Mobilização contra o coronavírus

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Campanha que nasce após demanda de moradores completa um mês 

Hélio Euclides

“Você tem que agir como se fosse possível transformar radicalmente o mundo. E você tem que fazer isso o tempo todo”. Essa frase de Angela Davis, professora e filósofa, retrata um pouco a Campanha Maré diz NÃO ao Coronavírus. No momento de distanciamento social, no qual as pessoas estão sem trabalho, os casos de contágios e mortes só aumentam e os políticos não se entendem para encontrar solução, é preciso buscar formas de solidariedade e mobilização. Com esse objetivo, a campanha completou um mês com ações de arrecadação de doações, que são revertidas em quatro frentes: segurança alimentar; geração de renda; acesso a direitos e comunicação e disseminação de conteúdo. 

A Campanha Maré diz NÃO ao Coronavírus arrecadou e distribuiu cestas de alimentos, kits de higiene pessoal e de limpeza para moradores das 16 favelas da Maré e quentinhas para pessoas em situação de rua. No total, foram entregues 328 toneladas de alimentos de porta em porta, distribuídos em 7.272 cestas básicas, além de 4.800 coelhos de chocolates, em uma ação na véspera da Páscoa. Também foram distribuídas 4.600 quentinhas para pessoas em situação de rua, na Cena de uso de Crack, na Rua Flavia Farnese, no Parque Maré, e Avenida Brasil, na altura do Parque União. As quentinhas foram preparadas pelas mulheres do projeto Maré de Sabores, da Casa das Mulheres da Maré.

Para a modalidade de doações porta a porta, foi desenvolvida uma metodologia de distribuição articulada com uma rede de parceiros locais, que conta com as 16 Associações de Moradores da Maré, a 4ª Coordenadoria Regional de Educação, sete unidades básicas de saúde, uma Unidade de Pronto-Atendimento (UPA), e o Conselho Tutelar. Essa parceria ainda conta com organizações não-governamentais e coletivos: Maré Vive, Conexão G, data_labe, EcoMaré, Luta pela Paz, Mães Especiais da Maré, Mães Vítimas de Violência da Maré, Maré Informação, Maré Longboard, Maré Solidária, Maré Vê, Maré 0800, Observatório de Favelas, Para Elas, Resistência Lésbica, Roda Cultural do PU, Skate Maré, Uerê e Vida Real. 

A campanha se organiza e se mobiliza a partir de uma equipe de 300 voluntários que trabalham para viabilizar a campanha. Todo esse trabalho impactou diretamente 20 mil pessoas. No sábado, dia 09 de maio, se inicia o segundo mês de trabalho, mantendo as entregas de cestas básicas e refeições, e ampliando a atuação com mais três ações: a produção de máscaras por costureiras das favelas da Maré para distribuição à população local; edital público com bolsas para ações locais de coletivos de arte, cultura e comunicação que atuam na Maré; arrecadação de materiais de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) para distribuição aos profissionais que atuam nas sete unidades básicas de saúde e uma UPA da Maré.

A união em uma campanha

A campanha Maré diz NÃO ao Coronavírus surge de uma necessidade urgente, de dar uma resposta imediata nesse período da crise da pandemia para demandas que começaram a surgir nos contextos das 16 favelas. “A Redes da Maré vem na mobilização para o isolamento social, de diminuir o contágio, partindo da coerência e do trabalho que a gente faz, que é de pensar nas formas de contribuir num processo estruturante, que melhore as condições de vidas das pessoas, que fortaleça para que de fato se reestabeleçam os direitos dos moradores das favelas da Maré”, comenta Eliana Sousa, diretora da Redes da Maré. 

“Quando nos vimos em meio a essa pandemia do coronavírus, percebemos que os problemas começaram a aparecer fruto da desigualdade social. Era necessário dar continuidade ao nosso trabalho que busca criar algum tipo de incidência nas questões estruturantes”, conta. Eliana percebeu que apareceram pessoas passando fome, outras precisando de orientação sobre determinados direitos e também moradores começaram a se contaminar e adoecer, demandando cuidados na área de saúde. Foi a partir daí que ela entendeu que era uma possibilidade da Redes da Maré contribuir para reverter esse quadro. 

A campanha nasce para responder a necessidades territoriais. “Era muito importante responder essas demandas, como uma instituição que tem sua trajetória e história com o compromisso da melhoria da vida no conjunto das 16 favelas. Tentamos responder essa questão emergencial, mas também trabalhar de uma forma organizada, com uma lógica de tentar influenciar e contribuir com algo muito sério que é a segurança alimentar. É uma campanha que tem a pretensão de ser bastante abrangente e responder exatamente o que a população precisa”, conclui.

Uma Maré sem alimento

A campanha se construiu com a ideia de mobilizar recursos para transformar em cestas básicas e destiná-las às pessoas que passam por um problema social relacionado ao problema da segurança alimentar e geração de renda. Para reverter o aumento dos números de casos da Covid-19, a campanha se articula para perceber a situação de saúde das pessoas, junto às unidades básicas de saúde, e terem um atendimento sociojurídico.

Para Sebastião Antônio, conhecido como Tião, coordenador do Instituto Vida Real, quem mais está sofrendo é o trabalhador informal. “Essas pessoas são as que estão mais sentindo na pele essa pandemia. Elas querem uma ajuda, pois falta comida para os filhos, gente que não tem um grão de arroz dentro de casa. As dificuldades estamos sendo estampadas. É o momento de unir forças e trabalhar o social e o amor ao próximo. Precisamos mostrar que isso vai passar, que vamos reverter esse momento, todos pelo bem de todos”, diz.

Um outro problema que ele percebe são as fake news. “Estamos percebendo como as pessoas se encontram cercadas de notícias verdadeiras e também de falsas, e são essas que mexem muito com o psicológico”, expõe. Para reverter isso, a campanha também tem a frente da comunicação, com conteúdo audiovisual acessível para a população, com todas as informações apuradas e em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Para essa segunda etapa, a campanha deve eliminar algumas falhas, como a distribuição duplicada e verificação de cadastro. “Recebi a cesta, gostei muito, veio bastante coisa boa, até dividi com a minha prima. Aqui na comunidade muita gente foi demitida do seu trabalho, são essas pessoas que mais precisam. Se todos que merecem recebessem, seria bom. Uma pena que tem gente que se inscreveu e não precisava tanto”, expõe Alessandra Santana, moradora da Vila dos Pinheiros. A Redes da Maré solicita a ajuda dos moradores para que só recebam a cesta pessoas em situação de vulnerabilidade. Também esclarece que ninguém está autorizado a visitar domicílios e pedir informações como cartão de crédito.

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