Um pedacinho da Maré na Penha Circular

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Nascida sobre palafitas, Conjunto Marcílio Dias tem histórias de luta por habitação

Edição #146 do Maré de Notícias

Por Hélio Euclides

Em 1948 ainda existia a Praia das Moreninhas e foi ali que oito famílias de pescadores ergueram as primeiras palafitas. Era um espaço próximo à antiga fábrica Kelson’s e ao Mercado São Sebastião. Assim começava o processo de ocupação do futuro Conjunto Marcílio Dias. Em 1988, o estado delimitou o que seria o bairro Maré e, apesar da história muito parecida com a das outras favelas do conjunto, Marcílio Dias não foi incluída no decreto municipal. 

Para chegar lá é preciso passar pela Passarela 16 da Avenida Brasil, sentido Zona Oeste, na altura do número 10.946, e ir até o fim do aglomerado de unidades da Marinha. O Conjunto Marcílio Dias é a favela mais distante do restante da Maré (2,3 quilômetros da Praia de Ramos). 

A Marinha brasileira marca a história do lugar: seu nome é uma homenagem ao marinheiro negro da Armada Imperial Brasileira, e a comunidade também faz um tributo a outro integrante dessa força armada através do seu centro municipal de saúde, nomeado  João Cândido, o “Almirante Negro”.

A história da favela mudou quando recebeu, em 1982, a visita de madre Teresa de Calcutá. Na época, Marcílio Dias era formada por apenas 800 barracos de madeira, onde viviam cerca de quatro mil moradores. A visita ilustre mobilizou lideranças locais e a Pastoral de Favelas para uma reorganização das moradias em uma área de quase 46 mil metros quadrados — com o aterramento da praia, cada vez mais habitações foram erguidas na região. Madre Teresa não foi a única visita ilustre: a escritora Nélida Piñon foi à biblioteca comunitária que leva o seu nome em 2011 e 2019.

Sem direitos

No início, a população era atendida por profissionais da organização Médicos Sem Fronteiras. Passadas décadas desde sua fundação, os moradores ainda encontram dificuldades para acessar direitos e serviços básicos, em especial a educação. 

A Escola Municipal Cantor e Compositor Gonzaguinha, por exemplo, só disponibiliza o Ensino Fundamental I; boa parte dos alunos precisa andar quatro quilômetros para estudar do outro lado da Avenida Brasil. Também não há creches públicas. 

Parcerias são bem-vindas: em 2022, por meio de uma articulação transdisciplinar com a Pontífice Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/Rio), foi criada a Horta Comunitária/Escola Maria Angu.

Sem atenção

O poder público, segundo os moradores, esqueceu que Marcílio Dias existe. Pescadores participaram da fundação da comunidade, mas hoje eles lamentam o abandono, simbolizado no desabamento do cais ainda por reparar. “Já sofremos com a Baía de Guanabara com pouco peixe e sem profundidade, e agora vivemos com um cais que ninguém recupera”, diz José Lourenço da Conceição, pescador há 52 anos.

Outro problema anunciado é o fato de a localidade não ser assistida por uma estação do BRT. Moradores têm de caminhar até a passarela 15, a quase 400 metros da entrada da favela.

José Pereira de Araújo, conhecido como Zé Bigode, tem 68 anos e é um dos moradores mais populares do lugar. Ele veio há quatro décadas de Sapé, cidade da Paraíba, para viver em Marcílio Dias.

”Eu me lembro dos forrós, que eram bons. Na época a Igreja Católica trouxe um projeto da Caixa Econômica que distribuía material de construção, então conseguimos sair das palafitas, num tempo em que a comunidade ainda tinha mato. Juntávamos os amigos em mutirão para levantar as casas, que eram de telhado. Com o tempo as pessoas foram colocando lajes”, conta ele.

Zé Bigode diz que se sente no Nordeste. “Calculo que 80% da minha geração são de conterrâneos (nordestinos); isso é bom. Aqui é a melhor favela da cidade”, declara. O mesmo amor tem Ana Cunha, presidente da Associação de Moradores de Marcílio Dias: “Como presidente e moradora daqui, essa comunidade sempre fará parte da minha vida.”

Cada favela que forma esse bairro chamado Maré tem sua própria história e diversidade cultural. Em 2023, esta coluna pretende mostrar um pouco de cada uma delas. No nosso próximo encontro descobriremos como nasceu a favela de Parque Maré. Até lá!

Pescadores de Marcílio Dias denunciam abandono do estado – Foto: Matheus Affonso

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