Os avanços da assistência médica para pessoas lésbicas e faveladas

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Números de atendimento básico em saúde na Maré demonstram alcance significativo. No entanto, há muitas queixas em relação ao atendimento de saúde sexual para mulheres lésbicas e bissexuais

Maré de Notícias #137 – junho de 2022

Por Camila Felippe e Dayana Gusmao

O Censo Maré de 2019 revelou que, dos 140 mil moradores mareenses, pouco mais da metade se autodeclara mulher. Como não é possível saber quantas são lésbicas, a Coletiva Resistência Lésbica da Maré, em parceria com a Universidade Federal Fluminense (UFF), iniciou em 2019 o pioneiro Mapeamento Sociocultural e Afetivo de Lésbicas e Mulheres Bissexuais de Favelas. 

Entre outros dados, a pesquisa mostrou que 81% das mulheres tiveram acesso ao atendimento na Clínica da Família; porém, também revelou que, para a população de lésbicas, além das dificuldades cotidianas advindas da precarização do Sistema Único de Saúde (SUS) causa, existe ainda o preconceito advindo de profissionais de saúde durante o atendimento. Os processos de lesbofobia são intensos; muitas mulheres relataram que exames preventivos foram negados.

“O atendimento para a população LGBT na Maré em geral é ruim. Já aconteceu comigo, mais de uma vez, ser maltratada na recepção. Sou mulher cis sapatão, mas minha estética não é feminina. Já me senti desconfortável durante o  atendimento ginecológico, principalmente quando são homens a atenderem. Minhas amigas lésbicas, em geral, pagam consulta com o dinheiro que quase não têm pra receber um atendimento um pouco melhor e, mesmo assim, às vezes os profissionais agem de modo lesbofóbico. Definitivamente, o atendimento em saúde pra lésbica na Maré não é acolhedor”, desabafa uma mareense de 33 anos, que prefere não divulgar sua identidade.

LGTBfobia institucionalizada

Em algumas das rodas de conversa promovidas pela Coletiva Resistência Lésbica da Maré, as mulheres contam que, mesmo não se relacionando sexual e afetivamente com homens, ainda assim escutam repetidamente perguntas sobre métodos de contracepção usados, além de a elas serem ofertados preservativos masculinos. Em alguns casos, as mulheres pediram orientação sobre processos de inseminação via SUS e os profissionais ignoravam as formas de acesso ao serviço.

“Já fui obrigada a fazer um teste de gravidez durante a realização de um exame de IST (infecção sexualmente transmissível). Falaram que era protocolo, mesmo eu explicando que não me relacionava com homens”, conta uma mareense de 24 anos que também preferiu manter o anonimato.

A LGBTfobia nos serviços de saúde é reflexo de um problema estrutural nacional. O país, segundo o Observatório de Mortes e Violências LGBTI+ no Brasil, é o que mais mata pessoas LGBT no mundo: em 2021, foram 300 vítimas, ou 1 a cada 29 horas. 

Outro dado preocupante é que, das mortes mapeadas pelo Grupo Gay da Bahia no ano de 2021, 24% cometeram suicídio por sofrerem violências LGBTfóbicas. No caso das lésbicas, as violações mais comuns que levam as mulheres a tirarem a própria vida são estupros e expulsão de casa. O Mapeamento Sociocultural e Afetivo de Lésbicas e Mulheres Bissexuais da Maré apontou que a violência de cunho lesbofóbico vem de dentro de casa, tendo como autores membros de suas famílias. 

Pensando a ampliação dos dados sobre a saúde e vivência das lésbicas de favelas cariocas, a deputada Renata Souza (PSOL/RJ), assessorada pela Coletiva Resistência Lésbica da Maré, protocolou o projeto de lei nº 4572/2021 que, se aprovado, cria o Dossiê Sociocultural-Afetivo Anual de Mulheres Lésbicas e Bissexuais de Favelas no Rio de Janeiro, com o intuito de reunir mais dados para embasar políticas públicas de saúde, educação e assistência social. 

“A população mareense sempre esteve em luta por direitos. As lésbicas, mulheres bissexuais, pessoas transmasculinas, pessoas transfemininas e todas as populações divergentes da Maré aprenderam desde cedo este modo de luta e não estão de bobeira também sobre os próprios direitos. Nenhum direito a menos”, defende a Coletiva Resistência Lésbica da Maré.

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