A dor que une Marielle, Marcus Vinícius e a Maré

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Eliana Sousa Silva – Para o Jornal do Brasil – em 22/06/2018

Começo este texto completamente atordoada. No último dia 14, completamos três meses do assassinato da vereadora Marielle Franco, “cria da Maré”, como ela mesma se definia, sem qualquer conclusão a respeito da identidade de seus algozes. Nesse sentido, a situação de exceção que vivenciamos no Rio de Janeiro — e eu diria, no Brasil — nos desafia e nos supera na nossa capacidade de entender, em profundidade, as violações e desrespeitos às leis e à justiça, violações e desrespeitos que nos acometem por iniciativa de governantes e outros poderes, nos últimos tempos. É óbvio que, no lugar onde enuncio o meu discurso, sempre aconteceram violações de direitos, já que venho de um lugar — a favela Nova Holanda, na Maré — onde moram pessoas empobrecidas, pobres e negras, na sua maioria; e parai-banas, como eu, que migraram para a cidade em busca de trabalho, de uma sobrevivência digna. Logo, a violência dos governantes se revela dupla: quando não as-segura os direitos fundamentais para a garantia da vida urbana a esses moradores e quando não os reconhece com o direito básico à vida e à segurança pública.

A operação policial, envolvendo agentes da Polícia Civil e homens das Forças da Intervenção Militar no Rio de Janeiro, ocorrida nesta quarta-feira, no conjunto de favelas da Maré, é um desses episódios em que o padrão de desrespeito aos moradores de favelas fica ainda mais estampado e límpido. A ação começou na Vila dos Pinheiros e na Vila do João, onde uma casa foi invadida e cinco jovens, assassinados; em outra casa, outro jovem, de apenas 18 anos, sofreu o mesmo fi m pelas mãos de agentes do estado. Quem são esses jovens? O que, de fato, ocorreu para que todos tenham morrido? As suas mortes são justificadas, na imprensa, a partir de uma versão da polícia segundo a qual os referidos rapazes faziam parte dos grupos armados que estão na Maré. Até que ponto é verdadeira essa afirmação? Se estavam em um contexto suspeito, deveriam ser assassinados? Foi feita perícia? Como obter essas respostas considerando uma lógica de intervenção militar que não dá o menor valor às vidas dos moradores das favelas e periferias, o que sempre caracterizou as forças policiais cariocas?

O processo da operação se estendeu ainda a outras favelas, como Nova Maré, Nova Holanda e Parque União. Um helicóptero foi utilizado como plataforma de tiro — medida ilegal e imoral, cabe dizer. Nessa situação, ficam claros a lógica e o entendimento de que se estabeleceu uma guerra, e os moradores de favelas são considerados parte do exército inimigo.

No percurso, o helicóptero vai atirando, atingindo o que tem pela sua frente: casas, espaços culturais, como a Lona Cultural Hebert Vianna, o chão das ruas, onde ficam gravados os muitos furos das balas, e, como não podia deixar de acontecer, pessoas que circulam no momento dos disparos. Chegamos, então, ao Marcus Vinícius da Silva, um adolescente de 14 anos que estava no caminho de sua escola. A sétima vida abreviada em mais uma escolha do estado em insistir na lógica de extermínio da juventude negra deste país. Por isso, indagamos, mais uma vez: até quando? Por isso, no meio da dor, choro e tristeza, nos indignamos e não admitimos que a nossa voz nos seja tirada. Queremos justiça, queremos o fim do genocídio e responsabilizamos o estado por manter uma lógica bélica que continua destruindo a vida e a esperança do povo das favelas e periferias no Rio de Janeiro e no Brasil.

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