Maré de Notícias #88 – maio de 2018
Milhares de jovens se arriscam nos gramados, mas poucos conseguem sucesso
Hélio Euclides
– “Amor, ele está chutando”.
– “Esse meu filho vai ser jogador de futebol”!
Esse é um diálogo muito comum entre as grávidas e seus companheiros. Ainda na barriga, o bebê do sexo masculino já tem de lidar com a expectativa dos pais de entrar no mercado do futebol, ficar milionário e virar celebridade internacional, afinal o Brasil é o “país do futebol”. Contudo, a realidade mostra que, para a maioria, ser um jogador de futebol não é um “mar de rosas”. O desejo de ter fama e muito dinheiro é pura ilusão. Num universo de 28 mil jogadores profissionais do País, 23.238, equivalentes a 82,40%, recebem apenas R$ 1.000,00, segundo dados da Confederação Brasileira de Futebol.
Nivaldo João da Silva, o Godoy, de 55 anos, é um exemplo das dificuldades do futebol.
Começou a jogar na Portuguesa, com 14 anos, no infantil, em 1977. Aos 17 anos foi para o juvenil do Olaria, onde ficou por quatro anos. Depois foi para o Mesquita, por empréstimo, onde chegou a ser campeão. E não parou por aí, com passagem pelo Rubro, Araruama, Vila Nova de Goiás e Rio Branco do Espírito Santo. “Aos 24 anos perdi a paciência, cansei dos empréstimos do Olaria, que eram sempre de seis meses. Não quis saber de jogar futebol, só cuidar da minha filha, que na época tinha dois anos”. Godoy conta que depois do prematuro encerramento de carreira, virou comerciante na Praia de Ramos e atuou em dois projetos de escolinhas. “O que ganhei foi amizade, como Ailton (Flamengo) e Gonçalves (Botafogo). Cheguei a jogar com eles no início de carreira; tiveram mais sorte. Entendo que é preciso acreditar no sonho de ser jogador profissional. Mas é necessário preparar o garoto para saber que, numa peneira, em que existem 100 meninos, vão ser aprovados um ou dois. Ele precisa ter talento, mas saber que o futebol é competitivo e complicado”.
Ele adverte que é preciso ter dinheiro no início da carreira, para transporte e alimentação. Outra dificuldade que relata são os contratos de curto prazo, em clubes pequenos, com salários baixos. “É difícil e sacrificante chegar a jogar num clube de 1ª divisão. Hoje tem jogador sem emprego, que o sindicato mantém e indica para um clube. O ideal é o menino estudar, não só para ter uma profissão, mas para ser um bom cidadão, antes de ser um bom profissional”, adverte o ex-jogador que concluiu o Ensino Médio.
O vaivém nos clubes
No passado, era comum encontrar jogadores que passavam a vida toda em um mesmo clube. Hoje isso é quase impossível. Leo Oliveira, 35 anos, começou a mostrar seu talento aos nove anos, numa escolinha na Nova Holanda. Depois foi para o São Cristóvão, em 1999. Mesmo clube no qual começou Ronaldo Fenômeno. Saiu do Estado e foi jogar no Veranópolis, do Rio Grande do Sul. Depois seguiu para o Leopoldina, de Minas Gerais, e retornou ao Veranópolis. Em 2002, se tornou profissional, no Tupã, de São Paulo, jogou a Copa São Paulo de Juniores e partiu para o Marília, também de São Paulo.
Leo voltou para o Rio de Janeiro, jogou no Nova Iguaçu e, em 2006, chegou ao Flamengo, mas não conseguiu se firmar. Em seguida foi para o Gama, do Distrito Federal. Regressou ao Rio para jogar na Portuguesa, Mesquita e Madureira. Retornou para Brasília, onde defendeu o Brasiliense. Nesse vaivém, circulou ainda pelo Duque de Caxias, América, Bonsucesso, Volta Redonda e Olaria. Em 2015, foi para o Espírito Santo e jogou em dois clubes, Rio Branco e Real Nordeste. No ano passado jogou no Americano, de Campos, e no Peñarol, do Amazonas. Este ano está sem clube.
“Esse vaivém me prejudicou, tive de parar os estudos na 7ª série, agora penso em terminar. O futebol sempre foi injusto, você pode jogar bem, mas precisa de empresários para valorizá-lo no mercado. É preciso ter vontade, pois tem coisa que desanima, já que o empresário influencia para ajudar, mas também para te tirar de clube. O empresário rouba o sonho das crianças, ele visa só o dinheiro”, denuncia Leo. Em palestras que realiza, ressalta que o garoto precisa estudar para não depender só do futebol para sobreviver.
