Conheça profissinais que tornaram a fotografia ferramenta para questionar narrativas e recontar histórias de territórios favelados e periféricos
Por Affonso Dalua
A fotografia, nas últimas décadas, se transformou em uma ferramenta essencial para questionar narrativas e recontar histórias de territórios favelados e periféricos. Fotógrafos e fotógrafas têm usado suas lentes para reconstruir memórias, resgatar identidades e afirmar a resistência das populações desses espaços. Lais Reverte e a mareense Jones são exemplos desse movimento, explorando a conexão entre território, ancestralidade e arte contemporânea.
Foto Affonso Dalua – Segunda das almas
Diálogo visual
Cruzando experiências pelos becos e vielas as obras das artistas se encontram na fotoperformance, apresentando identidades e narrativas faveladas produzindo cenários de ressignificação, transformando memórias e vivências em arte visual.
A fotoperformance combina elementos artísticos da performance (dança, música, teatro, moda) e da fotografia. Nela, a ação performática é concebida especificamente para ser capturada pela câmera, resultando em uma obra de arte fotográfica.
Foto Jones – série “Os lá de casa”
Jones, cria do Conjunto Esperança, constrói as narrativas a partir de histórias orais e registros de fotografia analógica, costurando memórias de famílias pretas no território de favela. Sua pesquisa questiona o apagamento histórico ainda em curso e busca reescrever imagens que antes viviam apenas na oralidade. Para Jones, a fotografia é mais do que uma técnica, é uma forma de preservar a memória ancestral e garantir que as histórias do povo preto não sejam esquecidas.
Lais Reverte nasceu no Espírito Santo, mas atualmente vive na Zona Norte do Rio. Na obra “Foluke, O Protegido”, ela explora a fé e a resistência de um jovem negro que busca nos orixás a força para superar as adversidades da vida urbana. O nome Foluke, que significa “aos cuidados da mão de Deus”, simboliza a esperança e a proteção divina que o guia em sua jornada. Ele carrega a força dos orixás como bússola para superar os desafios do morro e manter os sonhos vivos.
Ambas as artistas revelam, por meio de suas lentes, mundos em que o concreto e o espiritual coexistem, desafiando os limites entre a realidade e a imaginação.
Foto Lais Reverte – Editorial Foluke, O Protegido
Transformação imagética
Na Maré, o movimento da fotografia popular nasce com iniciativas como o programa Imagens do Povo, do Observatório de Favelas, localizado na Nova Maré, que há 20 anos forma fotógrafos e fotógrafas, fortalecendo a produção de narrativas sobre as favelas do conjunto. Nomes como Arthur Vianna, Affonso Dalua, Gabi Lino, Kamila Camillo, Douglas Lopes e Patrick Marinho vêm rompendo estereótipos, construindo movimentos de preservação de memórias a partir das suas experiências enquanto favelados. Estes artistas tem direcionado suas pesquisas para lugares particulares, que colocam a Maré como um dos principais produtores de fotografia popular no Brasil, produzindo uma documentação imagética única sobre as 15 favelas, com linguagens visuais que vão do documental à performática.
Foto Patrick Marinho – Navengantes
Esses artistas, ao lado de Jones e Lais, ressignificam a fotografia ao torná-la uma ponte entre a memória coletiva e as expressões contemporâneas. Jones define de forma poética que “assim como o fotolivro no botão, costuro memórias em tecidos até que se prendam no tempo do contar”. As obras dela são uma forma de reafirmar a existência, resgatar identidades e garantir que histórias sejam fixadas no tempo.
Arte Contemporânea
Ao longo dos últimos anos, a fotografia popular foi além do registro cotidiano e passou a dialogar diretamente com as artes contemporâneas, explorando novas estéticas, que vão desde editorias com direção de arte, fotografias acompanhadas de instalações e áudios e outros formatos como as pipas e cangas do fotógrafo Arthur Vianna. Lais Reverte se insere nesse contexto com produções performáticas que transcendem o documental, enquanto Jones, com sua linguagem única, costura identidade e ancestralidade em uma narrativa profundamente conectada à história de sua família e as favelas da Maré.
Foto Arthur Vianna – Azul Walter Firmo
Essa transição não é apenas estética, mas política. Ela reafirma a favela como espaço de produção cultural de alta relevância, onde as histórias são narradas por quem vive nela. As obras são manifestações de resistência e potência criativa, ampliando o alcance das vozes faveladas e periféricas no cenário das artes visuais contemporâneas e mostram como a fotografia pode ser uma ponte poderosa entre o passado, o presente e o futuro das favelas e periferias do Brasil.