Casa das Mulheres da Maré completa dois anos

Data:

Maré de Notícias #94 – 01/11/2018

Atendimentos psico-sociojurídicos e cursos profissionalizantes já beneficiaram mais de 400 mulheres

A Casa das Mulheres da Maré acaba de completar dois anos com muitos motivos para comemorar. O espaço já realizou cerca de 400 atendimentos tanto nos serviços sociojurídicos, com advogadas, assistentes sociais e psicólogas, como nos cursos profissionalizantes de cabeleireiro, o “Maré de Belezas”, e o de gastronomia, o “Maré de Sabores”. Porém, o mais importante: a Casa é, para muitas mulheres da Maré, uma referência quando se pensa em um lugar de trocas de experiências, acolhimento e interação – e isso não pode ser quantificado.

Ana Maria de Oliveira Silva, de 44 anos, e moradora do Parque União desde os 8, é uma dessas mulheres. Ela, que frequenta o espaço desde a inauguração, conta que o lugar é um “refúgio”, e que depois que passou a frequentar a Casa, pôde “abrir a mente”. Ana Maria fez cursos de gastronomia e já se inscreveu no de cabelereiro, mas, pelo que diz, sua relação com a Casa vai muito além disso. “Eu adoro estar na Casa das Mulheres. É gostoso, aconchegante. Elas nos recepcionam hiperbem. Fora as aulas que nós temos. Principalmente as de gênero, que eu acho que, pra muitas, inclusive pra mim em alguns casos, foi bom pra ir pegando um pouco mais de informação. Eu era muito rígida de pensamento. Agora, a mente vai abrindo um pouquinho e eu consigo ser mais maleável”.

Além da própria experiência, Ana conta que conhece três mulheres que eram muito “desanimadas” e que, depois de frequentarem a Casa das Mulheres, passaram a ser “mais ativas, mais felizes”. Pra mim, a Casa das Mulheres é como se fosse uma terapia”, afirma.

Profissionalização e trocas

Segundo Andreza Jorge, coordenadora pedagógica da Casa e ganhadora do Prêmio Cláudia 2018 na categoria Revelação, todos os cursos profissionalizantes que acontecem na Casa das Mulheres sempre são acompanhados de aulas teóricas que associam temas relacionados à mulher na sociedade. Fora a realização das rodas de conversa.  “A ideia das rodas de conversa abertas e espontâneas é que elas aconteçam de dois em dois meses, sempre com um tema que também vai estar aliado a um calendário anual, uma data importante que marca alguma luta das mulheres e aí a gente convida pessoas para facilitar um bate-papo, composto pelas próprias alunas da Casa e outras mulheres que sempre venham aqui pra trocar”, explica.

Balanço de dois anos

 “É a realização de um sonho que era sonho mesmo e virou realidade”, conta Shirley, relembrando o tempo de idealização da Casa. Olhando para trás, a coordenadora avalia que o balanço do trabalho é positivo. “De fato, existe uma demanda muito grande de mulheres por um espaço não só que elas possam aprender alguma coisa, mas que possa ajudar a gerar renda para si mesmas, e também um lugar de acolhimento, de criação de vínculo. Onde elas acessem a Justiça com uma advogada, onde elas acessem uma assistente social. A nossa ideia é entender o que aquela mulher traz, precisa e quer, tentar encaminhá-la pra outro serviço, se esse for o desejo dela, ou incorporá-la à Casa por outras vias”.

Segundo Shirley, o atendimento interdisciplinar é um dos diferenciais mais importantes para as mulheres atendidas ou que simplesmente frequentam a Casa. “Às vezes, a queixa principal da pessoa é voltada para o direito, tem muita essa coisa do enfoque do direito, da advogada, da coisa legal. Mas, às vezes, você vai ver, o direito é o menor dos problemas dela”.

Para a coordenadora, todo o trabalho vale a pena quando vê a mudança no olhar das mulheres. “Elas descem com um sorriso de orelha a orelha, com uma cara, numa felicidade, numa alegria. Tudo vale a pena quando eu vejo o olhar delas mudar. Trabalho o ano inteiro pra isso mesmo”, conta, satisfeita.

Maré de Sabores e afetos

Parte do sonho realizado, ao qual Shirley se refere, é o que hoje se transformou no buffet comercial “Maré de Sabores”, que nasceu, antes mesmo da Casa das Mulheres, por iniciativa das primeiras mulheres formadas pelo projeto desenvolvido pela Redes da Maré, também chamado Maré de Sabores. Com oito anos de existência, a Empresa Maré de Sabores já serviu 40 mil pessoas em mais de 2 mil eventos, gerando renda direta para mais de 200 mulheres da Maré. “A gente imaginava que a formação em gastronomia ia fazer com que as mulheres tivessem autonomia, ou que elas se reconhecessem como lideranças nos empreendimentos comerciais da Maré e que elas pudessem ter esse tino de abrir seus próprios negócios. É um serviço que rompe com os estigmas da favela. A gente acaba levando para outros espaços essa potência e fazendo com que as pessoas experimentem essa potência. Isso é uma grande experiência”, conta a coordenadora da Empresa Maré de Sabores, Mariana Aleixo.

O Buffet Maré de Sabores funciona no 1º andar da Casa das Mulheres. Lá, são elaboradas as delícias que conquistaram a Maré e a cidade. O 2º andar da Casa é reservado para a cozinha-escola, onde, em parceria com a Casa das Mulheres, o buffet realiza oficinas para as mulheres da Maré que desejem aprender a arte da gastronomia. Já no 3º piso da casa, funciona o salão das aulas do Maré de Belezas.

Futuro da Casa das Mulheres

Com motivos de sobra para comemorar, no último dia 27 de outubro, a Casa das Mulheres celebrou os dois anos de existência. A comemoração contou com aula de yoga, barracas de artesanato, brechó e apresentações de dança. Questionada sobre os planos para o futuro, Shirley explica que a ideia é consolidar o espaço como ambiente de discussão. “Uma necessidade vital é manter o que já está acontecendo, a equipe trabalhando, fazer o 4º andar, a horta orgânica. Queremos fazer do espaço mais do que tem sido. E já tem sido coisa à beça. Que possa ser realmente um lugar de discussão sobre o feminismo, sobre a condição das mulheres, do feminismo negro, a condição das mulheres trans, do público LGBT. Então é fazer aquela roda continuar rodando, potencializar isso, e trazer mais mulheres, mais atividades”. Se depender da força das nossas tecedoras e das mulheres da Maré estes e muitos outros sonhos se concretizarão. E em breve.

 

Shirley Viella e Eliana Sousa Silva no momento da inauguração da Casa das Mulheres há dois anos | Foto: Elisângela Leite

Compartilhar notícia:

Inscreva-se

Mais notícias
Related

Por que a ADPF DAS favelas não pode acabar

A ADPF 635, em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), é um importante instrumento jurídico para garantir os direitos previstos na Constituição e tem como principal objetivo a redução da letalidade policial.