Para ele, a família precisa incentivar o garoto a estudar, pois a carreira é curta, já que, além da idade, o jogador tem de lidar com as lesões. “O problema é que hoje o menino quer ser milionário, e não apenas ganhar um dinheirinho. No meu caso, valeu a pena investir no sonho, pois consegui ser um jogador profissional e ter uma casa própria”.
O Futebol na Maré
O Real Maré é um dos quatro clubes do conjunto de favelas. Ele disputa competições, como o Torneio Seletivo da Copa Rio e o Carioca Amador da Capital. O clube tem mais de 60 atletas, sendo sete do Maranhão. Um deles é Gabriel Oliveira, 17 anos, que está na cidade há quatro meses. “No Nordeste é difícil demais, não tem tantos clubes. Resolvi vir buscar o meu sonho, na esperança de conseguir o objetivo. Mas não parei de estudar, estou no 2º ano do Ensino Médio. Caso não consiga nada no futebol, pretendo fazer faculdade de Educação Física e conseguir um emprego num clube como preparador físico”, relata.
Para Cecílio Marques, 29 anos, treinador do clube, cada um precisa matar dois leões por dia. “No mundo do futebol dificilmente todos vão virar profissionais. Acredito que chegue a 10%; o que distancia são as dificuldades com transporte e patrocínio, que deixam o atleta sem o conforto necessário”. Ele entende que cada um tem o objetivo de ser visto por clubes maiores, mas não é fácil.
Sidnei Alves, 55 anos, presidente do Real Maré, diz que são 20 anos de luta. “Falta financiamento; fomos convidados para ir a Minas Gerais e Argentina, mas faltou dinheiro para as passagens. O futebol é complexo, acham que ganho dinheiro aqui, não sabem que tem dia de dificuldade para comprar o pão. Algumas mães chegam aqui com contratos de empresários que desejam tirar tudo do aluno. Ele quer ganhar dinheiro em cima do atleta, são enrolões”, adverte.
Outro que realiza este tipo de trabalho na favela é Alexandre Pichetti, 40 anos, sendo 25 anos dedicados ao futebol, como árbitro e treinador. Ele acredita que antes era mais fácil virar profissional; hoje, o aluno bate num clube e volta para fora, em pouco tempo. “Hoje, sem empresários, os atletas no clube são meros alunos. O que falo pra eles, primeiro, é estudar, pois se não for jogador, vai ter outra profissão. Essa popularidade dos craques subiu à cabeça da garotada. Eles pensam em ser o novo Neymar, Messi ou Cristiano Ronaldo. Querem jogar com as chuteiras desses jogadores famosos, mas a condição financeira não dá, ou compram ou comem. Ensino que a chuteira não faz o jogador, melhor aprender quando criança, porque quando for adolescente, o tombo é maior”, afirma.
Para ser jogador é necessária ajuda financeira, são muitos gastos. O atleta só consegue receber do clube quando se profissionaliza. “Na infância, eu
sonhava em ser goleiro, mas meus pais não deixavam, e tinha de trabalhar. Não tinha apoio, então pulava o muro da Estação para pegar o trem com destino a Nova Iguaçu. Um dia cansei e parti para a arbitragem, na Maré”, lembra Pichetti.
As dificuldades da carreira já foram percebidas por Alexandre Quirino, 18 anos, preparador de goleiros da Escolinha Amigos Unidos e goleiro do Clube da Vila do João. Como goleiro, ele não está achando trabalho, então segue o mesmo destino do mestre e já procura a arbitragem como outro caminho profissional.
André de Souza, 47 anos, é pai de trigêmeos, todos na escolinha, e não foge de dar conselhos a eles. “Apoio no dia a dia deles, e não esqueço de lembrar que o estudo é o foco, pois se não for dessa área, tem de ter uma profissão”.
A Federação de Futebol do Rio de Janeiro informou que, em todas as categorias no ano de 2017, 48% dos atletas receberam entre um e dois salários mínimos. Ou seja, entre R$ 954,00 e R$ 1.908,00. Para Mauricio Murad, sociólogo e pesquisador, o futebol só é igual à riqueza, fama e idolatria para pouquíssimos atletas: “a maioria luta, luta e o resultado é muito pequeno, quando não fica bem próximo do declínio e da depressão. Poucos ganham muito e muitos ganham pouco, como em geral no País. O futebol acaba refletindo os problemas da vida social no Brasil”.