Comerciantes e instituições veem com bons olhos as mudanças anunciadas pela Prefeitura no perfil da região central da capital fluminense
Por Amanda Pinheiro e Tamyres Matos, em 12/08/2021 às 07h
Editado por Edu Carvalho
O esvaziamento do Centro do Rio de Janeiro é uma tendência dos últimos anos, aprofundada pela pandemia do novo coronavírus desde o ano passado. Uma série de iniciativas da Prefeitura do Rio busca investir na criação de um novo perfil para esta região da cidade: um Centro residencial.
“Nosso objetivo é ordenar e integrar o território, criar mecanismos de financiamento da urbanização e da habitação, sobretudo a de interesse social. Gerar um ambiente propício para aproximar as moradias das oportunidades urbanas e dos empregos, evitando que as pessoas percam tempo de vida em longos deslocamentos”, explica o secretário municipal de Planejamento Urbano, Washington Fajardo.
De acordo com a Associação Brasileira de Administradoras de Imóveis (Abadi), mais de 40% dos imóveis da região central do Rio foram esvaziados entre março e dezembro de 2020. A Abadi publicou em seu site uma análise otimista sobre a possibilidade do centro da cidade pode voltar a ser uma região híbrida, com imóveis comerciais convertidos em residenciais. “A gente tem um déficit habitacional muito grande que pode e precisa ser resolvido. Estamos muito motivados com essa iniciativa”, aponta Marcelo Borges, diretor de condomínio e locação da Abadi, em texto publicado no site da associação.
Durante a pandemia, o bairro se tornou cenário não só de fechamentos do comércio e queda na circulação de pessoas, mas um dos principais pontos do aumento da população em situação de rua. Um levantamento realizado pela Prefeitura do Rio apontou um crescimento de 11% no número de adultos acolhidos em abrigos geridos pela Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS). No entanto, a situação dos idosos é pior: o incremento da presença dessa faixa etária nas ruas foi de 34%.
“A gente fica com medo de circular. Eu, por exemplo, não gosto de trabalhar à noite, principalmente no Centro. Um ou outro, às vezes, me aborda no carro, pede dinheiro no sinal. É muito triste porque em muitas ruas têm um paredão de pessoas dormindo, até famílias com crianças. Espero que essa ideia da Prefeitura dê certo, ainda mais agora que as coisas estão voltando aos poucos”, disse um motorista de aplicativo, que não quis ser identificado, durante uma viagem noturna.
Além de um ponto comercial forte, muitos ambulantes e empreendedores fizeram do Centro do Rio um local para morar. Foi o caso de Claudio Crispim, de 33 anos, que, há dois meses, inaugurou uma barraca na Feira da Glória e possui um imóvel comercial alugado na região da Lapa.
“Eu me mudei para o Centro pelas boas opções de preço dos imóveis e as oportunidades de trabalho existentes. Acabei economizando dinheiro de transporte e tempo de deslocamento estando perto do trabalho, sem precisar pagar os valores absurdos da Zona Sul, além de estar perto das opções de lazer da cidade e acompanhar a revitalização que o Centro vem tendo”, afirmou Claudio, que, até 2018, morou na Cruzada São Sebastião, no Leblon.
O comerciante, que passou dois anos na Irlanda e voltou para o Brasil no fim de 2020, assim como outras pessoas que frequentam ou moram no bairro, acredita que a mudança na região pode favorecer os empreendedores ao aumentar o fluxo de pessoas no local.
“O Centro estar se tornando um bairro mais residencial é muito favorável. As vantagens são ser um lugar onde tem mais ofertas de empregos e atividades comerciais, fácil acesso e a locação é mais barata que os imóveis da zona sul. Isso com certeza ajuda no desenvolvimento, principalmente da região portuária, que era a mais esquecida.
Nova vida às ruas do Centro
O Plano Urbano Reviver Centro (conjunto de decretos e um Projeto de Lei), aprovado na Câmara dos Vereadores e sancionado pelo prefeito Eduardo Paes, tem como objetivo a recuperação social e econômica dos quase 6 quilômetros quadrados do Centro. A nova legislação prevê, entre outras medidas, incentivos fiscais e edifícios e permissões de novos usos para fomentar a construção de moradias e o retrofit (técnica de revitalização de construções antigas) de prédios comerciais ociosos.
Um dos pontos mais marcantes do plano é a implementação do aluguel social. Através do programa, a Prefeitura se compromete a ofertar imóveis para aluguel a valores subsidiados, o que deve resultar em valores mais baixos de aluguel. Outra medida é a criação de um Programa Moradia Assistida, que visa a amparar com moradia temporária pessoas em vulnerabilidade social.
