Caso no Pará alerta autoridades para baixa adesão à vacinação contra poliomielite

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Segundo o Ministério da Saúde, apenas 52,3% das crianças entre dois e seis meses, período indicado para receber as doses, foram vacinadas no país; meta era de 95% de cobertura                                     

Por  João Gabriel Haddad*, Hélio Euclides e Rebekah Tinoco*, em 14/10/2022 às 7h

No dia seis de outubro, a Secretaria de Saúde do Pará comunicou uma suspeita de pólio em uma criança de três anos, no município de Santo Antônio do Tauá, a 53 quilômetros de Belém. O vírus, Sabin Like 3, foi encontrado após exame de fezes. A secretaria, imediatamente, enviou um sinal de alerta ao Sistema Único de Saúde (SUS). O tipo de vírus detectado, no entanto, é um dos componentes da vacina, não se tratando do poliovírus selvagem. 

Esse vírus, conhecido como vacinal, faz parte da composição da vacina Sabin, a famosa gotinha. Segundo Fernando Verani, chefe do Laboratório de Enterovírus do Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz). “Ele (o vírus) não causa a doença paralítica, ao contrário, protege contra a doença. Em raras ocasiões, por fatores imunitários do receptor de primeira dose da vacina, ou de seus contatos um dos dois tipos do poli vírus pode causar a doença”, explica.

O responsável pela poliomielite é o poliovírus, conhecido como cepa selvagem, extinto no país desde 1989. Depois do alerta, o Ministério da Saúde informou que não há registro da circulação da poliovírus no Brasil. Em nota, o Ministério reforçou a importância dos pais e responsáveis vacinarem suas crianças com todas as doses indicadas para manter o país protegido da poliomielite. Segundo a Secretaria de Saúde do Pará, um dia antes do início dos sintomas, a criança havia recebido a vacina tríplice viral e VOP sigla para “vacina oral poliomielite”, a gotinha; o que explicaria a presença do vírus nas fezes do menino. 

A preocupação da Secretaria de Saúde do Pará, no entanto, não é exagerada. Com uma cobertura vacinal em torno de 50%, a volta da poliomielite é uma possibilidade real porque o vírus não está extinto em outros países como Afeganistão, Índia, Nigéria e Paquistão; e a circulação de pessoas de um país para outro é muito intensa. Fernando Verani acredita que “O risco do retorno da doença no Brasil é real mas não por causa desse caso associado à vacina em investigação em município do Pará, mas por baixas coberturas em todo o país.”  

Perigo real

Segundo o Ministério da Saúde, apenas 52,3% das crianças entre dois e seis meses, período indicado para receber as doses, tinham sido vacinadas em todo o território nacional até setembro. A campanha de 2022, promovida pelo Ministério da Saúde, foi encerrada no dia 30 daquele mês. De início, a campanha seria encerrada no dia nove de setembro, mas a baixa adesão levou as autoridades a prorrogar o prazo. A meta era de 95% de cobertura. Desde a pandemia de covid-19, os índices de vacinação em todo país têm caído. 

No Brasil, a vacinação de crianças é obrigatória por lei. Pais que não vacinarem seus filhos podem ser obrigados a fazê-lo pela Justiça. A via da conscientização, porém, tem sido a mais utilizada. A criança infectada no Pará, como constatou o Departamento de Epidemiologia do estado, estava com o esquema vacinal incompleto para pólio. 

Segundo o pesquisador Fernando Verani, “as coberturas vacinais estão muito baixas. Toda criança deve completar seu calendário vacinal com urgência. E campanhas massivas precisam ser organizadas com ampla mobilização social. Há o risco da real de retorno da pólio e de outras doenças evitáveis pela vacinação.” 

A importância da vacina

Daniel Soares Martins, conselheiro tutelar, de 38 anos; e a mulher, Tabata Rodrigues, 34, entendem perfeitamente a importância das vacinas. Seus dois filhos, Glória, de dois anos e nove meses; e Pedro, de dois meses; estão em dia com as vacinas. Os dois, Daniel e a mulher, sempre vão juntos levar as crianças para vacinar e, segundo ele, procuram transformar aquele momento de tensão em diversão, mesmo quando incluiu picada de injeção e algumas lágrimas. 

Em primeiro lugar escolhem um posto mais calmo; em geral Adib Jatene ou Jeremias Moraes da Silva, “depois a gente dá uma voltinha para relaxar porque, de fato, é um momento estressante; essa tensão anterior à vacina, a dor da vacina”. 

Segundo Daniel, por seu trabalho no Conselho Tutelar, percebe que a preocupação em vacinar os filhos diminuiu. “É incrível como as pessoas não têm dado importância às vacinas. No Conselho Tutelar, vire e mexe, tenho que chamar a atenção de alguns pais para a vacinação de seus filhos, que está atrasada. Não sei se isso é anterior ou vem por conta da Covid. Por causa das muitas fake news me parece que rolou um descrédito com a vacinação”, afirma. 

