Uma reflexão dos comunicadores do Maré de Notícias após SEOP informar fim da primeira fase da operação de demolição de casas na Maré
Em nome de toda equipe do Maré de Notícias
Nesta segunda-feira (2), apesar do sentimento de incerteza sobre novas operações, os moradores da Maré acordaram com a sensação de alívio ao perceber que hoje não seria mais um dia de demolição de casas e, como consequência, de operação policial que tem impactado a rotina de moradores de todas as favelas. De acordo com a Secretaria de Ordem Pública (SEOP), a primeira fase foi finalizada e a “segunda fase do trabalho será iniciada assim que sejam concluídas as negociações da Secretaria de Habitação e Assistência Social com as famílias que estão em algumas unidades”.
Durante as últimas duas semanas em que ocorreram as 13 operações consecutivas, a equipe do Maré de Notícias – composta majoritariamente por moradores – também sentiram os efeitos das ações. Além do trabalho diretamente impactado com entrevistas canceladas impedindo a produção de reportagens e o fazer da comunicação comunitária, há também o impedimento do bem viver dentro do território.
A pouca sensação de segurança que ainda existia se perdeu. O imaginário de que pelo menos em dia de feira ou aos domingos, que são considerados dias de descanso, eles “não podem fazer isso”, tomou lugar para o sentimento de “eles fazem o que querem, no dia que querem”.
Todos os dias, ao começar as reuniões, nos perguntávamos como estavam todos. E ao encerrá-las desejávamos: “uma boa semana para nós”. Era uma forma de nos acolhermos diante de tanta exaustão física e mental, e alimentar alguma esperança de que, no dia seguinte, íamos conseguir seguir com os planejamentos cotidianos.
Ao anoitecer, cada um se apegava à sua fé. Durante quase duas semanas a primeira notícia ao abrir os olhos ainda era de mais um dia de operação na Maré. Ainda de madrugada ouvíamos tiros, fogos ou sabíamos de casas invadidas. Mesmo quem não está nas favelas afetadas pelas demolições sofre ao ver inúmeras mensagens no celular de desabafos e pedido de socorro.
O comunicador comunitário nessas horas é muito além de um profissional, é uma pessoa com uma carga emocional que absorve todo o sofrimento que moradores contam em detalhes. “Ser jornalista na favela é fazer sempre matérias enquanto você participa delas. É ambíguo.”, como bem ressaltou Lucas Feitoza na coluna “O que é ser um jornalista de favela?”.
Foram 13 dias de vivência enquanto moradores que resultaram em matérias que refletem um cotidiano interrompido. Alunos sem aulas, impedimento em cuidar da saúde ou sair de casa para outros compromissos. A verdade é que ficamos acuados. Essa ausência do direito de ir e vir fica estampado em cada linha de uma matéria que não traz esse “sucesso” nas operações policiais que os governos defendem, mas o que é visto e sentido pelas ruas da Maré.
Queremos voltar a falar da favela que está sempre em movimento com sua cultura, esporte, lazer e criatividade. Queremos falar da Preta Chic, que abriu um bar no seu estúdio de nail designer, queremos falar do lançamento do livro afro-periférico de Renato Cafuzo. Desejamos distribuir o jornal impresso pelas ruas da Maré andando em paz e sorrindo. Almejamos uma favela que possa estar na mídia todos os dias não pelos tiros, mas por ser parte da cidade se destacando pela diversidade e vencendo suas dificuldades, isso desde os tempos das palafitas. Sobre o que desejamos escrever? Sobre tudo aquilo que temos, que não são poucas coisas, não! E sobre uma Maré que queremos!
Ainda não temos informações de quando vai começar a “segunda fase” da operação. Sabemos apenas que o Estado continua a remover, não só prédios, mas também a paz. A esperança não. A esperança, mesmo que entre escombros, nos mantém vivos para lutar por tudo aquilo que nos é negado.