências e violações de direitos sofridas pelas moradoras e moradores de favelas. Estas e tantas outras práticas das forças policiais reforçam o processo de criminalização da favela e de seus moradores, bem como, reforça a concepção de que o direito, e todo pressuposto legal, estaria em suspenso nas favelas. Neste sentido, mostra-se de suma importância reforçar a percepção da Segurança Pública e acesso a justiça como direito de toda população da Maré e de todas as favelas do Rio de Janeiro.