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Rotina de treinamentos de atletas da Maré sofreu modificações durante a pandemia

Maré de Notícias #115 – agosto de 2020

Thaís Cavalcante

Os moradores que são atletas, esportistas e jogadores da Maré viram a pandemia do novo coronavírus paralisar seus treinos, campeonatos e perceberam o fechamento dos espaços que oferecem atividades físicas, desde o mês de março.  Assim como as quadras, campinhos e ruas das favelas ficaram vazias, os grandes estádios do mundo todo também.

Suspender as atividades foi uma ação orientada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelas autoridades governamentais, para conter o avanço da doença.  Os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Verão, que aconteceriam nos meses de agosto e setembro deste ano no Japão, por exemplo, foram remarcados para 2021. No Brasil, com a reabertura dos serviços e apesar de a pandemia ainda não estar controlada, o retorno das atividades esportivas oficiais é feito em etapas: os Campeonatos estaduais retomaram seus jogos no mês de junho, sem a torcida, e a Copa do Brasil volta em agosto.

O desejo de voltar à rotina é grande e o número de infectados pela COVID-19 ainda preocupa. A Maré é o Complexo de Favelas com mais casos de contaminação e óbitos da cidade do Rio de Janeiro. São 1.353 casos e 112 vítimas da doença, entre confirmados e suspeitos, de acordo com o levantamento do Boletim De Olho no Corona!, na 11ª Edição, de julho de 2020.

Esse movimento de retomada aconteceu rapidamente nas favelas e os apaixonados pelas atividades físicas foram grandes apoiadores. As academias voltaram a funcionar, as caminhadas pela Cidade Universitária são cada vez mais frequentes e até os torneios de futebol já estão sendo programados nos campinhos. A Prefeitura do Rio de Janeiro liberou as atividades físicas individuais ao ar livre, mas nem todos concordam com a medida.

Jogo de perseverança e cuidado

Para Edson da Silva, presidente e fundador da Associação Esportiva Beneficente Amigos da Maré (AEBAM), essa foi a primeira vez, em 20 anos de Escolinha, que seus 120 alunos ficaram sem treinos por tanto tempo. As equipes de meninos se dividem nas categorias Sub 10, Sub 13, Sub 15 e Sub 17 e costumam treinar no campo da Rubens Vaz. “Mesmo que exista um impacto financeiro e o entendimento de que a atividade esportiva na rotina diária das crianças é um incentivo de algo melhor para elas, entendemos que a suspensão das aulas é o melhor a ser feito neste momento”, afirma o presidente da AEBAM.

Os treinos fazem tanta falta, que as famílias dos jovens procuram Edson, perguntando sobre a volta das aulas presenciais, que ainda não têm previsão de retorno.  Ele espera que o futuro da escolinha seja de muito trabalho: “Que consigamos nos recuperar para dar continuidade e que, a partir de tudo o que está acontecendo, tenhamos saído desta pandemia pessoas melhores. Que sejamos pessoas que acreditam em nossas crianças, inclusive nas que moram nas favelas, que mais precisam da atenção dos governantes”, observou.

Enquanto a rotina de treinamentos não volta de forma tradicional, o jeito para lutadores é se adaptar e treinar em casa. É o que tem feito o jovem de Faixa Amarela, Lucas Santana.  Ele fez de seu quarto o seu tatame e conta com o apoio de sua mãe Jacilda de Araújo, para acompanhar seu crescimento na arte marcial. “Os treinos foram cancelados e ele está fazendo drills, que são posições de repetição de luta.  Além de exercícios também, como flexões e abdominais”, conta.

Lucas Van Van, como é conhecido no Jiu-Jitsu, participa do projeto social Maré Top Team, que é perto de sua casa, no Parque União. Durante a quarentena, a proximidade com o seu mestre Douglas continua: responde às dúvidas via mensagem e ligação sempre que precisa. Uma rotina diferente daquela que Lucas, que competiu na Califórnia em fevereiro desse ano, não imaginava viver. Mas Jacilda acredita em dias melhores e torce para que, nem nos treinos e nem nas escolas, tenha alunos abandonando as atividades. Por toda a sua vivência, ela afirma: “O esporte na Maré salva vidas.”

