A Maré precisa de educação ambiental

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Entrada do Pinheiro: um dos pontos críticos da Maré, onde o lixo traz ratos, insetos, doenças e outros males. No Rio, são produzidas 10 mil toneladas de lixo por dia | Foto: Douglas Lopes

Maré de Notícias #95 – Dezembro de 2018

O aumento no volume de lixo e o descarte errado são os maiores inimigos

Por: Hélio Euclides

“Entende-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.” Este é o Artigo 1º, da Lei nº 9795/1999, que trata da Política de Educação Ambiental. No papel, tudo é bonito, mas na prática a educação ambiental ainda não conseguiu ser concretizada. Na Maré, por exemplo, alguns moradores ainda jogam o lixo em local inadequado – o que causa infestação de insetos e alagamentos, em especial com as chuvas de verão.

Para o ambientalista Sergio Ricardo, é preciso pensar no lixo em todas as etapas. “Falar de educação ambiental nos territórios é deficitário. O que acontece na prática é uma falha na política pública. Temos a Lei 12.305, de 2010, que trata de resíduos sólidos, mas até hoje a destinação final ideal ainda não é cumprida. O lixo nesses terrenos forma o chorume, que polui o canal aquífero, o que influi na pesca. A Comlurb precisa retomar o projeto Guardião do Rio, que são agentes ambientais. O gari tem um papel fundamental, para evitar o acúmulo. Só que, hoje, a quantidade de lixo só cresce”, avalia. Sergio Ricardo acrescenta que o investimento é muito alto, cerca de 1 bilhão de reais para deixar o lixo da cidade do Rio, em Seropédica, onde hoje é descartado o lixo da cidade.

Para Sergio, a primeira meta seria a coleta seletiva. “Nossa exigência é de transformar o lixo em novos objetos. Com isso, teremos menos poluição. A coleta seletiva seria um instrumento importante: primeiro como geração de renda, depois com a diminuição no custo da coleta. Na cidade, são 6 milhões de pessoas, que produzem 10 mil toneladas de lixo, por dia, com apenas 2% de coleta seletiva, na grande maioria feita na Zona Sul. As indústrias que produzem materiais plásticos, como as garrafas pet, precisam custear essa coleta seletiva e apoiar as cooperativas. Só a Coca Cola produz 100 milhões de toneladas de plástico no mundo. Precisa realizar uma compensação para o planeta”, opina. No Estado, são produzidas 17 mil toneladas por dia de lixo, mas só 1% tem a coleta seletiva realizada.

Um aplicativo para a Educação Ambiental

“Vou jogar fora no lixo. Vou jogar fora no lixo. Jogar fora no li ih ih ih xo”. Muitos que cantam em karaokês se lembram do refrão da música “Joga fora”, de 1986, composição de Michael Sullivan e Paulo Massadas, interpretada por Sandra de Sá. Mas alguns não seguem essa trilha sonora e descartam o seu lixo em qualquer lugar, o que traz diversos prejuízos. Para mudar essa situação foi criado um aplicativo que vai sinalizar o lixo jogado em local inadequado e os vazamentos de esgoto. Essa é a função do Cocô Zap, projeto criado pelo data_labe, um laboratório permanente de dados na favela.

O Cocô Zap é um número de WhatsApp que proporciona pesquisa de incidência, narrativas e mobilização de moradores. O projeto-piloto começou em outubro, na Nova Holanda e no Parque União, mas no futuro deve chegar em toda a Maré. “O morador tira foto do lixo e do esgoto a céu aberto. Depois envia para o número e a informação para uma planilha de base de dados. Ainda este mês de dezembro deve sair o primeiro resultado da planilha”, conta Gilberto Vieira, coordenador do data_labe.

Hoje, existem dados oficiais do IBGE e da Prefeitura que demonstram o saneamento básico de qualidade do Rio, com cobertura de 65%. “Queremos apresentar um novo dado, que mostre a realidade das periferias. E, em seguida, questionar os Órgãos públicos e ver as melhorias. Criar uma narrativa de como deve funcionar o saneamento básico. É preciso criar políticas públicas diferenciadas, que proíbam as empresas de jogarem dejetos na Baía de Guanabara. Agora precisamos da população para aprimorar e dar continuidade ao Cocô Zap”, explica. O número do Cocô Zap é 99957-3216.

