Thaynara Santos
O pré-vestibular comunitário UniFavela, destinado aos moradores de todas as idades das 16 favelas da Maré, aprovou todos os alunos com frequência regular em universidades públicas do Rio de Janeiro, como a Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e a Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.
Qualquer pessoa que tenha terminado o ensino médio e queira participar do projeto vai encontrar as portas abertas. A ideia de criar o pré-vestibular surgiu quando Laerte Breno ajudou uma menina na biblioteca da Lona Cultural Herbert Vianna (Lona da Maré), a tirar algumas dúvidas sobre língua portuguesa, “eu percebi que ao invés de ajudar só uma pessoa eu poderia ajudar várias moradoras da Maré assim como ela. Aí ela foi chamando cada vez mais gente. Nesse processo surgiram mais alunos e a necessidade de se ter mais professores”, explica.
O comunicador e educador Laerte Breno tem 24 anos, mora na Maré, e é um dos idealizadores do projeto. “Não atendemos só a juventude da Maré, também adultos e pessoas que querem voltar a estudar depois de um tempo afastadas do ensino médio, por questões financeiras ou pessoais. Isso acontece muito entre as pessoas de classes populares. O projeto tem importância política e social porque oferece uma oportunidade de um jovem, adulto ou alguém da terceira idade ingressar na universidade, entrar nesse universo acadêmico”, diz. Daniele Figueiredo, professora de história do projeto, é co-fundadora e disseminadora do pré-vestibular comunitário na Maré.
As aulas que começaram na laje de um aluno, e hoje acontecem numa sala no Instituto Vida Real, localizado na Rua Teixeira Ribeiro, s/n, Nova Holanda. A ONG oferece apoio na impressão e xerox dos materiais de estudo, assistência psicológica, entre outras coisas.
O pré-vestibular, que mantém uma vakinha online recorrente para custear despesas, teve sua primeira turma em 2018. Naquele ano também houve aprovados para universidades públicas do Rio de Janeiro. Além da vakinha, doações também são bem vindas. Todos os educadores são voluntários.
Segurança pública e educação na Maré
Em uma sociedade que pauta o mérito e o esforço individual, mesmo entre pessoas de classes sociais diferentes, os números finais são injustos. Entre 2018 e 2019 os alunos de escolas na Maré enfrentaram mais de 20 dias de aulas suspensas por causa das operações policiais no território. A política de segurança pública aplicada pelo governo nas favelas e periferias do Rio tem impacto direto no cotidiano e na vida de seus moradores.
O objetivo principal do pré-vestibular comunitário é ingressar mais moradores da Maré nas universidades por meio do ensino popular, mas essa é só uma das muitas necessidades dos mareenses, “a favela é vista como um território inferior, isso tem um impacto na autoestima das pessoas. Nós tentamos minimizar esse impacto através das aulas, das conversas, de apoio psicopedagógico. Mais pessoas da Maré dentro das universidades, mas não de qualquer forma. A gente tem formação social e crítica sobre diversos assuntos do cotidiano e da vida pessoal de cada um, incluindo os conteúdos do Enem e de outros vestibulares. O objetivo é fazer com que os alunos reconheçam seu território como um lugar cultural, artístico e potente”, conclui o educador, que estuda letras na UFRJ.
Julliana Souza, 19 anos, moradora da Vila do João – Licenciatura em química – (UERJ)
– Acho que a decisão de fazer a faculdade começou no UniFavela. Eles me incentivaram bastante a fazer as provas, porque eu já tinha até desistido, mas o Breno me chamou para assistir uma aula dele, foi aí que comecei a frequentar e ver que talvez devesse tentar mais uma vez. Sou muito grata a eles! Todos os conselhos, aulas, explicações. Até porque não era simplesmente uma relação de aluno/professor, era algo a mais. E com isso, acabamos criando um laço muito forte. Minha família me apoia muito! Tanto que no início do ano até tinha passado para outra faculdade, mas decidir não ir, e até nisso eles me apoiaram.
Tiago Carlos do Nascimento, 22 anos, morador da Baixa do Sapateiro – Ciências biológicas (UFRJ)
– Meu plano é sobreviver ao primeiro período da faculdade. Sou o primeiro da família a entrar na faculdade. Depois que eu entrei no projeto eu aprendi nova maneira de estudar eu meio que ganhei um horizonte de como estudar para os vestibulares. Meus pais sempre me apoiaram em relação de estudo. Quando eu perdi meu emprego, decidi estudar e meus pais me ajudaram muito em relação a isso.