Estudantes da Maré sofrem com a violência

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Maré de Notícias #88 – maio de 2018

Em 2017 foram menos 35 dias de aula por conta dos confrontos armados

Maria Morganti

Se o mesmo aproveitamento do ano letivo de 2017 se repetisse nas escolas da Maré, os estudantes teriam, ao longo dos 14 anos do Ciclo da Educação Básica, dois anos e meio a menos de escolarização que o estabelecido pelo Ministério da Educação. É o que revela o Segundo Boletim Direito à Segurança na Maré, realizado pela ONG Redes da Maré. De acordo com o Documento, foram 35 dias sem aulas, 17,5% a menos que os 200 dias letivos obrigatórios, por causa de confrontos armados e operações policiais.

Crianças sobressaltadas

Conforme dados da Secretaria Municipal de Educação, 8.466 estudantes ficaram sem aulas em dias como esses no ano passado. Gisele Alves, 26 anos, moradora da Rubens Vaz, é mãe de dois desses alunos, Gabriel e Rafaelly Santos, de 7 e 4 anos. Ela conta que, além do medo do tiroteio, fica tudo mais difícil: “fica difícil, porque trabalho e só posso contar com a minha mãe pra ficar com eles. E ela já tem uma filha especial para cuidar. Além de prejudicar o desempenho de cada aluno”.

Para a psicopedagoga Waldirene Araujo, a violência e o estado de tensão gerados pelos conflitos armados e operações policiais afetam até os dias em que as aulas acontecem normalmente. “Num ambiente como este, as crianças sentem-se sempre sobressaltadas. Aliás, toda a comunidade escolar sente-se alerta todo o tempo”.

Com a violência perdem todos

Uma professora de uma creche municipal da Maré, que pediu para ter a identidade preservada, diz que  “quando tem muitos confrontos seguidos, as pessoas comentam muito que sentem vontade de pedir transferência para fora”.

Em sala de aula também há muitos sinais da violência. “Todo dia tenho de pedir para não brincar de arma, porque eles brincam, sim. Mas a gente não pode dizer que é uma questão só do lugar onde eles moram. Tem programas de televisão e desenhos que envolvem essa questão também. Mas todo brinquedo que eles pegam, querem fazer uma arma para poder brincar de dar tiro”.

No fim do ano passado, o Colégio Santa Mônica que, desde 2002, ocupava uma Unidade no 2º andar da Paróquia Jesus de Nazaré, na Baixa do Sapateiro, fechou. Os diretores da escola, que tinha 220 alunos matriculados e empregava 20 funcionários, disseram à época que o motivo era “a situação de crise no País”. Porém, um ex-funcionário entrevistado pelo repórter Hélio Euclides, do Maré de Notícias, revelou que “a violência foi a gota d’água”.

No dia 6 de fevereiro, uma terça-feira, 40 unidades escolares fecharam as portas por causa de uma operação realizada pela Polícia, de manhã. Sem aula, Jeremias Moraes, de 13 anos, aluno do CIEP Hélio Smidt, na Rubens Vaz, foi jogar bola. Um tiro que partiu de um caveirão, que entrava na Nova Holanda, o atingiu pelas costas. Foi levado para o Hospital Souza Aguiar, mas chegou sem vida.

Nenhum a menos

Para diminuir o impactos das violações de direitos, foi criado em agosto de 2014 o projeto Nenhum a Menos, que atende a cerca de 50 crianças de 8 a 12 anos. Segundo Inês Cristina Di Mare, coordenadora do projeto, o objetivo principal da iniciativa é alcançar crianças que estão fora da escola, com dificuldades de frequentar as unidades ou que vão, mas não conseguem aprender. “Nós atendemos às famílias das crianças com a equipe social para entender o que está acontecendo ali. Muitas vezes, a Educação aparece quase por último na lista de problemas que a família tem para resolver”.

Inês fala, emocionada, sobre a transformação que o mundo do conhecimento traz para crianças que se alfabetizaram no projeto, que funciona na Biblioteca da Lona Cultural Hebert Vianna. “A gente está conseguindo perceber um certo impacto na qualidade da aprendizagem da leitura e da escrita dessas crianças. A gente já fez rap, funk, estamos gravando audiovisual, eles estão vibrando em experimentar as coisas. O que eles estão aprendendo está servindo para eles usarem na vida e na transformação desse território”, avalia.

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