Conhecido como Pulmão da Maré local tem impacto social e histórico no território
Por Teresa Santos e Hélio Euclides
Quem caminha pelo Parque Ecológico da Maré talvez não saiba que, há 80 anos, o local era o lar de macacos e peixes. Conhecida pelos moradores como “Mata”, a área de 44 mil metros quadrados abriga também uma flora rara e especial, como coqueiros imperiais, pinheiros e espécimes de pau-brasil.
No entanto, o parque sofre com a falta de manutenção há anos. Os moradores estão empenhados em manter o parque vivo, como Agenor Linhares, de 77 anos, que mora em frente à área e se dedica a capinar e retirar o lixo da área “A limpeza do local pelos órgãos competentes só acontece de tempos em tempos, então faço a minha parte.”
Pulmão verde
Simone Cynamon é arquiteta e pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz) na área de habitação saudável. Segundo ela, a região da Maré é densamente ocupada e se situa em uma ilha de calor. “O ruído, a poluição atmosférica e, principalmente, o calor excessivo afetam o organismo humano como um todo: a visão, as pessoas ficam estressadas, têm doenças respiratórias”, explicou.
Coordenadora do projeto Maré Verde do Eixo de Direitos Urbanos e Socioambientais da Redes da Maré (DUSA), Mariane Rodrigues reforça a importância do parque para a comunidade ao seu redor. Segundo ela, “percebemos que o espaço influencia na saúde da Maré. O que o local precisa é de reflorestamento, capinação, iluminação pública e brinquedos”.
A opinião dela é compartilhada por Cláudia Lúcia, presidente da Associação de Moradores do Parque Ecológico. Ela lembra que a Maré é cercada pela Avenida Brasil e pelas linhas Vermelha e Amarela, o que afeta a saúde respiratória de todos. “Aqui é o pulmão da Maré. Se não fosse o parque, a saúde dos moradores seria precária”, afirma.
Lazer é saúde
Além das árvores, o parque conta com 18 canteiros que fazem parte do programa Horta Carioca (que fomenta o cultivo de verduras e legumes na área) e duas quadras de esportes. Mas os benefícios não param por aí.
Os parques são espaços de convivência, como bem lembrou Mariane Rodrigues: “Se o espaço for deixado mais agradável, haverá maior interação entre os moradores.” Simone Cynamon destaca que uma área verde “é a parte viva das cidades”.
Considerados locais de tranquilidade, eles permitem o contato com a natureza e a contemplação do nascer do sol e do entardecer, por exemplo. Podem ainda ser cenário de atividades lúdicas, educativas, culturais e para a prática de atividade física. “As áreas verdes urbanas têm a função técnica, estética, cultural, evolutiva e até espiritual”, lembra a pesquisadora da Fiocruz.
Vinícius Gama, diretor do grupo teatral Sempre Unidos, relembra a década de 1990, quando usava o palco do anfiteatro construído no local. “O espaço nos fortaleceu com uma população que nos ajudava e ainda lotava as arquibancadas”, afirma.
Ele sente falta do tempo em que o parque tinha ocas, banheiros, iluminação e churrasqueiras: “Havia piqueniques e encontros com crianças da igreja. Elas conviviam com a natureza e viam a Maré do alto. Essa é uma área importante que precisa ser preservada.”
Para Simone Cynamon, existem inúmeras formas de potencializar os benefícios que a Mata pode trazer — por exemplo, usando a área para a captação da chuva e o direcionamento da água para regiões desabastecidas da comunidade; para tratamento de esgoto; como ponto de coleta seletiva de lixo; e, até mesmo, para geração de energia limpa e renovável, como biogás e energia solar.
Só não vale deixá-lo abandonado. “Se temos um espaço desse que não está sendo mantido ou que é subaproveitado, a perda é enorme para a comunidade em geral”, ressalta a arquiteta, lembrando ainda que, sem manutenção, a área pode se tornar um enorme foco de ratos, mosquitos e outros vetores transmissores de doenças.
Outros tempos
No ano 2000, a área na Vila dos Pinheiros foi oficialmente batizada pela Prefeitura com o nome de Parque Ecológico da Maré. No ano passado, ele foi renomeado como Parque Municipal Ecológico Cadu Barcellos, em homenagem ao cineasta cria da Maré e morto em 2020.
A área do parque fazia parte da Ilha do Pinheiro. Em 17 de julho de 1935, ela foi incorporada ao Instituto Oswaldo Cruz (atual Fiocruz). Segundo o livro Um lugar para a ciência: A formação do campus de Manguinhos (Editora Fiocruz, 2003), a instituição mantinha ali um laboratório e um museu de hidrobiologia (ciência que estuda a biologia aquática). Havia também um aquário marinho e tanques com peixes. O isolamento da ilha favoreceu ainda a criação em liberdade e a observação de macacos-rhesus (que não são nativos do Brasil).
Em 1949, o cenário começou a mudar. Os processos de aterramento, poluição e ocupação passaram a dificultar a continuação das pesquisas na região. Quanto menos isolada a ilha, mais fácil se tornava a fuga dos macacos para áreas agora habitadas, tornando os macacos uma ameaça às espécies nativas.
Um dos autores do livro sobre a criação do campus de Manguinhos, o arquiteto e urbanista Renato Gama-Rosa, pesquisador do Departamento de Patrimônio Histórico da Casa de Oswaldo Cruz (DPH/COC) lembra que esse processo foi descrito pelo também pesquisador Léjeune de Oliveira (1915-1982) nas Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, de 1958.
“Ele aponta que a poluição foi causada, entre outros fatores, pela lavagem de navios e pelo despejo do esgoto não tratado, contaminando a área com resíduos de petróleo, lixo urbano e poluição fecal das áreas habitadas da Zona Norte”, explica.
Os estudos foram sendo descontinuados e, em 1980, os macacos-rhesus foram transferidos para o campus de Manguinhos da Fiocruz. Segundo Renato, ainda há descendentes dos primatas da Ilha do Pinheiro na instituição. Entre as atividades atualmente conduzidas com esses animais, estão estudos voltados para o desenvolvimento de vacinas contra doenças como leishmaniose e febre amarela.
Fala, prefeitura
A Secretaria Municipal de Ambiente e Clima (SMAC) informou que está elaborando um projeto de revitalização para o parque, incluindo a reestruturação do programa Hortas Cariocas. Segundo a pasta, há também estudos para a construção de uma praça e de um mirante, além de ações de reflorestamento. Para tanto, a secretaria afirmou ter realizado uma vistoria técnica no mês de abril para levantar as demandas e reavaliar a situação do parque.
A Companhia de Limpeza Urbana (Comlurb) está antecipando o cronograma de vistoria, e prometeu que visitará o local para avaliar a condição dos brinquedos e do mobiliário para, assim, programar os reparos necessários.
Procurada, a Secretaria Municipal de Cultura (SMC) afirmou manter contato e parceria com a Fiocruz na elaboração de um projeto grande para o parque, cujo andamento tem sido acompanhado pela redes de Maré.Até o fechamento desta edição, a Fundação Parques e Jardins não retornou o nosso contato.