“A locação social é uma política consolidada desde os anos 20 em países como a Áustria ou Alemanha, dominante nas grandes cidades dos EUA e Canadá, praticamente em todos países da Europa. Entretanto, mencionar isso no Rio e no Brasil implica ainda em ouvir reações como se fosse proposta estapafúrdia, utópica ou ideologicamente enviesada – ‘coisa de comunista’. Tal aversão denota preconceitos entranhados, de classe, e, especialmente, de raça”, critica o secretário Fajardo em texto publicado no Twitter.
Mudanças nas negociações imobiliárias
Entre outras medidas, o Reviver Centro estabelece a suspensão de dívida ativa de IPTU e Taxa de Coleta de Lixo para os empreendimentos de residenciais novos ou de retrofit, além de isenção de IPTU no período da obra e redução de 50% do imposto por cinco anos (nos casos de retrofit) e três anos (para empreendimentos novos) a contar a partir da entrega das unidades.
Projetos de construções residenciais ou de uso misto terão ainda liberação de taxas de licenciamento de obras, além de redução de ITBI para a primeira compra. As regras urbanísticas para esses empreendimentos ficam também mais flexíveis.
É prevista ainda a utilização da Operação Interligada para dinamizar reconversões de prédios comerciais para residenciais e produzir soluções de habitação social. Segundo a Prefeitura, quem executar novos empreendimentos e projetos de retrofit no Centro poderá se beneficiar da aquisição de potenciais construtivos na Zona Sul, Grande Tijuca e Zona Norte.
Já para incentivar a produção de habitação social, empreendimentos que destinarem pelo menos 20% de suas unidades para o programa de Locação Social, por um prazo de pelo menos 30 anos, poderão se beneficiar de acréscimo de até 20% na Área Total Edificada. As unidades destinadas à Locação Social terão isenção de IPTU e serão sorteadas antes da concessão do Habite-se do prédio, para evitar diferenças de qualidade de obras entre as unidades residenciais de um mesmo empreendimento.
De acordo com a Prefeitura, com o objetivo de incentivar o diálogo com a sociedade em geral, um gabinete foi criado antes mesmo da aprovação do Plano. Ao reunir representantes de associações de moradores, comerciantes e empresas, o objetivo do Gabinete do Centro é apontar as necessidades específicas de cada localidade.
“A recuperação e conservação contínua do calçamento, mobiliário urbano, monumentos, iluminação pública também são regras, assim como a recuperação e a contínua conservação da infraestrutura verde urbana. O plano urbano tem uma plataforma digital participativa onde os interessados podem acompanhar a dinâmica da revitalização do Centro”, aponta o texto da Prefeitura sobre o Reviver Centro.
Questionamentos
Na época da discussão do Plano na Câmara Municipal, representantes do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RJ) e do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU/RJ) enviaram para a Prefeitura uma análise técnica das propostas para cobrar mais esclarecimentos. O documento questionava a ausência de debates com a sociedade civil em audiências públicas e de discussões no Conselho Municipal de Política Urbana (Compur).
Os especialistas cobravam a apresentação de inventário arquitetônico detalhados das edificações protegidas na área abrangida pelo programa, além da demonstração do potencial de arrecadação da Operação Interligada, uma vez que parte dos recursos serão utilizados para a conservação dos bens protegidos.
“A oferta de habitação no Centro é um ponto chave do programa Reviver Centro, mas que não está bem definido para arquitetos e urbanistas. A proposta é promover moradia com diversidade socioeconômica para reduzir o déficit habitacional. Contudo, os mecanismos propostos tendem a ter efeitos para atendimento de famílias da classe média, com retrofits, enquanto o déficit habitacional está concentrado nas famílias de baixa renda. Para o presidente do CAU/RJ, Pablo Benetti, a política habitacional deve ser entendida como a oferta de um cardápio de soluções que deve levar em consideração: a renda dos beneficiários, as formas de financiamento, as formas de acesso (compra, aluguel, locação social)”, diz o texto publicado no site do CAU/RJ.
Em nota, a Secretaria de Planejamento Urbano reitera que o Plano tem como principal objetivo atrair moradores de diversas faixas de renda e, desta maneira, trazer vitalidade urbana e econômica para a região central. O órgão municipal reitera ainda que o Reviver Centro prevê concessão de benefícios mais amplos a empreendedores que destinarem unidades habitacionais para locação social, além de benefícios a quem promover a recuperação de imóveis históricos com finalidade de moradia.
Sobre a Operação Interligada, a Secretaria argumenta que o mais importante é seu potencial para estimular os investimentos na região do Centro. “Estudos mostram que o impacto urbanístico da Operação nos bairros da Zona Sul onde ela poderia ser usada (Ipanema, Copacabana e Grande Tijuca) seria de apenas 1% do volume construído em toda a região, percentual que os bairros poderiam absorver sem prejuízo de sua infraestrutura já instalada. Os recursos advindos da Operação Interligada serão ainda aplicados em habitação de interesse social, além da conservação de monumentos e de ações de melhorias do espaço urbano da região”, diz a nota.