A doença

A poliomielite é uma doença causada por um vírus que ataca o sistema nervoso e gera paralisia permanente nas pernas ou braços, podendo desenvolver paralisia geral em algumas horas. Em casos raros, a doença gera paralisia de músculos respiratórios, o que pode levar à morte.

Altamente infecciosa, a poliomielite é transmitida de pessoa a pessoa por via fecal-oral ou por consumo de água e alimentos contaminados. Locais com baixos índices socioeconômicos, com condições precárias de moradia e falta de higiene podem favorecer a transmissão do poliovírus. A transmissão também é possível acontecer via oral-oral, a partir de secreções expelidas ao falar, tossir ou espirrar. 

A multiplicação do vírus acontece no intestino e caso a doença se manifeste, os sintomas iniciais são febre, vômitos, falta de apetite, dor de cabeça e dores musculares. Num prazo de dois a cinco dias, são registrados movimentos musculares involuntários e formigamento nas pernas ou braços, além da redução de força desses membros e dificuldade para andar.

A importância da vacinação completa

A vacinação acontece em duas etapas. De acordo com o Programa Nacional de Imunização, a primeira conta com três doses da vacina inativada poliomielite, ou VIP, aplicada aos dois, quatro e seis meses de idade. A segunda etapa inclui duas doses da VOP, a vacina oral, gotinha, sendo uma dose aplicada entre 15 e 18 meses de idade; e a outra, aos quatro anos. Caso a vacinação não seja completa, como recomenda o Plano Nacional de Imunização-PNI, além de aumentar o risco de infecções importadas de outros países, as crianças podem contrair o vírus vacinal da poliomielite.

Fernando Verani, alerta para a importância de manter a caderneta de vacinação atualizada para impedir a infecção do vírus da pólio vacinal: “Com a introdução da vacina com vírus da pólio inativado, a vacina Salk injetável, no calendário nacional de imunização das crianças, não se registrou nenhum caso desde 1989”.

Atualmente, o vírus selvagem está em circulação no Paquistão, Índia e no Afeganistão; e a transmissão do vírus vacinal foi identificada em países da África, como Congo e Nigéria. Segundo Fernando Verani, “há um enorme contingente de crianças que estão suscetíveis a contrair o vírus caso haja alguma importação”. É bom lembrar que, em 2015, a taxa de vacinação contra a poliomielite alcançou 98% das crianças, superando a meta de 95% estabelecida pelo Ministério da Saúde.

Cobertura vacinal abaixo da média nacional no Rio

Na cidade do Rio de Janeiro, a taxa de vacinação contra a pólio está em 49%, menor do que a média nacional. A baixa cobertura vacinal é um fenômeno em ascensão e foi identificada em outras campanhas de imunização além da poliomielite. 

Procurada pela reportagem do Maré de Notícias, a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro respondeu através de nota, informando que além do acesso à vacina, a reversão do quadro de baixa cobertura vacinal também está associada a outras medidas de controle e informação, definidos como medidas estratégicas “A redução das coberturas vacinais […] está sendo enfrentada com base em ações assertivas de organização de processos de trabalho […], do combate à fake news […] e da intensificação de estratégias ativas de captação de usuários faltosos”.

Daniel, como pai de duas crianças pequenas, acredita que quanto à vacinação existe uma certa desinformação, “poderia ter talvez mais propagandas na TV, no Rádio. Se usa muito as redes sociais para divulgação, seria muito importante usar as redes para divulgar mais a importância das vacinas. Acho que a informação não tem circulado de fato.” 

Segundo o Ministério da Saúde, a vacina da pólio ainda pode ser encontrada nos postos de saúde em todo Brasil: “apesar do fim da mobilização, todas as vacinas que compõem o Calendário Nacional de Vacinação, incluindo o imunizante que protege contra a pólio, seguem disponíveis para a população brasileira durante todo o ano”. No Rio de Janeiro, as vacinas para a poliomielite estão disponíveis nas 236 salas de vacina; a população pode verificar o endereço dos centros de saúde aqui.

Fernando Verani, com sua experiência de pesquisador, não esconde a preocupação; mas afirma que o Brasil tem condições de enfrentar o problema, “Tomara que haja uma corrida aos postos. É o que precisamos. De forma organizada e programada, como sempre foram as campanhas no Brasil até 2015/2016. Esperamos que haja como antes vacinas disponíveis.

(*) João Gabriel Haddad e Rebekah Tinoco são estudantes universitários vinculados ao projeto de extensão Laboratório Conexão UFRJ, uma parceria entre o Maré de Notícias e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

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