Educação ambiental é disciplina na escola

“A Educação Ambiental é uma dimensão da educação, é atividade intencional da prática social, que deve imprimir ao desenvolvimento individual um caráter social em sua relação com a natureza e com os outros seres humanos, visando potencializar essa atividade humana com a finalidade de torná-la plena de prática social e de ética ambiental”. Esse trecho faz parte do Artigo 2º das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental. A melhor forma de ter um adulto consciente é começar quando criança. É isso que vem sendo realizado no Espaço de Educação Infantil (EDI) Professora Kelita Faria de Paula. “O lixo nos incomoda, principalmente nas proximidades de nossa Unidade. Este ano, nossa Unidade vem trabalhando com os alunos o tema “Sustentabilidade, vieses para uma Maré cidadã”. O Projeto tem por objetivo desenvolver, ainda na Educação Infantil, consciência ambiental em busca de um futuro sustentável, instigando os responsáveis e alunos a identificarem as problemáticas que nos rodeiam e quais soluções possíveis poderíamos alcançar”, expõe Suelen Maciel da Cunha, diretora-adjunta do EDI.

Para mobilizar todos, a escola fez um trabalho de conscientização por meio de teatro, paródia e uma gincana ecológica com equipes divididas pelas cores das lixeiras recicláveis. Um grupo de pais e representantes esteve no EDI para conversar sobre o lixo e o que poderia ser feito. Logo, todo o lixo foi retirado, porém o problema ainda persiste. “Continuamos com os processos de conscientização e em busca de uma Maré sem lixo pelas ruas”, enfatiza Suelen. Ela lembra que é preciso mostrar a preservação da natureza e, dessa forma, a escola conta com uma horta e um jardim.

Jardim no lugar de ponto de lixo

O Maré de Notícias, na Edição 89, de junho de 2018, veio com a temática do “lixo”. Seis meses depois, o assunto ainda continua em evidência. Um exemplo do descarte errado do lixo é na Rua Ivanildo Alves, próximo à Nova Maré. Para solucionar esse problema, a Comlurb se comprometeu com a coleta e em parceria com o Coletivo Eco Maré fizeram um jardim no local.

“Tem muito morador que respeita, mas ainda têm aqueles que jogam o lixo no lugar errado. Espero que com esses canteiros, mais uma tentativa de melhoria na qualidade de vida seja alcançada. Tenho esperança de que não joguem mais lixo nesse local”, espera um gari, que preferiu não se identificar. Seu colega, que também preferiu o anonimato, disse que a Maré produz 30 toneladas de lixo por dia. “Precisamos do apoio da população para a melhoria na coleta diária. Realizamos a coleta gratuita de restos de obras, é só procurar nossa Unidade, que fica na Nova Holanda”, afirma. A próxima atividade de canteiro será embaixo da Ponte do Saber, entre a Vila do Pinheiro e o Salsa e Merengue.

Juliana Machado, pedagoga e membro do Coletivo Eco Maré, lembra que o grupo realiza rodas de conversa sobre o tema da educação socioambiental. “As crianças são o caminho certo para formar multiplicadores, pois estão em formação e são sensibilizadas. Se tem um esgoto a céu aberto, mostramos que é importante a cobertura do poder público. O serviço precisa funcionar. Para uma educação ambiental plena é preciso caminhar muito, com várias iniciativas. Não é só plantar, é preciso preservar e não largar o projeto”, assegura. Ela destaca que é preciso formar redes com Órgãos, como Comlurb, Cedae e associações de moradores, para uma preservação coletiva.

Para Natália Rios, professora do Cap-UFRJ e doutora em educação pela PUC-Rio, o lixo não é necessariamente um rival ou vilão. “Ele pode ser um potencial para determinado lugar, pois pode ser a fonte de renda para uma pessoa. Como humanidade, devemos pensar no nosso consumo e na geração de lixo. A educação ambiental pode ter ações pragmáticas, mas tomando cuidado para as reflexões que forem geradas tocarem no que é importante, como o modelo de desenvolvimento que está nos levando para um colapso ambiental rapidamente. Um problema sociocultural que está ligado à violação de direitos e à degradação ambiental”, conclui.

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