O professor Edson da Silva em encontro com o campinho ainda vazio – Foto: Douglas Lopes

O time que não saiu de campo

Em outra parte da Maré, a bola se movimenta nos pés dos meninos que participam da Escolinha Amigos Unidos.  Cerca de 120 crianças treinam, semanalmente, no Parque Ecológico da Vila do Pinheiro, mais conhecido como Mata.  Quem lidera o grupo é o professor Alexandre Pichetti.  Mesmo com a pandemia não dando trégua, ele garante que foi o único treinador que não parou por causa do novo coronavírus, mas continuou com os cuidados diariamente. “Eu trabalho todos os dias, com todas as faixas etárias e nós não paramos. Na fé de Deus, deu tudo certinho. Eu soube contornar esta situação, porque as minhas crianças precisam disso e as mães confiam a mim”.

A Mata é um espaço aberto que equivale a 10 campos de futebol e está sendo palco para a volta de jogos e de ações solidárias também.  Recentemente, Pichetti fez uma parceria com o projeto evangélico Desperta Jovem, que articulou a doação de uniformes e alimentos para os meninos da Escolinha. O projeto esportivo existe há 22 anos e Pichetti, a cada treino, agradece a oportunidade.

Próxima partida: exercícios on-line

Desde que a Vila Olímpica da Maré (VOM) precisou ter suas atividades presenciais pausadas por causa do novo coronavírus, as redes sociais tornaram-se uma alternativa para dar continuidade nas atividades físicas.  A instituição posta videoaulas acessíveis e realizadas por professores. Um ritmo diário de exercícios para os mais de 9 mil seguidores, que têm conteúdos diversos, como atividades aeróbicas, alongamentos, exercícios de respiração, conversas ao vivo e muito mais.

Cátia Simão, coordenadora técnica e esportiva da VOM, acredita que a prática de exercícios em casa é uma ferramenta importante para os moradores e alunos e até para quem não tem esse hábito. “Para que a volta às atividades não seja tão brusca, a gente se reinventou on-line”, contou em rede social.  Assim como na Maré, as outras 25 Vilas Olímpicas estavam fechadas, mas nas últimas semanas de julho a Secretaria de Esportes e Lazer do Rio anunciou a volta das atividades, com medidas de segurança para todos os frequentadores.

A ONG Luta Pela Paz também precisou adaptar os seus conteúdos para vídeos on-line, para não deixar seus alunos e seguidores sem praticar exercícios nesse período de isolamento social. É fácil encontrar os professores e instrutores nos grupos de Facebook e WhatsApp.

Vila Olímpica da Maré anuncia retorno das atividades com horário marcado para evitar aglomerações.

A tecnologia a favor do físico

A verdade é que, para os fitness, a internet se tornou uma grande academia virtual. Nas redes sociais, a série Crias da Quarentena, feita pelos próprios alunos da ONG, mostra desafios divertidos e depoimentos de saudade. As transmissões ao vivo também fazem sucesso, principalmente entre os mais conectados. São diferentes temas, convidados e horários. Uma forma de resistir a distância das atividades sem esquecer todos os benefícios que elas oferecem.

Praticar atividades físicas em casa é uma das tendências do Brasil depois da pandemia, segundo pesquisa nacional da Opinion Box. Uma destas atitudes é facilitada para aqueles que têm uma boa conexão com a internet, e até aulas particulares com o acompanhamento de professores, o que não é a realidade da maior parte da população favelada. Por aqui, o presencial faz a diferença.

Aos apaixonados pelo treino na academia, corrida matinal ou até a “pelada” no fim da tarde, é importante reforçar o cuidado. Neste período de retorno, as autoridades reforçam a importância da higiene pessoal e do distanciamento social. São pequenas atitudes de cuidado com a nossa saúde e com a saúde do outro. Da mesma forma que a prática de atividades físicas faz bem, retornar com segurança e ter atenção à sua saúde e a do outro são fundamentais.

Quer fazer atividades físicas sem precisar sair de casa? Confira as aulas dos professores da VOM no Facebook:

http://www.facebook.com/vilaolimpica.damare/

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