A arte de educar

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Em homenagem ao Dia dos Professor, três educadores mostram trabalhos que fazem diferença nas escolas da Maré

Adriana Pavlova e Hélio Euclides 

Maré de Notícias #153 – outubro de 2023

Nas 50 escolas públicas da Maré, há cerca de 1.100 educadores que trabalham duro para que diferentes gerações tenham garantido o direito à educação. Muitos deles são moradores ou ex-moradores, que reafirmam em sala de aula seu amor pela Maré. Em homenagem ao Dia do Mestre, o Maré de Notícias traz o perfil de três professores que fazem muita diferença nas nossas favelas.

Ser livre

Com seu sorriso largo e gingado de capoeirista, o professor Lucas Henrique Ferreira, de 29 anos, caminha pelos corredores da Escola Municipal Olimpíadas Rio 2016, no Campus Maré I, arrancando sorrisos e cumprimentos dos alunos e alunas que passam. E não é para menos: cria da Maré, ele engrossou o time de professores de educação física que desde 2021 traz para as aulas a pedagogia do corpo como agente de transformação.

“A escola me encanta, porque é um espaço de disputa de narrativas e desenvolvimento do potencial dos adolescentes. O corpo é objeto do meu trabalho, por isso uso a brincadeira para engajar os alunos e despertar interesse pelo conteúdo em si. A ideia é se conhecerem para terem a liberdade de ser quem quiserem ser”.

O currículo de educação física da escola conta hoje com amostras das culturas corporais africanas e indígenas, como capoeira, maculelê, jongo e a luta ritual dos jovens indígenas huka-huka.

Foto: Gabi Lino

Educação antirracista

Ele conta que o objetivo é oferecer ferramentas para a autonomia dos alunos, reafirmando a Maré como território de luta. Lucas diz ainda que a inspiração vem das brincadeiras de sua infância na Nova Holanda e dos ensinamentos da capoeira, praticada desde os 10 anos na Vila Olímpica da Maré. “A capoeira me moldou como homem negro e profissional da educação.” 

Da prática, Lucas chega à teoria, levando para as salas e quadras questões ligadas ao racismo, à intolerância religiosa e à decolonialidade, temas do seu mestrado em Educação na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ): educação antirracista na dimensão do corpo. 

Primeiro da família a se graduar, ele reconhece que sua trajetória está ligada ao encontro com mestres. Não à toa, nunca teve dúvida em se tornar professor e trabalhar na Maré. 

“A escola me formou e a capoeira me ensinou a fazer perguntas. Meus professores acreditaram em mim, me ajudaram a pensar grande”, diz ele, que foi aluno do CIEP Samora Machel, passou pelo pré-vestibular da Redes da Maré e se graduou na Escola de Educação Física da UFRJ.

Guardiã da magia

A escola na Baixa do Sapateiro tem apenas oito turmas, e tudo ali parece funcionar como se deve: a sala repleta de estantes de livros e cartazes com desenhos de crianças, na Escola Municipal IV Centenário, é um oásis dentro de outro oásis. 

É na sala de leitura com o nome da professora Verônica da Silva dos Santos que se abre um portal para a imaginação para quem a frequenta. Guardiã do espaço mágico de aprendizagem há 27 anos, a mestra que dá nome ao lugar parece saída de um conto de fadas: fala doce, gestos delicados e olhar apaixonado por seu ofício. 

Verônica é um patrimônio da escola, aonde chegou há 37 anos. Já se aposentou como professora, e pretende ficar mais um ano como bibliotecária, antes de se despedir de vez. 

Já perdeu as contas de quantos alunos foram incentivados por ela a descobrir novos mundos: “Espero que cada um viva um momento lúdico, que aqui eles desliguem o botãozinho da realidade, consigam entrar nos personagens ou descobrir a melodia da poesia.”

Verônica é considerada um patrimônio da Escola Municipal IV Centenário, onde trabalha há 37 anos. | Foto: Gabi Lino

Aldeias africanas

Além das rodas de leitura, a professora também lança mão das artes visuais e do teatro na rotina da biblioteca. Os cartazes produzidos em abundância fazem parte do piquenique que encerra cada bimestre, com encenação e declamação de trechos de livros. Este ano, os alunos já trabalharam poemas de Cecília Meireles e Contos africanos, de Rogério Andrade Barbosa.

“Gosto de evocar a figura do contador de histórias das aldeias africanas. Todo mundo se sentava em volta de uma fogueira para ouvir histórias. Peço para as crianças imaginarem o céu estrelado, a fogueira e aí começamos a ler”, conta.

Com 59 anos, Verônica nasceu na Maré; quando criança, viveu numa palafita com os pais nordestinos e dois irmãos. Apesar das dificuldades, a família sempre deu valorizou a educação dos filhos, apreço que Verônica transmite aos estudantes: “A educação modificou a minha vida. E é isso que sigo buscando com meus alunos.”

Mestre de gerações

Geraldo Martins, de 59 anos, é professor de português e literatura na Escola Estadual Professor João Borges de Moraes, na Nova Holanda. Nascido na Paraíba, em 1968 veio para o Rio. Seu primeiro endereço foi na favela Macedo Sobrinho; dois anos depois, sua família seria removida para a Nova Holanda. 

Ex-aluno da Escola Municipal Nova Holanda, em 1983, Geraldo passou a colaborar com o posto comunitário de saúde da região. A vocação para mestre surgiu no trabalho da associação de moradores (no período histórico da Chapa Rosa), participando da creche comunitária e da Cooperativa Mista dos Moradores da Nova Holanda. 

Martins também trabalhou como office boy na Rio Vivenda, construtora das casas da Vila dos Pinheiros e do Conjunto Pinheiros.

Prof. Geraldo Martins | Foto: Gabi Lino

Vocação 

“Sou técnico em contabilidade, mas depois de trabalhar com crianças vi que queria ser professor. Fiz um curso de complemento pedagógico e trabalhei na pré-escola e alfabetização por dez anos”, conta. 

Em 1995, concluiu a Faculdade de Letras. Em 2003, deixou de morar na Maré, mas em 2009 fez o concurso para professor estadual, assumindo a vaga cinco anos depois. 

“Primeiro fui lecionar em Saracuruna, mas em 2017 o diretor Marcelo Belford me chamou para a Maré. Sempre quis voltar para meu lugar de origem; me sinto satisfeito em contribuir com a Nova Holanda: é uma troca de conhecimento”, diz.

Para os alunos que pretendem seguir na profissão, ele deixa um recado: “O país não pensa na educação nem valoriza os professores através de melhores condições de trabalho e de salários, mas é muito interessante ser testemunha das mudanças do mundo que nos cerca.”

Geraldo diz que se emociona “ao lecionar para as crianças de uma família, crianças que foram meus alunos da creche que hoje são adultos, cujos filhos e sobrinhos estão na minha sala de aula. Essa é a nossa gratificação”.

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