O direito da criança é ser criança

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Especialistas falam sobre as consequências do trabalho infantil na vida de crianças e adolescentes

Maré de Notícias #105 – outubro de 2019

Thaynara Santos

Outubro, o Mês das Crianças, traz à memória momentos de alegria e de muita brincadeira, porém, milhares de crianças e jovens vivem numa realidade diferente deste imaginário. Segundo o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), quase três milhões de meninas e meninos, de 5 a 17 anos, estão em situação de exploração infantil no País, atuando no mercado de trabalho de forma desprotegida e ilegal, como mostra também a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) realizada em 2015 pelo IBGE. Duas em cada três crianças são do gênero masculino. Esses dados são de três anos atrás e o cenário não parece melhorar.

Ajudar em casa, arrumando a cama e levando o lixo para fora, por exemplo, auxiliam a criança a desenvolver autonomia e responsabilidade, desde que as tarefas sejam simples e estejam de acordo com sua idade e seu desenvolvimento. A psicóloga clínica e diretora da ONG Casa da Árvore, que desenvolve projetos de atenção à infância e seus cuidadores, Fernanda Kut, explica os impactos na vida da criança: “O trabalho infantil pode gerar graves consequências ao desenvolvimento físico e psicológico de crianças e adolescentes, como estímulo ao consumo de álcool, tabagismo, ansiedade, depressão, fadiga e iniciação sexual precoce; a condição de pessoa em desenvolvimento nesta faixa etária evidencia que ela está em formação. Todas as pressões e compromissos que envolvem o exercício de uma atividade profissional podem representar um encargo que ainda não possuem condições de suportar”, diz.

Mas afinal, o que é trabalho infantil?

No Brasil, trabalho infantil é toda forma de trabalho realizado por crianças e jovens que ainda não completaram 18 anos de idade: são todas as atividades, com ou sem finalidade de lucro, remunerada ou não, independentemente do tipo de trabalho ou serviço. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a Constituição Federal de 1988 proíbem o trabalho de pessoas menores de 16 anos.  Se for trabalho noturno ou perigoso (segundo as atividades da lista das piores formas de trabalho infantil), a proibição se estende aos 18 anos incompletos.

São diversos os motivos que levam as crianças ao trabalho infantil, mas o principal deles é a falta de recursos financeiros da família, que gera a necessidade de outras fontes de renda. Programas sociais de distribuição de renda do Governo federal, como o Bolsa Família, têm grande importância na erradicação do trabalho infantil. Dados de 2016, do Cadastro Único (CADÚNICO), recolhidos pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA), mostram que das mais de 236 mil famílias beneficiadas pelo Programa Bolsa Família no município do Rio de Janeiro somente 148 tinham marcação de crianças e jovens no trabalho infantil. “A entrada precoce no mercado de trabalho retroalimenta o ciclo da pobreza”, explica Fernanda Kut.

Aprendiz Legal

A legislação brasileira também prevê a entrada dos jovens no mercado de trabalho, por meio do Programa Aprendiz Legal, como instrumento de combate à evasão escolar e ao trabalho infantil. Este Programa é voltado para a preparação e inserção de jovens no mundo do trabalho, que se apoia na Lei da Aprendizagem n° 10.097/2000, e garante que jovens entre 14 e 24 anos sejam contratados como aprendizes por empresas de médio e grande porte.

O contrato de trabalho pode durar até dois anos e, durante este período, o jovem recebe formação prática e teórica. O objetivo não é só oferecer a oportunidade do primeiro emprego, mas também capacitar esse adolescente, que estuda cidadania, informática, raciocínio lógico, entre outros temas.

 Meninas invisíveis

Uma modalidade esquecida do trabalho infantil que invisibiliza mais de 174 mil crianças e adolescentes brasileiros, entre 5 e 17 anos, é o serviço doméstico. O FNPETI estima que meninas negras que trabalham em casas de terceiros e realizam serviços domésticos na própria casa sejam a maioria. Diferente do que acredita o senso comum, ajudar em tarefas domésticas não é obrigação de uma criança, muito menos responsabilidade das meninas.

A exploração dessas crianças, que são pressionadas física e emocionalmente, pode causar danos em médio e longo prazos: elas podem desenvolver lesões por esforço repetitivo, alergia por exposição a produtos químicos, acidentes domésticos e assédio sexual, quando expostas a adultos desconhecidos (em muitos casos, conhecidos também). “Trabalho infantil é uma questão de necessidade e, não, de escolha. Desta   forma, para combater o trabalho infantil é essencial fortalecer a família. Oferecer o mínimo de bem-estar social: emprego/renda, acesso à escola, à saúde e às ações de garantia de direitos, etc.”, diz Fernanda.

Quem fiscaliza o trabalho infantil?                                                                 

“O trabalho infantil é ilegal, no entanto, não há lei que o criminalize. Deste modo, um explorador do trabalho de uma criança ou adolescente não poderá ser preso, mas poderá, sim, ser multado e sofrer sanções trabalhistas – o que não tem sido suficiente para conter o cenário crescente de exploração do trabalho infantil. As denúncias podem ser feitas pelo Disque 100, no Conselho Tutelar de abrangência e no Ministério Público do Trabalho” afirma Danielle Scotellaro, advogada do CEDECA/RJ.

O papel de fiscalização do trabalho infantil é do Ministério do Trabalho, Ministério Público do Trabalho e Ministério Público do Trabalho e Emprego, mas essa missão não é individual ou fechada. O Conselho Tutelar também tem o dever de encaminhar denúncias e acompanhar famílias que têm crianças e jovens no trabalho infantil, porém, é o Ministério do Trabalho que pode aplicar sanções às famílias, empresas, etc.

Piores formas de trabalho infantil, segundo a OIT

No Brasil, são 93 as piores formas. As denúncias podem ser feitas pelo Disque 100, no Conselho Tutelar mais próximo e no Ministério Público do Trabalho. No site da Rede Peteca – Chega de Trabalho Infantil, cada forma é especificada.

As principais são:

– Todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão;

– Exploração sexual;

– Recrutamento de crianças para atividades ilícitas (tráfico de drogas);

– Trabalhos forçados ou compulsórios (inclusive recrutamento forçado ou obrigatório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados);

– Venda ou tráfico de crianças;

– Trabalhos que podem prejudicar a saúde (desenvolvimento de lesões por esforço repetitivo, alergia por exposição a produtos químicos, etc.), segurança (acidentes domésticos, assédio sexual, etc.) ou a moral da criança e do jovem.

Números do trabalho infantil no Brasil:

– Cerca de 3 milhões de crianças e jovens

– Duas em cada três são do sexo masculino

– Cerca de 2 milhões têm entre 14 a 17 anos

– Mais de 174 mil crianças e jovens (entre 5 e 17 anos) estão no trabalho infantil doméstico

– 94% das crianças e jovens no trabalho infantil doméstico são do gênero feminino

Principais causas:

– Família pobre e desestruturada

– Desinteresse por um sistema educacional antigo e desmotivador

– Evasão escolar atrelada à busca por renda, entre outras.

Jovem Aprendiz

Geralmente, as vagas são divulgadas pela internet, em sites de emprego ou das próprias empresas contratantes. O adolescente que tenha os requisitos necessários (idade, escolaridade, etc.) precisa encaminhar seu currículo atualizado (não é necessário colocar dados pessoais como RG e CPF) e aguardar que entrem em contato.

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