Eliana Sousa Silva e Celso Athayde contam sobre os impactos da pandemia ao longo do último ano
Por Andressa Cabral Botelho em 11/03/2021 às 6h. Editado por Edu Carvalho e Daniele Moura
A crise sanitária só expôs ainda mais que no Brasil existem diversas pandemias: a da desigualdade social, da fome, do desemprego, e a população precisa cotidianamente lidar com essas questões. Ao longo desse último ano, o novo coronavírus não apenas afetou a saúde, como também impactou em cada uma dessas e outras questões, expondo o abismo social que existe no país. Como forma de minimizar essas questões, as organizações Redes da Maré e a Central Única das Favelas (CUFA) desenvolveram uma série de ações nesse período para dar suporte aos territórios e público que já atendiam antes de março de 2020. Mesmo que essas organizações já atuassem em alguns eixos, como educação e geração de renda, a pandemia forçou uma resposta rápida para as demandas territoriais, que além dessas, passou a ser a do desemprego, da pobreza e fome.
Nos últimos cinco anos, cresceu em 3 milhões o número de pessoas em situação de insegurança alimentar, com o número saltando de 7,2 milhões para 10,3 milhões de pessoas. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a insegurança alimentar se divide em três níveis: leve, que fala sobre incerteza de acesso a alimentos; a moderada, redução quantitativa de alimentos por parte da família; e a grave, onde a fome é uma realidade vivenciada no lar. Em 2018, houve crescimento em todos os níveis de insegurança alimentar, com a pandemia do novo coronavírus e as constantes altas dos preços dos alimentos, como aconteceu com o arroz em setembro de 2020, a alimentação tornou-se uma urgência e, para muitos, um privilégio. A Redes da Maré, de forma rápida, organizou-se para pensar em ações que pudessem minimizar a questão da insegurança alimentar tanto para pessoas em situação de rua quanto para os moradores. De março até dezembro, por meio da campanha Maré Diz NÃO ao Coronavírus, foram distribuídas 17.648 cestas de alimentos e kits de higiene e limpeza, além de 65 mil refeições distribuídas às pessoas em situação de rua na Maré. “Foi uma campanha que atingiu 17 mil famílias. Criamos uma rede de pessoas, voluntários, para darmos uma resposta robusta. Frentes importantes, como a segurança alimentar, atendendo as pessoas em situação de rua, população com drogas… Construímos propostas para atender essas pessoas que já são negligenciadas em seus processos de vida”, observa Eliana Sousa Silva, diretora fundadora da Redes da Maré.
Pensando de forma parecida que surgiu o Fundo Solidário COVID-19 para Mães das Favelas, iniciativa da CUFA que atendeu 5 mil favelas em todo o país, impactando a vida de mais de 5,8 milhões de pessoas com a entrega de cestas básicas ou vale alimentação. “Quando surgiu a covid-19, a gente percebeu que haveria um buraco na economia, porque a maioria das pessoas das favelas são autônomas ou informais e elas vivem no limite. E se você parte do limite, você vai morrer de fome”, destaca Celso Athayde, fundador da CUFA. O projeto surge na necessidade de oferecer suporte às mães moradoras de favelas, seja suporte alimentar ou financeira, através do Vale Mãe, por entender que essas mulheres são um ponto focal dos lares. “A mãe é a que tem a maior quantidade de responsabilidade, e [com o apoio] chegando na mãe, chega em todo mundo, inclusive nos vizinhos”, observa Athayde.
Apesar da queda na taxa de informalidade no país em 2020, ainda são 31,6 milhões de pessoas que diariamente vivem na incerteza da remuneração. Dos quase nove milhões de pessoas que ficaram sem trabalho no segundo trimestre de 2020, 68% realizavam trabalhos informais. Desta forma, a geração de renda também se tornou uma demanda importante neste momento, não apenas a partir do Vale Mãe, realizado pela CUFA, mas também pela abertura de postos de trabalho nos dois projetos.
Na Maré, moradoras foram convocadas a participar das frentes de trabalho de geração de renda, onde puderam dar suporte em algumas ações da campanha. Uma delas foi o projeto “Sabores e Cuidados”, da Casa das Mulheres da Maré, atuando na preparação de refeições que foram distribuídas às pessoas em situação de rua. Outro projeto desenvolvido foi o “Tecendo Máscaras e Cuidados”, onde costureiras da Maré que perderam a sua renda nesse período eram remuneradas para produzir máscaras para distribuir para a população. Além delas, 19 motoristas atuaram nas entregas das cestas básicas e 30 homens fizeram o trabalho de desinfecção das ruas.
Redução nas doações
Desde a chegada da pandemia e até o momento atual, as instituições perceberam uma queda nas doações, dando a entender que no início, a situação estava mais apertada e que foi melhorando com o passar dos meses graças a essas doações. Entretanto, a situação hoje é pior do que quando foi registrado o primeiro caso do novo coronavírus no país. Na última terça-feira (09), o país bateu um novo recorde e registrou 1.954 pessoas que morreram em 24h em decorrência do novo coronavírus. Até o momento, apenas 4,03% da população recebeu, pelo menos, uma dose da vacina e 1,35% está totalmente imunizada. Com esse aumento, diversas cidades precisaram impor medidas de restrição, como o Rio de Janeiro, que determinou horário de funcionamento de estabelecimentos, mas outras sentiram a necessidade de fazer um bloqueio total (o lockdown) para tentar frear a subida dos casos.
O momento agora é de, enquanto instituições, entender e repensar quais as formas de continuar atingindo os públicos das favelas, através da informação, tecnologia e da saúde. “Estamos em um momento em que se morre mais do que no pico em 2020 e vivemos em um país que lida como se nada estivesse acontecendo. É preciso pensar na questão da saúde através do projeto Conexão Saúde, oferecendo testagem e isolamento possível para quem testa positivo”, lembra Eliana. Para ela, é importante ter suporte tecnológico para que as informações verdadeiras cheguem à população, mas entende como a desigualdade impacta no acesso à internet e a equipamentos e, consequentemente, a essas informações.
Com a pandemia, o desemprego em 2020 chegou ao recorde em 20 estados, segundo a PNAD Contínua, publicado nesta quarta-feira (09) pelo IBGE. A taxa média nacional de desocupação também teve crescimento médio de 11,9% em 2019 para 13,5% em 2020. O Rio de Janeiro é o quarto estado mais afetado. Pela primeira vez, desde 2013, menos da metade da população em idade para trabalhar estava ocupada. A taxa média de informalidade também teve um recuo de 41,1% para 38,7%, mostrando que tanto trabalhadores formais quanto informais foram diretamente impactados pela pandemia, perdendo os seus postos de trabalho. As mulheres, entretanto, sofreram ainda mais com o desemprego que homens, destacando a importância de se criar projetos de apoio e geração de renda nesse período de pandemia.
“Se você pensar que uma pessoa estava, em março de 2020, iniciando um processo de fome, miséria e depressão por conta de falta de trabalho, de comida e de perspectiva, até então estavam trabalhando, dentro de uma realidade social em desvantagem. Hoje, a situação está pior porque a gente continua na pandemia, as pessoas estão morrendo mais que antes, as pessoas estão desempregadas há um ano, e a gente tem um PIB (Produto Interno Bruto) de guerra. A economia encolheu e não vemos horizonte. Quem estava preocupado em março passado, hoje está desesperado. As pessoas e as empresas estão doando menos e sendo menos solidárias”, conclui Athayde.