Maré de Notícias #94 – 01/11/2018
Espaços culturais da periferia lutam pela existência e iniciativas públicas têm sido fundamentais para que a população da periferia tenha acesso à cultura.
Hélio Euclides
O acesso à cultura ainda é privilégio de poucos. Enquanto o Centro e a Zona Sul da cidade concentram as mais variadas opções de lazer, a população da periferia tem de usar a criatividade ou enfrentar muitas horas de transporte público para usufruir do direito à cultura. Para resistir a essa situação, os próprios moradores e instituições da periferia arregaçam as mangas para prover de cultura a população. A única alternativa têm sido os espaços pertencentes à Prefeitura ou que contam com seu apoio financeiro.
Apesar das dificuldades, as manifestações artísticas da periferia são ricas e, mesmo sem os espaços físicos tradicionais, pessoas engajadas tentam promover transformações sociais pela arte. Uma dessas pessoas é Adailton Medeiros, do Ponto Cine, um projeto de difusão do Cinema brasileiro, por meio de ações sociais, incluindo cursos, diálogos e festivais que, por falta de recursos e apoios, interrompeu as atividades por nove meses, reabrindo somente em 11 de outubro deste ano. “Estamos distantes dos cartões postais do Rio. Ainda sofremos por falta de empenho não só do poder público, mas também do setor privado. Cultura deveria ocupar sempre um lugar de destaque nos programas de desenvolvimento do País”, diz.
O Ponto Cine começou com um projetor de lente de cristal líquido que Adailton comprou, montando o primeiro espaço de exibição, a Casa de Artes de Anchieta. Mas logo o espaço ficou pequeno e foi então exibir filmes nas calçadas, praças, ruas e escolas. Até que, com um grupo, montou a Lona Cultural Carlos Zéfiro e levou o cinema para as lonas. Participou do Projeto CinemaBR em Movimento e, numa das exibições alternativas na praça de alimentação do Guadalupe Shopping, foi convidado, pela administração, para montar uma sala no local. Atualmente, o Ponto Cine é o cinema mais premiado do Brasil e um dos mais estudados por faculdades e universidades. Um modelo original e único.
Para Egeu Laus, coordenador de Economia Criativa da Secretaria de Cultura e Turismo de Duque de Caxias, é muito importante levar cultura a regiões periféricas. “Historicamente, sabemos que as periferias são centros potentes de produção cultural. Daí surgiram duas frases emblemáticas que circulam entre operadores culturais dessas regiões: “toda periferia é um Centro e periferia não é carência, periferia é potência”, afirma. Para Egeu, o principal problema é que essas regiões ainda são pouco assistidas pelo poder público.
Iniciativas na Maré
A Lona Cultural Municipal Herbert Vianna foi aberta em 2005, com um show da banda Paralamas do Sucesso. Em 2009, a Redes da Maré assumiu a cogestão da Lona, numa parceria com a Secretaria Municipal de Cultura. O equipamento oferece espetáculos artísticos, cursos, oficinas e palestras. Na Lona, funciona também a Biblioteca Popular Municipal Jorge Amado. “É um espaço para crianças, que aprendem e se divertem. Além de diversão, é de graça, felicidade em dobro. Se não existisse esse ambiente, as crianças iam ficar na rua, como antes. É um lugar eclético, com circo, rock, funk, samba e teatro”, detalha Hudson Alves, pescador e morador da Nova Maré.
Com um público anual de 6 mil pessoas, a Lona conta com apresentações mensais como o Favela Rock Show, com bandas independentes do cenário carioca, levando sempre um grande público à Lona. No teatro, o destaque recente foi a encenação do espetáculo “O Pequeno Príncipe Preto”, que teve lotação máxima, com presença de crianças da Rede Municipal de Ensino. A Lona dispõe, ainda, de atividades principalmente voltadas para a arte e a educação, como oficinas de complementação pedagógica, iniciação musical, robótica e educação ambiental.
Aberto em 2009, o Centro de Artes da Maré (CAM) se encontra num galpão de 1,2 mil metros2 próximo à Avenida Brasil, na Nova Holanda. O Ponto de Cultura é fruto da parceria entre a Lia Rodrigues Companhia de Danças e a Redes da Maré, idealizado para a criação, formação e difusão das artes. “O importante, para nós, é a afirmação da dificuldade da manutenção de atividades de um espaço cultural sem apoio, bem como da importância das leis de incentivo nesse sentido e do entendimento dos apoiadores na valorização da arte e da cultura”, ressalta Isabella Porto, coordenadora da Escola Livre de Dança da Maré. O espaço vem se constituindo numa referência genuína para romper com a segmentação existente entre os diferentes territórios da cidade no campo do direito à arte.
Além de local de eventos, o CAM oferece oficinas – no momento são sete de dança e uma de teatro – atendendo a todas as faixas etárias. No CAM, há projetos da Escola Livre de Dança da Maré, que funciona desde 2011. Um ano depois, veio o Teatro em Comunidades, em parceria com a UNIRIO. “São ações continuadas promovidas no espaço. Além disso, há cineclube, shows musicais, debates, aulas públicas realizadas em parceria com diferentes parceiros”, lembra Isabella. Ela destaca a parceria com Lia Rodrigues, que realiza sua residência no local e um corpo de bailarinos cria e ensaia trabalhos, diariamente.
Alguns dos destaques do CAM foram a realização da Temporada Maré de Artes Cênicas, a estreia dos espetáculos da Lia Rodrigues Cia de Danças, entre eles: “Pororoca”, “Para que o Céu não Caia”, entre outros; o projeto “Ocupação”, com a apresentação da CIA Marginal, oficinas de Azulejaria e show da cantora Céu.
O Pontilhão Cultural, por sua vez, é tocado por um coletivo local e faz uso criativo do espaço debaixo da Linha Amarela. A iniciativa transformou, com sucesso, esse local de prática de esporte num point para eventos artísticos e culturais, que é usado por grupos de jovens em alguns finais de semana. No local, já ocorreu show de Frank Aguiar e diversos eventos dos funks das antigas, tudo a preços populares. Durante a semana, há atividades de lazer, como skate, escolinha de futebol, ginástica e outras práticas esportivas.